Foto: CIR

Há mais de 25 dias de mobilização, indígenas de Roraima protestam em frente ao Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) Leste, contra a ingerência política na nomeação e posse da nova coordenação da unidade de saúde do estado.

Mais de 300 indígenas representando de 11 etnorregiões e 263 comunidades de Roraima, onde moram mais de 67 mil indígenas, exigem que o Estado respeite sua própria decisão de dar posse a enfermeira indígena Letícia Monteiro da Silva Taurepang, nomeada em 06 de maio de 2025 como coordenadora do Dsei Leste (RR) e, substituída sem explicações ou justificativas pela servidora pública da Secretaria de Estado da Saúde (Sesau) de Roraima, Lindinalva Lopes Marques.

“Os indígenas exigem que o Estado respeite sua própria decisão de dar posse a enfermeira indígena Letícia Taurepang”

Além de não respeitar sua própria decisão, o Estado não respeitou as instâncias indígenas que tem por objetivo definir as políticas públicas que afetam diretamente a vida dos povos no estado de Roraima. Assim, nomear e dar posse como coordenadora do Dsei Leste de Roraima à enfermeira indígena Letícia, nada mais é do que respeitar sua própria estrutura e instâncias deliberativas. E respeitar, acima de tudo, os povos indígenas do estado em sua legítima participação nos rumos de suas vidas.

Convictos de não se sujeitarem às ingerências de políticos alheios às políticas indigenistas e opositores da vida indígena. As lideranças representativas de todas as regiões atendidas pelo Dsei Leste de Roraima mobilizadas em frente à sede da unidade em Boa Vista, afirmam que só deixarão o local com a posse de Letícia Taurepang.

“O Estado não respeitou as instâncias indígenas que tem por objetivo definir as políticas públicas que afetam a vida dos povos em Roraima”

É o que afirma o Tuxaua Geral do Conselho Indígena de Roraima (CIR), Amarildo Macuxi, quando diz que há legitimidade na nomeação de Letícia e interferência de políticos com interesses opostos aos dos indígenas nomeando outra pessoa que não seja a escolhida pelos povos indígenas.

“Ela [Letícia] foi indicada [pelo Movimento Indígena], foi nomeada, mas o ministro voltou atrás, nomeou uma outra pessoa. Nós não concordamos com a interferência da política partidária dentro dos nossos distritos. Por isso, a gente continua aqui firme na luta. Fizemos incidência em Brasília e agora estamos aqui no Dsei. O nosso povo continua mobilizado de forma pacífica [até a posse de Letícia]”, assegura o tuxaua.

A substituição ocorreu com evidente interferência política, pois sem utilizar qualquer ato e, ou instrumento normativo, o ministro da saúde, Alexandre Padilha, substituiu a nomeação da enfermeira indígena Letícia Taurepang pela servidora pública da Secretaria de Estado da Saúde (Sesau) de RR, Lindinalva Lopes Marques.

“A substituição ocorreu com evidente interferência política, pois sem utilizar qualquer ato e, ou instrumento normativo”

Construção com legitimidade

Para uma eficaz e eficiente política de saúde indígena é necessário que, em sua construção, seja realizado um conjunto de ações que envolvam desde o reconhecimento e respeito à diversidade cultural e territorial dos povos indígenas até a garantia de acesso a serviços de saúde de qualidade e com respeito aos costumes, línguas e tradição.

Foi com essas ações que a política de saúde indígena do estado de Roraima foi construída, recebendo a incontestável contribuição do CIR. O Dsei Leste é um dos Distritos pioneiros e um dos movimentos mais bem organizados na busca de uma saúde indígena própria, específica e de qualidade.

“O Dsei Leste é um dos Distritos pioneiros e um dos movimentos mais bem organizados na busca de uma saúde indígena e qualidade”

A nomeação de Letícia, em maio, foi indicação do movimento indígena justamente para que seja garantido esse caráter de seriedade, competência e, principalmente, legitimidade na representação e no cuidado com a saúde indígena do estado. “Ninguém melhor do que pessoa indígena para cuidar da saúde indígena”, dizem as lideranças indignadas pela ingerência de políticos alheios e contrários à defesa dos povos indígenas.

O coordenador da mobilização, Felipe Macuxi diz que, por mais dificuldades que enfrentaram, os indígenas nunca desistiram de participar das definições da saúde indígena no estado. “Nunca desistimos e conseguimos [esse ano] ter nossa representante”, declarou com otimismo que a nomeação da servidora vai ser revertida.

“O movimento ainda está aqui na frente do Dsei e vai continuar”

“O movimento ainda está aqui na frente do Dsei e vai continuar. E graças a Deus está dando resultado. A gente teve audiência no Ministério Público duas vezes. Uma, não conseguimos porque o outro lado não compareceu. Na segunda audiência estava o procurador e os outros, e conversando lá, a outra organização estava dizendo que a gente estava mentindo pelo candidato e que o movimento não deixa os funcionários entrar no prédio. Isso aí sempre não é verdadeiro. Então, tudo isso aí a gente conseguiu cumprir e estamos conseguindo. Estamos aguardando agora [a nomeação] e a gente vai seguir em frente”, explicou esperançoso.

Aleixo Wapichana, jovem liderança da comunidade Pium, região Serra da Lua, diz que a luta é pela saúde indígena de qualidade, mas também para exigir respeito à participação indígena nas definições de políticas que afetam suas vidas.

“Estamos firmes e fortes aqui no Dsei, lutando para uma saúde de qualidade, para uma saúde melhor nas comunidades”

“Estamos seguindo firmes e fortes aqui no Dsei, lutando para uma saúde de qualidade, para uma saúde melhor que possamos vivenciar dentro da nossa comunidade. Porque hoje, dentro do nosso território a nossa saúde está bem precária. E é por isso que estamos aqui lutando para a gente ter uma representatividade. Nomear outra pessoa que não foi indicação do movimento indígena, e sim do governo, foi uma falta de respeito com a gente”, disse, afirmando que cargos públicos específicos para indígenas devem ser ocupados por indígenas e que a luta se estende para o território e para a vida indigena.

“Não é só pela saúde ou pelo cargo. A gente permanece aqui em pé pelo nosso território porque sem território não há saúde, não há educação, não há nada que tenha qualidade para os indígenas. É por isso que o movimento indígena do estado de Roraima, hoje, é bem forte. Porque permanecemos lutando e reivindicando que nosso direito não seja violado. Apesar que somos humilhados, massacrados em diversos estados do Brasil, mas a gente vai permanecer aqui firmes e fortes, na primeira linha de defesa”, afirmou convicto.

“A saúde indígena aqui em Roraima e no Brasil é uma conquista de luta, é uma conquista do movimento indígena”

O Vice-tuxaua do CIR, Paulo Ricardo Macuxi, respalda o depoimento de jovem Wapichana e afirma que as conquistas indígenas só foram alcançadas porque o movimento indígena sempre permaneceu ativo, unido e fortalecido.

“A saúde indígena aqui em Roraima e no Brasil é uma conquista de luta, é uma conquista do movimento indígena, nossas lideranças tradicionais participaram ativamente, discutiram, reivindicaram espaço específico para a saúde indígena que hoje é a Sesai”, lembrou, destacando que a luta é histórica.

“A luta não é apenas por uma coordenação, mas por um compromisso real com as questões que afetam diretamente a vida dos indígenas na base. O Distrito Sanitário Especial Indígena, criado na década de 90, é fruto da luta e reivindicação do movimento indígena de Roraima, mas para conquistar o espaço foram anos e anos de luta, noites em claros e dias e dias sob sol e chuva. O Conselho Indígena de Roraima carrega um legado atuando há 54 anos em defesa da vida indígena”, evidenciou.

“A luta não é apenas por uma coordenação, mas por um compromisso real com as questões que afetam diretamente a vida dos indígenas na base”A voz ecoa pelo Brasil

A manifestação indígena em frente ao Dsei Leste, em Boa Vista (RR), reflete a determinação e resistência do movimento indígena de Roraima para garantir que decisões coletivas sejam respeitadas. A escolha de Letícia Taurepang foi uma decisão coletiva e por essa legitimidade deve ser conduzida ao cargo.

A mobilização que exige reverter a nomeação de Lindinalva e dar posse a Letícia Taurepag, se inseriu na mobilização nacional que os povos indígenas de todas as regiões do Brasil realizaram dia 9 de junho, em Brasília, com o objetivo de defender os direitos indígenas garantidos pela Constituição Federal de 1988.

O protesto, convocado pela Articulação dos Povos Indígenas (Apib), chamou a atenção para os retrocessos legislativos que ameaçam a vida nas terras indígenas, como explicou o Tuxaua Amarildo.

“A manifestação reflete a determinação e resistência do movimento indígena de Roraima para garantir que decisões coletivas sejam respeitadas”

“Nós estamos sofrendo uma perseguição muito grande, são os ataques contra o direito originário dos povos indígenas com vários projetos de leis, Lei do Marco Temporal, a 14.701, a Mesa de Conciliação que está no Supremo [Tribunal Federal], através do ministro Gilmar Mendes, a lei da mineração, do arrendamento, licenciamento ambiental, a suspensão dos decretos homologatórios dos territórios, e agora [o PL] que diz que podem ser ocupadas pela União as terras indígenas que não são demarcadas”, elencou o Tuxaua, expondo os problemas advindos dessas ingerências políticas.

“Isso tudo para nós vem gerando muito problema, é incentivo para invasão dos territórios indígenas, aumento de plantação de soja, autorização dos petróleos, na bacia do rio Takutu, aqui em Roraima, e de outros em outras regiões. Muitos povos sendo expulsos do seu território, as comunidades indígenas sendo mortas, espancadas. E isso para nós é revoltante, uma injustiça contra a nossa população”, lamentou. “O movimento indígena continuará mobilizado”, afirmou a liderança.

“Isso tudo para nós vem gerando muito problema, é incentivo para invasão dos territórios indígenas”

Em 9 de junho foram registradas mobilizações em ao menos treze estados, com trancamentos de rodovias, protestos em capitais e encontros nas aldeias. Dentre outras, teve como pauta central o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 717/2024, de autoria do senador ruralista Esperidião Amin (PP/SC), além da reafirmação da inconstitucionalidade da Lei 14.701/23, a Lei do Marco Temporal. O Projeto de Lei (PL) 2159/2021, que flexibiliza as regras para o licenciamento ambiental no país, o PL da Devastação, também foi alvo de protesto pelos indígenas.

Para o Congresso Nacional, o recado foi claro: os povos indígenas não aceitam o desmonte da legislação indigenista que regulamenta o procedimento administrativo de demarcação de terras.

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