“A qualquer momento chega um grileiro lá, e mete bala na gente!”. Essa fala de uma produtora rural do Projeto de Assentamento Anauá, em Rorainópolis, foi registrada na primeira reunião da CPI da Grilagem de Terras, realizada no município, no dia 26 de fevereiro. A Comissão Parlamentar de Inquérito instaurada pela Assembleia Legislativa de Roraima investiga a existência de uma organização criminosa que frauda documentos para regularizar a posse ilegal de terras públicas ou de terceiros, com possível participação de servidores do governo do Estado.
No centro da investigação, temos o Instituto de Terras e Colonização do Estado de Roraima, o Iteraima, uma bomba-relógio prestes a explodir, quando se fala em regularização fundiária por aqui. Em suma, este órgão é o responsável por emitir o título definitivo das terras, documento que garante a posse de propriedade urbana ou rural.
A presidente do Iteraima, Dilma Costa, é acusada pelo Ministério Público de Contas de Roraima de favorecimento indevido na regularização fundiária da Gleba Baliza, o que pode causar um prejuízo de R$ 1,3 bilhão aos cofres públicos. O governo sequer afastou a investigada do cargo. Repito: a presidente do órgão responsável por emitir titulação de terras, o órgão oficial do Estado, é acusada pelo MPC e o governo nada faz.
Capaz até de acontecer o mesmo que houve com Cecília Lorezon, ex-secretária de Saúde. Foi promovida para uma secretaria menos trabalhosa e saiu o olho do furação de inúmeros escândalos na Secretaria de Saúde. Dilma segue trabalhando normalmente, sem muita preocupação em dar satisfações ao governador.
A Gleba Baliza, em questão, é uma área de 904.520 hectares, desses, 415 mil estão sob domínio do Estado, cuja regularização é de responsabilidade do Iteraima. Segundo o MPC-RR, Dilma emitiu o Memorando-Circular nº 47/2024, que permitia a concessão de autorização de ocupação sem a necessidade de cumprir todas as exigências legais e sem o georreferenciamento adequado. Uma porta aberta, para não dizer escancarada, para ocupações irregulares com apoio do aparato estatal.
Dilma Costa já esteve enrolada com a regularização de terras em Roraima em outra ocasião, o que levou a sua condenação pelo Tribunal de Contas da União (TCU) por irregularidades na destinação de lotes de assentamentos da reforma agrária, enquanto esteve à frente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), entre 2006 e 2007.
Voltando à CPI, Dilma foi ouvida na reunião em Rorainópolis e declarou à imprensa: “O governador Antonio Denarium me deu toda autonomia para agir na Gleba Baliza”. Não é possível afirmar, no entanto, se o governador sabia da flexibilização das regras que facilita a grilagem de terras denunciada pelo MPC-RR, o que também deve ser investigado, para total esclarecimento dos fatos. O presidente da Assembleia Legislativa, Soldado Sampaio, já falou que o governador Antonio Denarium pode ser convocado pela CPI.
O mandatário optou por manter Dilma no comando do Iteraima após as denúncias, pedido de afastamento e até após a condenação no TCU. Mas, em se tratando de Denarium, já sabemos que ele não vê muito problema em ter seu alto escalão envolvido em investigações e suspeitas de crimes. (Link do Esquadrão Suicida de Denarium).
As reuniões da CPI realizadas nos municípios de Rorainópolis e Caroebe trouxeram à tona o medo de pequenos produtores de perder suas terras para grileiros e o relato de violência, com pessoas tendo suas casas queimadas. As oitivas na Assembleia Legislativa evidenciam ainda mais o tamanho e a gravidade do problema.
Uma das testemunhas foi presa por mentir na CPI. Jamiro Alves da Silva, de 51 anos, se apresentou como pedreiro, quando, na verdade, tinha declarado mais de R$ 10 milhões ao Tribunal Regional Eleitoral, em 2022. Ele alegou ter atuado apenas como procurador de um suposto proprietário de um lote na Gleba Cauamé, identificado como “Almiro”. Esta área é alvo de uma disputa por terras.
Almiro Ferreira Marinho é investigado pela Comissão por suspeita de grilagem e teve sua condução coercitiva solicitada ao faltar a dois depoimentos. Na lista de pessoas a serem ouvidas ainda constam servidores do Iteraima, que esperamos contar tudo que sabem, mas com a possibilidade de recorrerem ao silêncio e omissão. As investigações podem esclarecer se servidores do instituto estão envolvidos em falsificação de documentos e pareceres técnicos, sobreposição de terras, fraude em georreferenciamento entre outras irregularidades para favorecer grileiros. Se tiveram ou não participação no tal esquema, só a conclusão da CPI deve apontar.
Até lá, os integrantes da Comissão Parlamentar de Inquérito afirmam ter um outro desafio pela frente, driblar a tentativa de descredibilização. Os parlamentares acusam o governo estadual de atuar para enfraquecer os trabalhos da CPI. Soldado Sampaio, deixou claro que não vai admitir que tentem confundir a opinião pública sobre as investigações.
“O que está sendo feito é tentar desvirtuar, tentar descaracterizar, criar dúvidas na cabeça das pessoas sobre o trabalho da CPI. Não vão conseguir. Nós vamos ter a sabedoria de separar de fato onde é um conflito de terra entre vizinhos e o que é grilagem”, afirmou.
O presidente da Comissão, deputado Jorge Everton, alegou ser alvo de uma campanha difamatória por meio da disseminação, segundo ele, de notícias falsas sobre a posse de terras de sua ex-esposa, numa tentativa de envolvê-lo nos crimes que investiga. Ele nega irregularidades na titulação da área em questão. Claro que tudo deve ser investigado, incluindo suspeitas sobre integrantes da CPI, para que o relatório final seja o mais transparente possível.
O que podemos concluir com o que foi apresentado, até o momento, é que a denúncia do Ministério Público de Contas e o trabalho da Comissão Parlamentar de Inquérito jogaram luz no problema crônico que é a grilagem de terras em Roraima, cuja solução requer uma apuração minuciosa dos processos fundiários encabeçados pelo Iteraima. É necessário fazer um pente fino em todos os documentos emitidos e validados pelo instituto, para saber se, quem foi reconhecido como dono da terra, de fato é.
Não está claro ainda qual período de tempo será usado como base das investigações. Há muitos governos, o Iteraima é cercado de suspeitas de ilegalidades na regularização de terras em Roraima. Mas, se afunilarmos para os últimos quatro anos, há bastante trabalho para a CPI. Em 2019, o governo de Antonio Denarium lançou o programa “Aqui Tem Dono”, com a justificativa de garantir segurança jurídica ao homem do campo através da regularização fundiária.
Em quatro anos, segundo informa o portal de notícias do governo de Roraima (reportagem publicada em dezembro de 2024), foram entregues mais de 22 mil títulos definitivos urbanos, rurais e no Distrito Industrial. Mesmo que as terras e imóveis regularizados tenham seguido os preceitos da legalidade, é inevitável, com tudo que foi revelado, uma preocupação para quem foi beneficiado: esses títulos serão validados pela Justiça, caso se comprovem fraudes? A segurança da regularização fundiária prometida pela gestão Denarium, cai, todos os dias, literalmente, por terra.