Comunidade indígena na terra Yanomami (Foto: Funai/arquivo)

Atendendo decisão que acatou pedido do Ministério Público Federal (MPF), a União irá devolver, nos próximos dias, os corpos de quatro indígenas yanomami sepultados em Boa vista (RR), em decorrência da pandemia de Covid-19. São três crianças, entre elas, um recém-nascido, além de um adolescente de 15 anos. Este último foi o primeiro yanomami a falecer em decorrência do vírus. A medida é resultado de determinação da Justiça Federal de Roraima, que concedeu, em março de 2022, liminar requerida pelo MPF em ação civil pública, para assegurar aos indígenas a realização dos rituais de luto.

Os restos mortais das três crianças foram exumados na última semana, e – após protocolo sanitário – serão trasladados até as comunidades de onde as crianças são provenientes, nesta quinta-feira (23). Já o corpo do adolescente passou por procedimento de exumação nesta quarta-feira (22) e será preparado para posterior envio à sua comunidade de origem, ainda sem data definida, também seguindo regras sanitárias. As aldeias estão localizadas na fronteira entre Brasil e Venezuela, dentro do território Yanomami. Os corpos serão entregues aos familiares e lideranças, para que possam realizar os rituais fúnebres, de acordo com a cultura de cada população.

Na ação, o MPF destacou que a manutenção dos restos mortais em cemitério viola o direito fundamental de luto dos povos indígenas. Na cultura dos Yanomami, a não realização dos rituais pode causar malefícios tanto para o morto no mundo espiritual, quanto para a comunidade no mundo físico. “A proteção constitucional conferida (aos indígenas) inclui a realização de rituais funerários, sendo certo que ignorar as práticas culturais em momento tão grave para uma família e uma comunidade é agravar a situação de sofrimento e a violência sofrida em razão de doenças levadas por não indígenas”, sustentou o procurador da República Alisson Marugal na ação.

Entenda o caso – As crianças faleceram após complicações graves de Covid-19 nos primeiros meses da pandemia, em 2020, quando ainda havia incertezas sobre a segurança sanitária da remoção de restos mortais. Diante desse quadro, a Defesa Civil de Roraima elaborou, na época, norma proibindo a população indígena de realizar seus rituais fúnebres, prevendo tão somente a exumação dos corpos após o fim da pandemia.

Adotando o princípio da precaução, o MPF acompanhou as negociações, buscando subsídios por meio da oitiva de comunidades indígenas, autoridades sanitárias federais, estaduais e municipais e diversos especialistas, para propor, no momento adequado, o retorno dos corpos sepultados. Assim, em dezembro de 2021, baseado em pareceres favoráveis do Instituto Médico-Legal (IML) de Roraima e da Vigilância Sanitária de Boa Vista, o MPF emitiu uma recomendação aos Distritos Sanitários Especiais Indígenas do Leste de Roraima e Yanomami para que realizassem o processo de exumação e a transferência dos restos mortais de indígenas enterrados sem autorização das comunidades.

No entanto, a Secretaria de Saúde Indígena (Sesai) – que coordena e supervisiona a saúde desses povos – se recusou a cumprir a recomendação, alegando risco epidemiológico para as comunidades. Em razão da negativa, o MPF ajuizou ação civil pública para obrigar a União e o Governo de Roraima a promoverem a exumação e o traslado dos corpos dos indígenas Yanomami enterrados em Boa Vista (RR). Após manifestações do MPF pedindo a execução da medida, em fevereiro deste ano, a Justiça fixou prazo de 10 dias, sob pena de multa, para que a União demonstrasse o cumprimento da determinação judicial.

Ação semelhante – No processo, o MPF cita um outro caso – ajuizado em 2020 – em que os próprios indígenas da etnia Wai Wai entraram na Justiça para exigir que os corpos de seus parentes, também sepultados no cemitério de Boa Vista, fossem exumados e devolvidos à comunidade de origem. A ação, que tramitou na 1ª Vara Federal de Roraima, foi julgada procedente, em março de 2021, determinando que o procedimento seja realizado pela União.

Com a decisão favorável, o MPF protocolou, em fevereiro de 2022, ação de execução requerendo o cumprimento da decisão judicial. No mês seguinte, no entanto, o Tribunal Regional Federal da 1a Região (TRF1), em decisão contrária ao pedido dos indígenas, atendeu ao recurso da União e suspendeu os trâmites da exumação. O caso ainda aguarda decisão final da Justiça.

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