Foto: reprodução/Instagram @xuxameneguel

“Se eu falar que me vejo maravilhosamente bem, eu estou mentindo maravilhosamente bem. Eu me vejo com todos os meu defeitos, mas também com todas as minhas virtudes, minha maturidade, que é bacana, mas faz falta, faz MUITA falta um bom colágeno.”

A fala de Xuxa mostra nuances da mulher que retomou as rédeas da própria vida, lá no início dos anos 2000, após uma relação conturbada com a diretora Marlene Mattos. Entre erros e acertos, fracassos e glórias, a apresentadora escreveu novos capítulos e, agora, experimenta as dores e as delícias de ser uma mulher de 60 anos.

Que a “rainha dos baixinhos” construiu uma das histórias mais bem-sucedidas da televisão e garantiu um espaço permanente no imaginário de gerações de brasileiros — gostem disso ou não —, caro leitor, você já sabe.

Mas quem é a Maria da Graça hoje? Como ela lida com o tempo (e as mudanças que vêm junto dele)? O que a fez dar nome aos personagens e se posicionar diante de um país dividido?

A morte da mãe, dona Alda, em 2018, talvez tenha sido a maior ruptura na vida da artista ao longo dos últimos 20 anos. O “passarinho” dela, parafraseando a apresentadora, voou e foi “pintar um lindo pôr do sol”, mas também deixou um vazio que precisou de paciência (e por que não amor?) para cicatrizar.

Em paralelo, os cuidados estéticos foram colocados em segundo plano e, de acordo com ela, só foram retomados recentemente. “Depois que a minha mãe se foi, eu larguei de mão. Mas, agora, eu estou me cuidando um pouco mais. Estou indo a dermatologista, tentando voltar a fazer o meu pilates, massagem, andando em esteira. [Tentando] me cuidar um pouco.”

À medida que os sinais do tempo foram chegando, porém, a artista também passou a vivenciar a liberdade plena de dizer (e fazer) o que lhe der na telha. Entretanto, mesmo diante de todos os privilégios que a cercam, Xuxa também entrou em contato com a insegurança diante da própria imagem.

O uso de ferramentas estéticas, ainda que tenham voltado à vida dela, hoje é encarado com doses de uma realidade que se impõe. “Obviamente que não é o suficiente, porque 60 anos são 60 anos, mas quando eu me olho no espelho eu penso ‘hum’. Ou passa alguém pertinho de mim e fala: ‘Oi, gostosa’. Tudo passa.”

É neste momento que a mulher por trás da figura pública ganha mais humanidade, mesmo que para quem a encontre pessoalmente seja praticamente impossível não ficar impactado com a presença e tudo aquilo que ela representa para a infância de tanta gente.

Xuxa nasceu Maria da Graça, em Santa Rosa (RS), viu a mãe tirar de si para que não faltasse nada aos filhos, e alcançou um sucesso que a televisão de agora seria incapaz de reproduzir. O mundo é outro.

Hoje, depois de tudo isso, a apresentadora se vê uma “mulher vitoriosa, gaúcha com muito orgulho, apaixonada pelo Rio de Janeiro e mãe de uma pessoa incrível.” Ela também não esconde o desejo cada vez mais latente de ser avó.

A apresentadora, ainda que tenha nascido no subúrbio — e enfrentado os desafios que a própria história colocou à sua frente —, também desfruta de uma vida de privilégios desde que teve a imagem projetada pela extinta TV Manchete, em 1983, e, anos depois, alcançou o auge na Globo.

Foi a partir desse lugar, seja consciente ou inconscientemente, que aos poucos Xuxa foi deixando a imagem histórica e mostrando mais claramente algumas das visões de sociedade e mundo. Posicionamentos que ficaram mais evidentes quando rompeu com antigas parcerias e passou a ditar os rumos da carreira.

A “lua de cristal”, que tem um lugar garantido na infância, ganhou toques de realidade e o “mito” também passou a ser questionado e criticado — muito disso impulsionado pelo poder do que acontece dentro das redes sociais.

Mas nos últimos anos, ela, que sempre afirmou fazer a “política da criança” e evitou posicionamentos partidários, decidiu descer do muro e passou a criticar publicamente o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Segundo a artista, a postura do político em relação à diversidade, ao meio ambiente e às crianças foram cruciais para que fizesse o “L” — em referência ao presidente Lula (PT) — em 2022.

“E ainda tem coragem de falar em alto e bom som que olhou? Ele falou isso duas vezes, em lugares diferentes… Olhou para uma criança de 13, 14 anos e pintou um clima. Aí, realmente, se eu pudesse, fazia um L, eu fazia dois Ls, eu fazia três, porque eu queria que esse homem sumisse. Porque essa pessoa não merece respirar o mesmo ar que a gente.”

A mudança, naturalmente, a deixou ainda mais longe de ser uma unanimidade, mas também agradou setores da sociedade que foram fundamentais para o sucesso dela: como, por exemplo, a comunidade LGBTQIA+.

Mesmo que tentassem, os canais de hoje não conseguiriam repetir o fenômeno atingido com a apresentadora. A internet atropelou tudo e mudou a dinâmica do sucesso, até mesmo para a rainha. E ela sabe disso.

“Claro que eu gosto de ver jornal, claro que eu gosto de ver e ouvir programas bem-feitos e tal, mas é um momento onde eu quero comer uma pipoca, ficar agarradinho com o Ju [O namorado, Junno Andrade], com a Sasha, com a Doralice [cachorrinha de estimação]. Hoje, eu vejo a televisão como um momento para mim, um momento de relax.”

Xuxa cresceu sob os olhos do Brasil. Ela começou a carreira ainda menina, ganhou muito dinheiro e virou mulher enquanto apresentava alguns dos programas de maior audiência e repercussão na história da televisão (entre Manchete e Globo). A artista também experimentou outros formatos na Record TV e, nos últimos anos, voltou a circular pelos Estúdios Globo, que pouco lembram os de outrora.

A apresentadora atravessou décadas de transformações e, mesmo assim, conseguiu manter viva uma legião de fãs. Ao todo, já são 40 anos ocupando um posto de admiração e encantamento no que há de mais lúdico e mágico nas pessoas: a infância – ainda que tenha mandado a Cláudia “sentar lá” e pisado de propósito no pé de uma criança.

Por isso mesmo, aos olhos de hoje, os programas infantis de Xuxa que a tornaram do tamanho que ela tem provocam debates e críticas. A principal é a falta de representatividade e a dificuldade de muitas crianças, em especial as negras, se enxergarem em meio a tantas paquitas loiras na TV.

Embora essa falha não seja necessariamente responsabilidade da apresentadora, mas reflexo de uma estrutura social vigente, é urgente não perder isso de vista para que o mesmo não se repita nos meios de comunicação atualmente.

A “rainha dos baixinhos” carrega doses de contradição e não é uma unanimidade. Mas, ainda assim, tem garantido um espaço único na história do Brasil — entre reverências, questionamentos e problematizações necessárias para o mundo.

No passado, quando perguntada como se via no futuro, a resposta foi que queria ser uma “velha chocante”. Hoje, quatro décadas depois da entrevista, a resposta dela é essa:

“Hoje, aos 60 anos, eu acho que sou chocante e pretendo continuar me achando chocante futuramente. Chocando os outros ou sendo chocante, sendo deliciosa para o meu marido, sendo incrível para a minha filha, sendo uma pessoa que as pessoas curtam e gostam. Isso que quer dizer chocante na minha concepção, no meu conhecimento”.

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