Foto: Ívina Garcia/Agência Amazônia

Com condições mínimas de saúde, pouca ou nenhuma segurança e jornadas longas e exaustivas de trabalho, a “escravidão moderna” é uma realidade ainda existente no Brasil. Divulgada no segundo semestre de 2022, a “lista suja” do governo federal traz a adição de 179 empregadores, envolvidos em denúncias de trabalhos análogos à escravidão no País.

O “Cadastro de Empregadores que tenham submetido trabalhadores a condições análogas à de escravo”, atualizado no último dia 14 de dezembro, traz informações completas sobre o balanço das empresas, com registros que variam entre os anos de 2011 e 2022.

Entre os nove Estados da Amazônia Legal, Pará, Mato Grosso, Maranhão, Roraima, Tocantins, Amapá e Rondônia aparecem no levantamento, com 27 empresas envolvidas em casos de trabalho escravo e 211 pessoas resgatadas dessas condições.

Os flagrantes foram incluídos no cadastro em 2022, após decisão administrativa de procedência. Com isso, a lista mostra que 1.607 trabalhadores foram colocados em situação de sub-trabalho, sendo 18 deles apenas no ano de 2022.

O Pará se destaca na lista da Amazônia Legal, com 14 empregadores envolvidos, entre os anos de 2018 e 2022, que sujeitaram 129 pessoas ao trabalho análogo à escravidão. A maioria dos relatos aconteceu em Fazendas, no ano de 2019.

O maior registro aconteceu em junho de 2018, quando 30 pessoas foram resgatadas por fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego, Ministério Público do Trabalho, Defensoria Pública e Polícia Rodoviária Federal que encontraram a comitiva de gado bovino de corte, no Vicinal do Guaxupé, em Novo Repartimento.

Os trabalhadores estavam transportando o gado a pé pelas margens da BR-230, conhecida como Rodovia Transamazônica, divido em três comitivas. O primeiro grupo saiu em abril da fazenda, e tinha como destino a Fazenda Porangaí, em Xinguara, aproximadamente, 930 quilômetros distante do ponto de partida. A previsão era percorrer a distância em até 120 dias, levando cerca de 3,5 mil bois sem assistência média e com pagamento entre R$ 45 a R$ 60, a diária.

Em seguida, o Mato Grosso aparece com sete empregadores na lista, com ações registrada entre os anos de 2018 e 2019, tendo a maior liberação ocorrida em 2019, quando sete trabalhadores foram resgatados da Fazenda Santa Rita, Rodovia MT-422, km 100, zona rural de Santa Carmem.

Os trabalhadores catavam raízes em área destinada ao plantio de soja e acampavam em barracos de lona, sem condições de higiene e sanitárias, nem água potável havia.

No Maranhão, três empregadores entraram para a lista, com 51 empregados colocados em situações análogas à escravidão. O maior registro aconteceu na Fazenda Macapá, quando 29 trabalhadores foram resgatados em 2019, quando as equipes constataram que eles dormiam em redes em barraco de lona, não tinham acesso a instalações sanitárias, faziam as refeições em fogareiros improvisados no chão; consumiam água quente e não filtrada, entre outras coisas.

Roraima tem dois registros, com sete pessoas resgatadas nos anos de 2018 no Sítio Paraíso, e 2019 na Madeireira Roraima. O Estado de Tocantins registrou um caso, em 2020, com cinco pessoas resgatadas na Fazenda Gratão, em Nova Olinda. Amapá teve cinco resgatados no Garimpo do Lourenço, em 2017, e Rondônia com 17 pessoas resgatadas em 2019, na Fazenda Santa Rita de Cássia, às margens da Rodovia BR 364, km 138, na zona rural de Pimenta Bueno.

Prevenção
A coordenadora e o vice-coordenador nacional de Erradicação do Trabalho Escravo e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas do Ministério Público do Trabalho (MPT), Lys Sobral Cardoso e Italvar Medina, divulgaram nota técnica pela não incidência da prescrição quanto às pretensões relativas ao trabalho em condição análoga ao de escravo ou ao tráfico de pessoas para fins de exploração do trabalho.

Os procuradores explicam que a imprescritibilidade da pretensão judicial é recorrente em outros casos de Justiça no Brasil e são essenciais para o fim definitivo do trabalho análogo à escravidão. Na nota, Lys e Italvar pontuam que as vítimas se encontram em situação de extrema vulnerabilidade social, sem acesso ao sistema de justiça, o que impossibilita ou dificulta a reparação no momento da ocorrência dos fatos.

Com isso, a prescrição resultaria no recebimento apenas parcial do tempo em que o trabalhador foi explorado, prejudicando a reparação pelo período devido e beneficiando o infrator, que explorou a prática.

“Nenhuma indenização jamais será capaz de devolver à pessoa que foi explorada todas as perdas que ela teve e retratar violências que sofreu, também o é que o Direito não pode descuidar de entregar a essa pessoa um retorno que, ao menos, seja o mais próximo possível de uma justa reparação e que seja hábil a garantir a ela um futuro diferente“, diz a nota.

Para os procuradores, a imprescritibilidade das pretensões decorrentes da escravidão moderna é uma das garantias mais importantes para a reparação de tal forma de violência. “É de enorme relevância tanto para a punição do empregador que explora quanto para a recomposição para quem foi explorado, e, ainda, para a prevenção de novos casos, dado o efeito pedagógico que causa“, pontuam.

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