Joenia Wapichana, presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), tem como desafio desde o ano passado lidar com medidas para sanar a desnutrição severa que atinge povos no extremo norte do país, sobretudo nas aldeias Yanomami nos estados de Amazonas e Roraima. Ela falou sobre os principais desafios a lidar com a crise indígena que assola a amazônia brasileira.
Pela primeira vez desde que foi criada, em 2002, a Comissão da Anistia aprovou na semana passada pedido de reparação coletiva por graves violações aos direitos de comunidades indígenas no regime militar (1964/1985). Este “perdão” é suficiente para os povos originários?
Joenia – O perdão se transpõe além da palavra, pois já devia ter vindo há muito tempo, desde quando se reconheceu esse período difícil e violento que o país passou. Em relação aos povos indígenas, o perdão é muito pouco, precisa ser acompanhado com medidas de reparação, como falei no dia da audiência da comissão que fala da questão. Reparação tem que ser ambiental, social e territorial. O Relatório da Verdade apontou número que faz muita gente se espantar, mas acho até que o número de vítimas é ainda maior. Reparação tem que ser ambiental, social e territorial. O Relatório da Verdade apontou número que faz muita gente se espantar, mas acho até que o número de vítimas é ainda maior.
Como está a situação do povo Yanomami hoje?
Joenia – Temos feito num primeiro momento, ao longo de 2023… o governo federal e seus departamentos… tomamos pé da situação. O presidente já no primeiro mês do mandato decretou emergência sanitária, os funcionários retomaram o serviço público após anos e anos de negligência e omissão. Foi preciso fazer um grande levantamento do que estava acontecendo. Este ano será de implementar o que foi proposto junto a diversos ministérios. O governo federal instalou a Casa de Governo em Roraima, para facilitar o dialogo de setores locais com Brasília. Temos enfim coordenação no local para tomar medidas mais rápidas.
Mas ainda há diversos casos de indígenas sofrendo com desnutrição, não?
Joenia – Sim, como te falei, o presidente reconheceu que medidas devem avançar, não foram suficientes até o momento. A debilidade que a gente encontrou mostra que precisa ser feita uma articulação interministerial, não apenas levando cestas, que são necessárias, mas já pensando no momento de transição. É preciso trabalhar em projetos de segurança alimentar.
Qual é o número real de desnutridos ou subnutridos naquela região dos Yanomami?
Joenia – Acredito que algumas regiões tenham necessidade maior (de atendimento), são as áreas mais afastadas dos garimpos. A presença do Estado tem que ser forte para que isso (garimpo) não volte mais, proteção e atendimento da saúde para resposta rápida da segurança alimentar. Já existem ações diversas. A gente começa a ver que são ações que devem ser de todos. É um levantamento contínuo, não é só levar cesta básica.
Não é um número ou mesmo uma porcentagem de atingidos pela fome?
Joenia – Porcentagem é difícil de dar, porque é uma área enorme e diversa. Vou esta semana lá para discutir com os ianomâmis para falar da composição da cesta de alimentos, ver o que é possível mudar, por exemplo. O inovador é o diálogo que foi implementado, deixar que os povos indígenas falem o que querem que aconteça. Faremos uma assembleia para levantar um diagnóstico das ações em Roraima. Para nós, é importante esse levantamento. Tem diversas partes muito diferentes no Norte. Onde tem hospital de emergência é mais tranquilo. Mas tem comunidades vizinhas que as ações precisam ser melhoradas, como as de fronteira e de difícil acesso, ou áreas indígenas isoladas.
A senhora acredita que ainda não houve então melhora na situação dos indígenas?
Joenia – Mas melhorou, eu acredito que sim. Só o fato de ter reuniões para que os povos indígenas debatam projetos, isso vislumbra necessidade de ação. A mudança não será de um dia para outro. É agravado a situação de saúde, malária, impactos das mudanças climáticas, doenças respiratórias… Tem que cuidar da saúde, prevenção e alimentação. O governo está articulado com diferentes ministérios para dar essa resposta. São coisas urgentes. O presidente Lula determinou prioridade máxima a essa situação. Mas é um trabalho de longo prazo.