Foto: arquivo/Eletronorte

A possibilidade de faltar diesel no mercado interno e externo, levantada após o aumento da demanda europeia pelo combustível exportado pelos EUA e diante da defasagem dos preços domésticos ante os praticados no exterior, preocupa para além da logística e da produção na região amazônica. Com cerca de 4 milhões de pessoas sem acesso ao sistema nacional de distribuição, cidades e comunidades inteiras no norte do país dependem do diesel para geração de energia elétrica e estão expostos a apagões e racionamentos diante de um eventual desabastecimento do combustível.

Amazônia tem a maior biodiversidade do mundo, uma biblioteca natural que a ciência ainda não identificou por completo (Foto: Getty Images)
Cerca de 97% da potência instalada nos Sistemas Isolados em 2018 era de usinas termelétricas a óleo diesel, segundo dados da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) (Foto: Getty Images)

“Estamos falando de cerca de 14% da população da Amazônia sem acesso a energia gerada no sistema interligado nacional, que é sistema de produção e transmissão de energia elétrica que liga as usinas aos consumidores e por isso eles dependem do diesel para geração de energia elétrica”, explica a coordenadora de avaliação de política pública do Climate Policy Iniciative, Amanda Schutze. Vinculado à PUC-Rio, o órgão divulgou estudo alertando para a necessidade de diversificar a matriz energética da região, responsável pela geração de 25,7% da energia elétrica nacional em 2020 e com mais de 34% da capacidade hidrelétrica instalada do país.

Embora considere muito baixo o risco de desabastecimento de diesel para geração de energia elétrica na Amazônia Legal diante dos subsídios dados ao setor na região, ela observa que a vulnerabilidade a um cenário extremo de escassez é maior nos sistemas isolados de distribuição. “Quando comparamos a vulnerabilidade do sistema isolado com a gente que está no sistema interligado, é claro eu eles têm maior vulnerabilidade porque eles são dependentes de térmica a diesel. Então, se estamos pensando num caso muito extremo, enquanto temos hidrelétrica, eólica e tudo mais que vão manter nossa casa com luz, eles não”, completa a pesquisadora especializada em energia.

Segundo o levantamento feito pela Climate Policy Iniciative, a situação atinge desde pequenas comunidades, como o distrito de Maici em Porto Velho, Rondônia, atendido pela Energisa Rondônia e com apenas 15 habitantes, até grandes capitais como Boa Vista, em Roraima, com 436 mil habitantes e atendido pela Roraima Energia. Os sistemas são atendidos a partir de leilões realizados pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), vencendo a empresa que apresentar o lance com menor preço por megawatt-hora. Globo Rural procurou a prefeitura de Boa Vista para saber se o município acompanha as discussões sobre eventual desabastecimento do combustível no país e se possui algum plano de contingência, mas não obteve retorno.

O integrante do Fórum de Energias Renováveis de Roraima, Cristiano Bessa, explica que o plano de contingência em Boa Vista e outros sistemas isolados na região amazônica é uma constante, dadas as dificuldades logísticas enfrentadas atualmente. Com parte da distribuição dependente de transporte fluvial, eventos como cheias e secas já costumam cortar o fornecimento, sobretudo de comunidades mais isoladas e, portanto, mais vulneráveis. Nesses casos, explica, comunidades mais próximas buscam socorrer umas às outras na oferta do combustível a partir da criação de gabinetes de crise reunindo poder público e privado.

“Eu não saberia dizer com 100% de certeza se tem algum contrato com garantia de fornecimento ininterrupto sejam quais forem as condições. Eu diria que pode ter algum mecanismo de segurança, como previsão de estoque, gestão de risco e plano de logística para ter o atendimento prevendo variável aleatórios, mas um contrato com garantia eterna de fornecimento eu creio que seja muito difícil”, destaca Cristiano ao explicar que cada contrato de distribuição apresenta características específicas relacionadas ao volume de estoques e gerenciamento logístico.

A pesquisadora da Climate Policy Iniciative observa que os leilões atuais realizados pela Aneel para atender a região poderiam fomentar a adoção de fontes renováveis de energia, o que diminuiria a dependência da região do uso do diesel. “O desenho desse leilão precisa estimular essa mudança, criando condições realmente favoráveis para que a energia renovável possa competir nesses leilões com diesel.  Pode-se pensar, por exemplo, em precificar o impacto ambiental da fonte de energia nos leilões e realente desenhar esse leilão para favorecer a energia renovável”, propõe Amanda.

Sem essa mudança, a conta pelo consumo de diesel dos sistemas isolados recai sobre todo país por meio de um encargo, chamado Conta Consumo de Combustíveis (CCC), usado para subsidiar a diferença entre o valor pago pela energia gerada a diesel nos sistemas isolados e o cobrado no restante do país, majoritariamente de fontes renováveis como hidrelétrica, solar e eólica. Em 2022, o valor estimado para a CCC é superior a R$ 10 bilhões, ou seja, um subsídio per capita superior a R$ 3 mil por habitante de Sistemas Isolados.

“Por esse motivo a geração de eletricidade não corre um risco tão alto de desabastecimento porque é possível repassar todo o custo do diesel para essa conta, que é um encargo setorial. Agora, se de fato faltar o combustível, vai afetar todo o país e é tão sério isso, o impacto é tão alto e com tantas consequências que também poderia se pensar, num caso extremo, de não ter a geração dessa energia elétrica nos sistemas isolados”, completa a coordenadora de avaliação de política pública do Climate Policy Iniciative.

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