Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Um mapeamento inédito feito a partir de inteligência artificial estimou a presença de 3,46 milhões de quilômetros de estradas cortando a Amazônia Legal. Desses, mais de 3 milhões não são vias oficiais. A extensão equivale a nove vezes a distância entre a Terra e a Lua (384.400 quilômetros).

Consideradas um dos principais vetores do processo de desmatamento e de queimadas, são vias construídas por madeireiros, garimpeiros, grileiros, além de proprietários de terra muitas vezes a partir de rodovias oficiais. Elas cortam, em muitos casos, florestas ainda preservadas em terras públicas, unidades de conservação e terras indígenas.

A estimativa foi feita em um artigo publicado no periódico especializado Remote Sensing, no início do mês, por pesquisadores do Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia). Os autores trabalharam com um algoritmo elaborado para detectar estradas rurais a partir de imagens de satélite referentes ao ano de 2020.

Com o método, foi possível obter um nível de identificação de estradas muito superior a investigações feitas anteriormente baseadas na interpretação visual das imagens de satélite pelos analistas. Vias quase imperceptíveis ao olho nu foram mapeadas pela inteligência artificial. Em algumas regiões, foi detectada uma quantidade de estradas até cinco vezes superior ao que se conseguia mapear com interpretação visual.

De acordo com o levantamento, a maioria das estradas (55%) está em terras privadas, 25% em terras públicas, 12% em assentamentos rurais, 2,6% em terras indígenas e cerca de 5% em unidades de conservação estaduais e federais.

As bases de dados oficiais do governo federal apontam para a existência de somente 39 mil quilômetros de estradas na Amazônia, sendo 25 mil quilômetros estaduais e 14 mil quilômetros federais. São as chamadas estradas oficiais. Em estudo anterior do grupo do Imazon, eles já tinham encontrado mais 100 mil quilômetros de estradas secundárias abertas somente em assentamentos.

Mas essas análises de imagens de satélite só tinham considerado a área do bioma amazônico e tinham sido feitas com outra metodologia e de modo manual, o que impossibilita uma comparação numérica da evolução de abertura de novas estradas com o modelo de inteligência artificial.

A ideia agora é aplicar esse algoritmo para anos anteriores, a fim de reconstruir uma série histórica. Os dados disponíveis, no entanto, já fazem revelações importantes.

“Do que temos de remanescente de floresta na Amazônia [3,1 milhões de km²], 41% estão cortados com alguma estrada. Essas são as áreas com maior risco de desmatamento”, afirma Carlos Souza Jr., pesquisador do Imazon e coordenador do trabalho.

Ele explica que a abertura de estradas é o primeiro passo de ocupação, em geral iniciado com um processo de extração predatória de madeira. “Essa madeira vai financiar o desmatamento. As estradas penetram em territórios protegidos, alimentam o garimpo”, diz.

“Já conseguimos identificar que muitas estradas estão penetrando as áreas mais florestadas da região. Há mais estradas no sul do Amazonas, no oeste do Pará e na Terra do Meio, também no Pará. Um número importante do estudo é que quase 25% das estradas mapeadas estão em terras públicas sem destinação. Isso funciona como um alerta precoce de que essas áreas estão sob pressão da grilagem. A pressão de estradas nas áreas protegidas também é alta”, complementa.

Ele explica que muitas são vias recém-abertas, o que é possível atestar em uma análise visual posterior das imagens porque elas têm muita floresta ao redor —ao contrário das mais antigas, em que sobrou pouca vegetação ou nada.

“Isso indica claramente a expansão de novas fronteiras de ocupação da Amazônia”, afirma.

Diversos estudos anteriores já tinham revelado como a abertura de vias, sejam elas oficiais ou não, são um vetor que impulsiona o desmatamento. Um dos trabalhos apontou que 95% do desmatamento e 85% das queimadas na Amazônia se concentram em um corredor de até 5,5 quilômetros ao longo de estradas.

“Quando rodamos o mesmo modelo para avaliar a correlação entre distância de estradas e desmatamento com os novos dados obtidos com inteligência artificial vimos essa distância cair para 2 quilômetros”, afirma Souza Jr.

Um exemplo recente desse impacto é a alta do desmatamento no entorno da BR-319, que liga Manaus a Porto Velho, na região conhecida como Amacro (onde se concentram 32 municípios na fronteira dos estados do Amazonas, Acre e Rondônia).

A expectativa de asfaltamento da via aberta nos anos 1970 tem levado a uma explosão da derrubada da mata, especialmente no sul do Amazonas, que era mais preservado. As cidades de Lábrea e Apuí lideram o ranking de alertas do Deter, do Inpe, entre agosto de 2021 e julho de 2022.

Para o pesquisador, novas políticas de combate a futuros desmatamentos precisarão atuar nesse processo de abertura de estradas. “É preciso cortar essas artérias da destruição. São elas que vão dar toda acessibilidade aos recursos naturais que, depois, vão financiar a destruição da floresta”, diz.

O projeto Planeta em Transe é apoiado pela Open Society Foundations.

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