Apesar da redução de mortes na Terra Yanomami, a malária e a desnutrição estão longe de ser extintas, e os casos de infecção respiratória aguda tiveram alta, mesmo após dois anos de operação do governo Lula (PT) contra o garimpo ilegal.
A situação aponta para um novo gargalo nas ações de proteção aos povos da região. Mesmo sem a presença maciça de garimpeiros como anteriormente, as doenças seguem presentes entre os habitantes, o que exige que as ações de saúde se adaptem.
Procurado, o Ministério da Saúde afirmou que o aumento no atendimento e na testagem também eleva o número de casos, e destacou a redução de mortes.
“A precarização dos serviços e sistemas de saúde indígena até 2022 resultou em uma situação de emergência sanitária por desassistência no Território Indígena Yanomami”, diz o ministério.
A atual crise dos yanomamis tem origem na explosão do garimpo ilegal na região, impulsionado durante o governo Jair Bolsonaro (PL). Como mostrou a Folha, a gestão passada desativou postos de atendimento e deixou a região em situação precária.
Em janeiro de 2023 o governo Lula iniciou uma operação contra o garimpo ilegal e para recuperação do quadro sanitário.
“O restabelecimento da assistência ao território a partir de 2023 permitiu suprir lacunas assistenciais, ampliar as ações de prevenção e controle de doenças e obter dados mais fidedignos sobre a situação de saúde local”, completa o ministério.
A ação, logo no início do governo, reproduziu o tom da campanha eleitoral, quando Lula usou a pauta socioambiental como forma de tentar se diferenciar de Bolsonaro. Desde que o petista foi eleito, porém, o movimento indígena empilhou críticas à gestão petista e a operação no território yanomami sofreu com uma série de obstáculos.
Segundo o governo, entre 2023 e 2024, os casos de morte por malária diminuíram 35% e o número de testes aumentou 73%, considerando o período entre janeiro e setembro, já que a pasta não disponibiliza dados mais atuais.
O número de casos de malária cresceu de cerca de 14 mil para 18 mil, mais que a metade dos 32 mil indígenas que vivem na localidade (casos de reinfecção são comuns).
O governo afirma que o número de profissionais atuando no território subiu 155% e o atendimento foi ampliado em 268%.
No entanto, os registros de infecção respiratória aguda explodiram, subindo 272% —de 3.133 no primeiro semestre de 2023 para 11.484 no mesmo intervalo do ano seguinte.
O déficit nutricional entre menores de cinco anos ficou estável, enquanto as mortes por desnutrição caíram 68%.
Os dados divulgados pelo governo não cobrem todo o ano de 2024, e a falta de transparência nas informações de saúde é outro dos problemas da operação, como mostrou a Folha.
O panorama sanitário preocupante motivou um pedido da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) no STF (Supremo Tribunal Federal) para que o governo Lula explique a situação e volte a produzir informes detalhados e periódicos da operação.
Segundo escreve o coordenador jurídico da Apib, Mauricio Terena, o quadro aponta para a “manutenção da emergência sanitária” e aponta “a dificuldade da atual gestão em conseguir superar esses gargalos”.
Segundo três agentes em campo na terra yanomami com os quais a reportagem conversou sob reserva, o aumento no número de infecções —apesar da queda de mortes— ilustra um novo obstáculo: frear a circulação da malária, vírus que entrou no território indígena trazido pelo homem branco.
Ela se espalha por mosquitos, que picam um indivíduo infectado e transmitem a doença para um próximo.
Se os garimpeiros foram os vetores iniciais do vírus, os agentes explicam que agora os próprios indígenas passam a infecção entre si.
Portanto, um dos especialistas diz que a atuação precisa mudar do combate para o controle: além de evitar casos graves da doença, é necessário impedir também os leves, para acabar com a sua circulação dentro das comunidades.
Os agentes explicam que esse processo deve demorar de seis meses a um ano, dados os desafios logísticos e falhas na proteção do território.
A fronteira com a Venezuela, por exemplo, perpassa toda a região norte da Terra Indígena e é uma área em que o garimpo ainda sobrevive e na qual os militares são ineficazes para evitar invasores, como mostrou a Folha —o que também dificulta o controle da doença.
Durante a explosão do garimpo na região, a infestação de mosquitos chegou a tal patamar, relatam esses agentes, que se formaram enormes poços de procriação do inseto.
Assim, por mais que os invasores não estejam mais lá (estima-se que 90% já foram embora), o mosquito segue circulando e entra em contato com as comunidades que vivem ao redor.
Além disso, os povos do território yanomami têm certa mobilidade. Em alguns casos, acabam se movimentando para áreas de mais difícil acesso das equipes de saúde, ou para mais perto de criadouros de mosquitos.
Outros grupos costumam sair de onde estão apenas em circunstâncias como a morte de uma liderança importante e não se mudam de local mesmo com a aldeia tomada pela infecção.
“A Sesai [Secretaria de Saúde Indígena do ministério] relatou, nesse contexto, dificuldades técnicas para controlar a doença e falta de profissionais qualificados, o que exigiu capacitações e contratações de supervisores de campo”, diz a Apib em sua ação.