Foto: Divulgação/Rede Globo

O caso Escola Base é um dos mais notórios da história do jornalismo brasileiro. Uma série de erros cometidos pela polícia e pela imprensa levou uma escola infantil, no bairro da Aclimação, em São Paulo, a se tornar exemplo de como é possível acabar com vidas a partir de situações não apuradas e suposições.

Em março de 1994, os proprietários da Escola Base, Icushiro Shimada, Maria Aparecida Shimada, a professora Paula Milhim e o esposo, o motorista Maurício Alvarenga, foram acusados injustamente de terem abusado sexualmente de crianças de quatro anos. Havia também queixas de que os quatro aproveitavam o horário escolar para levar os estudantes para motéis, onde seriam filmados e fotografados nus.

Tudo era mentira e eles foram inocentados. No entanto, nada foi simples. Agora, 28 anos depois, a Globoplay lança o documentário “Escola Base – Um Repórter Enfrenta o Passado” com o foco em Valmir Salaro, o jornalista da Globo que primeiro falou sobre o caso durante um jornal da TV Globo.

Como uma sessão de terapia da qual o público pode participar, a produção acompanha o repórter revisitando os fatos e explicando o seu lado da história. É memorável, porém, que em nenhum momento Salaro tenta se defender. Ao contrário: é como se o jornalista pegasse para si a culpa do que aconteceu com as famílias envolvidas no caso.

Duas mães denunciaram um possível caso de abuso de seus filhos dentro da Escola Base. A partir de então, começa uma histeria coletiva que poderia ter sido freada pela imprensa ou pela polícia, mas ambas só colocaram mais lenha na fogueira.

Depois que um laudo da perícia deu positivo para o abuso sexual de uma das crianças, o circo foi montado e, a partir de então, a escola foi depredada, os acusados foram torturados e ameaçados e suas vidas foram destruídas. O exame foi refeito tempos depois, pelos mesmos profissionais, e deu negativo – o “abuso” era, na verdade, marcas decorrentes da prisão de ventre da criança.

Ao longo do documentário, Salaro entende que sua postura não foi a correta do ponto de vista jornalístico: o lado dos acusados nunca foi ouvido e foi noticiado de maneira leviana em TV nacional. Alguns outros repórteres são citados, mas, por ter sido o pioneiro no caso, a “culpa” de toda a imprensa cai sobre seus ombros.

O jornalista aproveita “Escola Base – Um Repórter Enfrenta o Passado” para lutar contra seus fantasmas e encarar não apenas seus erros, mas também os afetados pelo que fez. Ele encontra pessoalmente Paula, Maurício e Ricardo, filho do casal Shimada. As conversas são bastante emocionantes e expõem os lados dos acusados: eles podem finalmente dizer a ele como suas vidas foram destruídas. Icushiro Shimada e Maria Aparecida já morreram.

A impressão é a de que o jornalista mudou a sua postura e, com exemplo de outras reportagens, tenta provar que este aspecto de sua vida profissional está realmente diferente. Aparecem no documentário trechos de conversas com o casal Nardoni, condenados pela morte de Isabela.

O documentário tenta depoimentos do delegado Edélson Lemos, quem acusava os dois casais sem provas, até ser tirado do caso. A produção procura também Lúcia Eiko Tanoue, a primeira mãe a acusar os proprietários. Nenhum dos dois quis participar, assim como o filho de Lúcia. Hoje com cerca de 30 anos, o homem disse aos repórteres que não sabia do caso da Escola Base, muito menos de seu envolvimento. Agora que sabe, diz ter muita vergonha.

Dizer que “Escola Base – Um Repórter Enfrenta o Passado” é uma aula de jornalismo pode parecer batido, mas não tem como fugir: é sim importante para que todos os comunicadores assistam. Além disso: é importante que toda a sociedade entenda como um caso como este deve ser tratado com cuidado.

Se passaram 28 anos, mas com tantas fake news que são disseminadas até hoje, a impressão é a de que não aprendemos nada.

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