Mães de primeira viagem, Glauciane e Yarithza compartilham todas as mudanças que um bebê traz para o cotidiano da família, mesmo antes de nascer. Melhorar a alimentação, preparar o enxoval, mas também informar a família expandida, conhecer os cuidados durante o puerpério e todo o aprendizado que envolve cuidar de um novo integrante na família. Em comum, ambas também frequentam a sede do Família que Acolhe (FQA), que funciona desde 2013 em Boa Vista, capital de Roraima. O programa de saúde integral hoje conta com pontos de acolhimento por toda a cidade, descentralizando o atendimento para se aproximar de um número cada vez maior de famílias.
Em encontros quinzenais, as gestantes e novas mães (além dos pais, avós e demais cuidadores) conhecem outras famílias da cidade com crianças de idade semelhante, participam de palestras sobre parentalidade positiva e cuidados com o bebê, contam com atendimento de médicos especializados e, até mesmo, recebem um kit enxoval quando se aproxima o nascimento. Com exceção das mães adolescentes, que podem ingressar no projeto em qualquer momento da gravidez, o FQA inicia o trabalho com gestantes de até 21 semanas, garantindo que o atendimento precoce seja integral e acompanhe todo o pré-natal.
O objetivo é que qualquer intervenção necessária aconteça no tempo certo, propiciando que os bebês usufruam de um desenvolvimento integral enquanto ainda estão na barriga e após o nascimento. Para acompanhar as necessidades em cada fase da gestação e dos primeiros anos de vida, uma caderneta do bebê é entregue a cada uma das participantes do programa, onde podem anotar os dados da criança e os dias de consultas e encontros em grupo, mas também personalizar com foto, informações de peso, altura e horário de nascimento.
Glauciane tem 26 anos e está gestante de quatro meses de seu primeiro bebê, que ainda desconhece o sexo. Frequenta o Família que Acolhe há alguns meses, desde que ficou sabendo da gestação planejada com o marido. Por lá aprendeu sobre a importância de melhorar seus hábitos alimentares, fazer exercícios físicos durante toda a gravidez e garantir a amamentação exclusiva pelos primeiros seis meses do bebê. Mas, para além dos cuidados médicos, é o sentimento de grupo que conquistou a nova mãe.
“É realmente uma família que acolhe. É um projeto incrível e uma verdadeira oportunidade estar aqui. Aprendi bastante e vou continuar vindo, daqui uns anos, por conta da criança. O cuidado de uma criança, para mim, é todo novo. Eu imagino trazendo ele também para os encontros, ou ela, porque aqui a gente tem vários cuidados com médico, pediatra e esse espaço lindo para as crianças brincarem”, conta em entrevista para a coluna, realizada na brinquedoteca do Família que Acolhe. Com piso emborrachado, as crianças podem ficar livres para explorar brinquedos de madeira, animais em pelúcia e outras atividades em uma sala exclusiva para a exploração delas.
Já Yarithza é mãe do pequeno Arthur, que com apenas dois meses já encheu sua jovem mãe de novos aprendizados. Com apenas 21 anos, ela já ensinou, até mesmo para sua experiente avó, que não existe leite materno fraco e que os recém-nascidos não precisam tomar água, nem chá. Com as descobertas de uma nova forma de maternar, ela compartilha as lições que recebeu no FQA também com a vizinha que acaba de ter um bebê, muitas vezes contradizendo as antigas gerações de mães da família.
Como começou a participar do projeto durante a pandemia, Yarithza contou com um acompanhamento online durante a gravidez, mas mantendo o cronograma de encontros e aprendendo dicas de cuidado com vídeos interativos compartilhados com seu grupo de mães. Nos encontros virtuais tirava dúvidas e escutava a experiência de outras mães e cuidadores, com continuidade no grupo de whatsapp que criaram.
“Sou mãe de primeira viagem e meu mundo sobre maternidade era muito pequeno, eu não sabia quase nada sobre o assunto. Aprendi muito sobre como ficar tranquila na gravidez e em relação ao puerpério. O meu planejamento era ter o nenê, mas fora isso eu não tinha nada planejado. Além de ter benefícios nas questões do futuro, de aleitamento, de creche, o convívio é uma experiência muito boa”, destaca a nova mãe.
A partir dos 12 meses o programa garante o fornecimento de leite para os bebês e, quando chega a idade escolar, acompanham a matrícula em creches municipais, tudo coordenado pelo cadastro único da prefeitura. Fruto do esforço de integração entre várias secretarias, o FQA é uma vitrine da Prefeitura de Boa Vista e já inspirou outras cidades do país. Seus benefícios são uma forma de atrair as novas famílias e garantir o seguimento nas reuniões em grupo.
“Eu tinha muita ausência de verdura, fibras, doces que eu não tinha muita ideia, e as reuniões ensinaram que eu não podia comer de forma exagerada. Eu comecei a me cuidar melhor por conta das reuniões, diabete gestacional, pré-eclâmpsia, hipertensão, são coisas que eu vim aprendendo no programa. Todas essas experiências eu consegui por conta das reuniões. A primeira mudança que eu achei foi o acolhimento. Aqui a gente consegue tanto conhecer as experiências de outras como falar das próprias experiências, e isso é muito bom, principalmente para quem não tem aquele acompanhamento de família. Eu aprendi aqui que a primeira infância é desde quando ele nasce, é tudo que ele aprende. São as primeiras coisinhas que ele vem fazendo, aquela primeira conexão, aquele primeiro laço”, completa Yaritzha.
Chamada de capital brasileira da primeira infância, Boa Vista tem um histórico de programas e intervenções urbanas com foco no desenvolvimento dos pequenos cidadãos, ainda nos primeiros anos de vida. O Família que Acolhe é uma destas referências e, prestes a completar 10 anos de atuação na cidade, dá exemplo de acolhimento e cuidado integral. A parentalidade construída coletivamente traz benefícios para as crianças, as famílias e toda a comunidade, sem diminuir o papel da gestão pública como indutor de processos e fornecedor da infraestrutura para tal.