“Enquanto éramos casados, ele me empurrou, me enforcou e me humilhou. Depois que separamos, ele continuou fazendo ameaças. Isso me devastou, eu vivi um inferno”
O relato é de Simone* (nome fictício para preservar a identidade da vítima), uma mulher que enfrentou agressões físicas e psicológicas do ex-marido durante seis anos de relacionamento. Segundo a vítima, a perseguição só diminuiu após ela conseguir na Justiça uma medida protetiva contra o agressor.
Dados de violência contra mulheres revelam que esse caso está longe de ser isolado. Um relatório da Human RightsWatch, divulgado em 2017, considerou Roraima o estado o mais letal para as mulheres, com uma taxa de homicídios de 11,4 por 100 mil mulheres, enquanto a média nacional do Brasil era de 4,4 assassinatos para cada 100 mil.
Para as vítimas de violência como Simone*, a esperança de diminuir as estatísticas alarmantes está na lei. Nos últimos anos, o debate sobre os direitos da mulher ganhou espaço nas casas legislativas. No parlamento roraimense, o aumento da representatividade feminina, ainda que tímido, pode ser um dos fatores que contribuíram para ampliar as discussões sobre a temática.
A atual composição da Assembleia Legislativa de Roraima conta com sete deputadas, quatro a mais que a legislatura anterior. Mesmo representando menos de um terço das vagas na ALE/RR, essa é a maior bancada feminina em 30 anos de instalação do poder legislativo estadual, que chegou a ter apenas duas deputadas em outros períodos.
Com seis mandatos, a deputada Aurelina Medeiros (Pode) é a parlamentar mais antiga da Casa. Ao longo de 24 anos, ela acompanha o impacto dessa representatividade nas discussões dentro parlamento.
“A luta pelos direitos da mulher evoluiu. Hoje, muitos projetos aqui na Casa estão justamente cuidando dessa parte, com o objetivo de dar uma visibilidade maior ao tema. Claro que nós ainda necessitamos marcar mais esse crescimento, essa posição da mulher no mundo, hoje”, comentou.
O grupo de parlamentares que lidera o debate sobre a luta pela garantia dos direitos das mulheres na Assembleia Legislativa de Roraima é formado pelas deputadas Betânia Almeida (PV), Lenir Rodrigues (Cidadania), Catarina Guerra (SD), Yonny Pedroso (SD), Tayla Peres (PRTB), Angela Águida Portella (PP) e Aurelina Medeiros (Pode).
As deputadas estão por trás da maior parte dos 27 projetos de lei sobre direitos das mulheres apresentados no plenário este ano. Esse número representa um avanço em comparação aos anos de 2020 e 2019, quando foram apresentados 14 e 16 projetos sobre o assunto, respectivamente.
Segundo a deputada Betânia Almeida, procuradora especial da Mulher, a união da bancada feminina tem ajudado a popularizar o debate sobre o tema dentro do parlamento. “Essas sete mulheres têm feito a diferença, porque agora nós estamos mais fortalecidas. A pauta da mulher não é levantada apenas por mim, por uma única deputada. Devido ter essas sete mulheres no parlamento, nós temos visto que o olhar está mais sensível para a condição e necessidade feminina”, disse.
Mesmo reconhecendo os avanços com o crescimento da bancada feminina, o presidente da Assembleia Legislativa, Soldado Sampaio (PCdoB), acredita que as mulheres devam ter uma participação ainda maior na políticaroraimense.
“É importante que as mulheres, que são maioria do nosso eleitorado roraimense, se façam presentes. Se fossemos levar ao pé da letra, teríamos que ter 50% de mulheres ocupando os cargos de deputados nesta Casa, mas já temos uma boa participação da mulher na política e temos aumentado cada vez mais a participação nos debates e outras ações desenvolvidas no poder legislativo ”, destacou.
Projetos – A maioria das propostas que tramitam na Ale/RR busca combater a violência e desigualdade de gênero, também há projetos relacionados à saúde e social. Entre os PLs apresentados este ano por mulheres e homens, um garante a vítimas de violência doméstica prioridade em programas habitacionais, outro prevê que síndicos e administradores de condomínios e vilas denunciem violência doméstica e familiar de forma imediata. A distribuição de absorventes gratuitos para meninas e mulheres de baixa renda também recebeu votos favoráveis dos parlamentares.
A aprovação pelo poder legislativo é apenas uma das etapas na luta pela garantia dos direitos das mulheres. Para se transformar em lei, o projeto precisa ser sancionado e implementado pelo executivo estadual. É nessa fase que os números caem. Para se ter uma ideia, nos últimos três anos, passaram pela Assembleia Legislativa 57 projetos direcionados aos direitos das mulheres, apenas nove viraram lei.
A deputada Betânia Almeida reconhece que é preciso termais cobrança do próprio parlamento. “A nossa preocupação não é aprovar esses projetos de lei apenas aqui na Casa. Depois da aprovação dos nossos amigos parlamentares, a gente sabe que segue para a sanção governamental, e aí nós temos uma lentidão. Realmente, falta mais cobrança. Eu tenho me preocupado com isso e não quero que os projetos sejam apenas aprovados, eu quero que eles se tornem lei de fato”, ressaltou.
Por meio de nota, o Governo do Estado informou que apenas os projetos sancionados estavam com previsão orçamentária e, por conta disso, poderiam ser efetivados.
Do debate à prática
Criado em 2009, O Centro Humanitário de Apoio à Mulher (Chame) pode ser considerada uma das principais iniciativas da Assembleia Legislativa na garantia de proteção às mulheres vítimas de violência doméstica e familiar no estado. Foi nesse espaço que Simone* recebeu o apoio para romper o ciclo de agressões do ex-companheiro.
“No outro dia da delegacia [após prestar queixa], fui ao Chame me orientar sobre a situação. Eu não tinha advogado e lá tive amparo jurídico, social e psicológico”, contou.
Em 12 anos de funcionamento, o centro atendeu cerca de 12 mil mulheres em situação de violência doméstica, com a oferta de serviços gratuitos, inclusive durante a pandemia de coronavírus, com atendimentos virtuais.
Entre 2019 e outubro de 2021, o Chame fez 2.651 atendimentos presenciais e virtuais a mulheres que tiveram seus direitos violados.
Simone* espera que as propostas hoje debatidas na Assembleia Legislativa sigam o mesmo caminho do Chame, se tornem realidade e possam garantir, na prática, proteção e direitos para milhares de mulheres.
“Eu espero mais amparo, no sentido de políticas públicas voltadas para as assistidas terem segurança para abandonar o lar e sair debaixo dos braços dos agressores. São mulheres frágeis, destruídas de todas as formas, com vergonha pela situação em que estão vivendo e sem forças para sair sozinhas”, finalizou.