Um bárbaro duplo homicídio e as duras reflexões para a Imprensa, polícia e as redes sociais (Foto: Divulgação)

Há uma aguda e barulhenta guerra contra a imprensa, capitaneada pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) a partir de sua contenda particular com a Rede Globo, que foi logo absolvida pelo movimento bolsonarista, que por sua vez passou a atacar a imprensa de uma forma geral como se fosse inimiga a ser derrotada a qualquer custo.

A partir daí, tem seguido um constante ataque à instituição imprensa e aos  seus profissionais, os quais foram eleitos como inimigos pelos apoiadores do bolsonarismo, em especial evangélicos e conservadores de toda espécie. À menor crítica ou matérias que desagradam a esse movimento que está no núcleo ou orbitando o poder, a imprensa é golpeada e seus profissionais atacados com sangue nos olhos dos que querem escalpelar aqueles que os desagradam.

Por último, Bolsonaro engrossou o verbo contra os jornalistas, ora dizendo que queria socar a boca de um que perguntou sobre o dinheiro recebido pela primeira-dama por Queiroz  ou chamando todos de bundões ao falar sobre seu histórico de atleta frente ao coronavírus. Foi o mais alto grau da postura de um mandatário do País que reforça a autorização para atacar a imprensa, como instituição que oxigena a democracia, e seus profissionais responsáveis por serem os olhos e ouvidos da sociedade.

É verdade que a imprensa precisa fazer sua mea culpa não apenas por erros aos quais estão fatalmente sujeitos, como também pelas graves omissões ou mesmo por suas relações incestuosas com os governos e os regimes que já fizeram tanto mal à democracia e ao povo de uma forma geral. Mas há uma distância muito grande entre reconhecer erros, omissões, conluios com o poder e ser demonizado como uma aberração que precisa ser eliminada em nome da Pátria, de Deus e da Família.

Esse governo que aí está tem seus acertos, a exemplo de colocar o dedo no suspiro da corrupção endêmica que tomou conta da Nação, mas não pode achar que está acima do bem e do mal, a ponto de tentar criar uma nova realidade que não esteja baseada na democracia, a qual tem na imprensa livre seu principal instrumento de manutenção do livre pensamento, da liberdade de expressão, monitoramento do poder e oxigenação da sociedade baseada em direitos e deveres estabelecidos pela Constituição Federal.

Ninguém está livre do monitoramento da sociedade (inclusive a própria imprensa) e das críticas de qualquer cidadão. Mas não é demonizando a instituição imprensa, que tem o dever de ser crítica, que é a razão principal de sua existência, que iremos construir uma nova sociedade, menos injusta e mais capaz de atacar as grandes mazelas que sentenciam a sociedade ao atraso ou mesmo à miséria.

Criticar a postura e os erros da imprensa faz parte do jogo democrático. Mas querer cancelá-la ou feri-la de morte, por considerá-la inimiga por criticar, contestar e denunciar este ou aquele governo, não é o caminho de uma sociedade baseada na democracia. E o pior é achar ou pregar que as redes sociais, com seu campo aberto para fake news, podem substituir a imprensa ou representar a nova realidade do “novo normal”.

A História já mostrou, diversas vezes, que qualquer déspota que chega ao poder logo se preocupa em silenciar a imprensa livre e passa a adotar seus próprios instrumentos de divulgação e manipulação em massa. E somente uma imprensa livre tem os meios e os instrumentos necessários para monitorar o centro do poder e enfrentá-lo  sem correr o risco de ser empastelada ou mesmo silenciada.

É necessário que a sociedade monitore a imprensa também, mas jamais chegue a pensar que ela é o mal a ser combatido a qualquer custo. Só existe uma sociedade realmente justa quando a imprensa é livre, pois para reparar erros ou evitar caminhos escusos existe a Justiça e uma opinião pública que possa cobrar responsabilidades. O que fugir disso não passa de tirania.

 

Roraima vive o choque de um crime brutal

 

O Estado de Roraima está vivendo um momento delicado para a imprensa como instituição. O caso do duplo assassinato de um policial militar Uirandê da Costa Mesquita e da empresária Joseane Gomes da Silva serviu para escancarar esse sentimento crescente de demonizar a imprensa. Como já comentei acima, a imprensa precisa, sim, fazer sua mea culpa por seus erros e muito mais por suas omissões. Mas ela não é esse monstro a ser escalpelado a qualquer custo, como muitos desejam.

O caso desse bárbaro duplo homicídio inicialmente foi tratado pela própria polícia como homicídio, mais precisamente um feminicídio praticado pelo policial militar contra sua namorada empresária. Houve até mandado de prisão contra o militar.

Mas houve uma reviravolta surpreendente e logo a polícia colheu evidências que mostravam que o PM e sua namorada foram cruelmente assassinados numa trama digna de um enredo macabro: ela com tiro, estrangulamento e agressões físicas; e ele por meio de envenenamento, estrangulamento e carbonização do corpo desovado dentro do carro.

Enquanto a polícia tinha sido ludibriada pelos dois autores do duplo homicídio, até então considerados como testemunhas, inclusive fazendo um pedido de prisão e informando a imprensa que se tratava de feminicídio, nas redes sociais já haviam investigado, julgado e sentenciado o policial militar como culpado. E as polícias acusadas de fazerem corpo mole frente a um “policial feminicida”.

Aqui é que está a grande questão: não se pode confundir jornalismo com opinião e informações lançadas em redes sociais sem nenhum lastro ou garantia de uma apuração que qualquer fato precisa com base em técnicas jornalísticas. Imprensa é uma coisa; publicações em redes sociais são outra.

Não se pode lançar a imprensa e seus profissionais no mesmo buraco da esculhambação do que é produzido nas redes sociais, berço esplêndido das fake news e das agressões e aberrações em forma de postagens. O dono de um perfil ou de uma página pode até ser jornalista, mas lá ele não está praticando jornalismo. Ele está exercendo seu direito de se expressar, e pelos seus erros ou excesso precisa ser responsabilizado judicialmente, da mesma forma que a imprensa também está sujeita.

Mas, jamais (frisando: JAMAIS) a opinião pública pode confundir opinião e livre expressão de donos de perfis e páginas no Facebook com jornalismo. As redes sociais estão cheias de gente não apenas se passando por jornalista como também pessoas sendo consideradas como profissionais de imprensa pela opinião pública. O único substantivo  que não pode ser usado para esses perfis é JORNALISMO.

Essa confusão é proposital, para que essa gente que se vale de redes sociais tenha alguma credibilidade perante a opinião pública. E assim todas as práticas nefastas praticadas por esses sujeitos nas redes sociais acabam sendo refletidas na imprensa e na credibilidade de seus profissionais. E isso tem servido como mais uma justificativa para atacar a imprensa e jornalistas que atuam nela.

 

Para cada um fica uma lição e uma reflexão

 

O caso do bárbaro assassinato do policial militar Uirandê Mesquita e sua namorada, a empresária Josy Gomes, deve servir de marco e reflexão para todos:

– Para a polícia refletir e avaliar sua postura e responsabilidade na divulgação de crimes ainda em investigação;

– Para a imprensa aprender a lição de que ela está sujeita a erros por descuido dela própria ou induzida pelas fontes oficiais, o que reforça a necessidade de correr atrás de uma apuração independente, saindo da zona de conforto a qual aceitou tranquilamente a partir de notícias produzidas dentro uma redação refrigerada e com a garrafa de água do lado;

– Para a opinião pública finalmente ter clareza do que as redes sociais e seus atores não estão praticando jornalismo, mas apenas emitindo suas opiniões ou praticando suas agressões dirigidas contra adversários políticos de quem os paga. E também que não se pode acreditar no que é produzido sem qualquer lastro ou garantia de uma imprensa séria, além de redobrar os cuidados com as fake news dentro desse “novo normal” que prega o fim da imprensa;

– Para os donos de perfis e páginas nas redes sociais caírem na realidade de que é preciso ter responsabilidade dentro do que eles praticam, seja emitindo suas opiniões ou fazendo o jogo político de quem os paga. Essa ânsia de achar que tudo podem precisa ser contida, aceitando que essa disputa por “furos” em busca de curtidas e tentando superar o jornalismo das redações, como se eles agora fossem os verdadeiros e principais produtores de fatos, não está acima do monitoramento por parte da opinião pública e de suas instituições, nem das responsabilidades judiciais.

É importante ainda frisar a todos – imprensa, autoridades policiais, internautas e cidadãos municiados de redes sociais – que uma reputação abalada ou ferida é irreparável, principalmente por parte daqueles que não têm instrumentos para se defender ou nem podem mais sair em sua defesa.

Chegamos ao fundo do poço. Agora temos que construir a escada para sairmos dele. Mas estamos habilitados para isso e temos os instrumentos necessários?

*Colunista

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