Ex-senador Romero Jucá publicou foto em sua rede social para mostrar tatuagens (Foto: Divulgação/Facebook)

Depois de posar de “bad boy” nas redes sociais, usando uma camiseta regata para exibir suas tatuagens nos dois braços, o ex-senador Romero Jucá (MDB) foi a uma rádio para atacar todos os políticos que não fazem parte de seu grupo e se passar como o verdadeiro prefeito de Boa Vista. Em certos momentos, ele esquecia que não é mais senador e falava como se ainda tivesse todo o poder em Brasília.

A quarentena a que ele disse estar sendo submetido deve tê-lo afetado severamente, pois durante a entrevista Jucá se colocou também como se fosse um arauto  da moral na política, protestando contra a corrupção (!), mas esquecendo que ele próprio responde a 12 inquéritos no Supremo Tribunal Federal (STF), dos quais boa parte refere-se à Operação Lava Jato, o maior escândalo mundial de corrupção na política.

A mais recente denúncia é ainda deste ano, quando o Ministério Público Federal (MPF) do Paraná, no mês de fevereiro, o acusou de desvio na Transpetro, a subsidiária da Petrobras, no âmbito da Lava Jato, por corrupção e lavagem de dinheiro. Ele já havia sido denunciado pelo mesmo motivo em 2017, mas o caso baixou para a 13a. Vara Federal de Curitiba, depois que ele perdeu o mandato de senador.

Na longa entrevista na rádio, o novo-velho “bad boy” da política Macuxi visivelmente se colocava como prefeito de Boa Vista, dizendo que ele é quem está fazendo tudo, de asfalto a drenagem, de praças a jardinagem, de instalação de usina a lâmpadas de led. Inclusive, para defender sua posição, chegou a dizer que quem critica florzinha é porque seria “mal amado”. De tanto se gabar, ficou a impressão de que a qualquer momento ele iria dizer que foi ele quem encheu o Lago dos Americanos, no Parque Anauá.

Como agora Jucá se coloca como prefeito, já que Teresa Surita só vive na sua bolha virtual, o Twitter, com suas plaquinhas e coraçãozinho, o ex-senador sequer a chama de prefeita. Ele a trata apenas como Teresa, para reforçar sua posição de prefeito ad hoc e lembrar que ele é seu mentor e mestre. Inclusive chegou a dar prazo para inaugurar obras, incluindo a torre que está sendo erguida na beira do Rio Branco, que é o novo bibelô político de Teresa.

Quando ocorreu um lampejo de realidade, Jucá lembrou que perdeu a eleição, mas em tom de despeito de quem não aceitou a derrota nas urnas, desafiou todos os deputados e senadores da bancada federal a provarem que seriam melhores que ele mesmo sem mandato. Desafiou todos, sem exceção!

De tabela, tratou com ironia e desprezo o governador Antonio Denarium (sem partido), alimentando a briga política criada por ele e reverberada pela sua fantoche, a prefeita Teresa, para desviar o foco das atenções durante a pandemia. Até tripudiou com o ex-prefeito Iradilson Sampaio, quem Jucá e Teresa  abandonaram, impedindo liberação de verbas federais até o ponto de a Prefeitura ir à inanição completa, para que assim Teresa ressurgisse como a grande salvadora.

 

‘A barriga morreu!’ e a verdadeira face de Jucá

Livro de italiano mostra quem é Romero Jucá e como ele surgiu (Foto: Divulgação)

É compreensível a mágoa que Jucá tem com os eleitores roraimenses, pois, afinal, por 426 votos ele perdeu a grande mamata em Brasília, onde ele achava que se perpetuaria como senador depois de servir a todos os presidentes, de esquerda e de direita.

Mas a grande verdade é que Romero Jucá não tem respaldo algum para se colocar como arauto da moralidade na política. Ele não pode se esquecer que sua trajetória política sempre foi cercada por denúncias e escândalos, além dos inquéritos que ele responde na Justiça. Senão, vejamos.

Sua trajetória política foi assunto do livro “’A barriga morreu’ – Genocídio dos Yanomami”, revelando a verdadeira face de Jucá desde a década de 1980, quando assumiu como presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai) antes dos 30 anos de idade, cargo que ocupou por longos dois anos e de onde saiu com 18 processos por corrupção, peculato, desapropriação de terras, além de compra e venda ilegal de terras em áreas indígenas.

Por ter sido presidente da Funai, onde apresentou uma proposta para retalhar as terras Yanomami a fim de entregá-las a grandes mineradoras e madeireiras, forças poderosas favoráveis ao garimpo agiram em Brasília para que ele fosse indicado governador biônico de Roraima, no final da década de 1980.

Vem desde lá sua influência política em Brasília, pois sua proposta de retalhar a Amazônia para empresas mineradoras o fez ser cultuado por grandes empresários de mineração, latifundiários e madeireiros. Ele também era filho de uma família pernambucana poderosa e bem relacionada com os militares.

 

Lata de Leite Ninho e os 35 garimpos

Romero Jucá era o homem certo no lugar certo, como governador biônico do Território Federal de Roraima, em 1988. Casado com Teresa Surita, que não tinha qualquer empatia por Roraima (por isso ia embora a qualquer fim de semana e feriado), Jucá chegou com a missão de entregar todas as terras para mineradoras, madeireiros e grandes grileiros.

Conforme o livro “A Barriga Morreu!”, por seus préstimos a essa elite da época, Jucá ficou conhecido como “Leite Ninho”, pois se dizia nas rodas políticas que “puseram sobre sua mesa, no Palácio do Governo, uma lata dessa marca de leite em pó, cheia de ouro, como pagamento de seus ‘serviços’”.

Jucá também era chamado de “o homem dos 35 garimpos”, ainda conforme o livro escrito pelo italiano Luigi Eusebi. Este seria o número de empresas mineradoras controladas indiretamente por ele, “através de testas-de-ferro”.

Essa sua relação com a mineração persistiu até os dias atuais, inclusive, durante os três mandatos como senador, por seguidos anos ele foi acusado de defender um projeto de lei que regulamentava mineração em terras indígenas  a fim de beneficiar a empresa de mineração da filha, em Roraima.

Veja trecho do livro que trata sobre Romero Jucá: revelações sobre como surgiu o poder em Brasília

 

Filha de Jucá e a empresa de mineração

Ao longo de seus três mandatos, Jucá sempre foi acusado de querer beneficiar empresa de mineração da filha

A tentativa de aprovar um projeto que autorize a mineração em terras indígenas vem de longas datas. No dia 17 de maio de 2012, Romero Jucá já subia à tribuna para defender a liberação da mineração em terras indígenas. Um mês antes, a empresa da filha Marina Jucá Marques, cujo capital há oito anos era de R$2 milhões, deu entrada em nove pedidos para pesquisar minérios em Roraima.

Em 2014, mesmo negando que os negócios da empresa eram apenas da filha Marina Jucá e que ele não teria nada a ver com a empresa, o então senador Jucá foi alvo de duras críticas e protestos nas redes sociais, o que o fez recuar e pedir a retirada do projeto que regulamentava a mineração.

De novo, em 2017, o então senador subiu à Tribuna para defender o projeto. Ele seguia negando qualquer intenção em beneficiar a empresa de mineração da filha e chegou a emitir nota dizendo que a empresa da filha, a Boa Vista Mineração, não tinha nenhuma requisição de mineração em terra indígena.

Porém, a companhia protocolou 42 requerimentos de pesquisa no Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) para vários minérios, entre eles ouro, basalto e granito. Desse total de requerimentos, três deles pretendiam pesquisar ouro no Município do Amajari, especialmente na Serra do Tepequém, o principal ponto turístico de Roraima, nas proximidades da Terra Indígena Yanomami. No entanto, a empresa desistiu em 2015.

A empresa ainda apresentou requerimentos para áreas praticamente coladas aos limites das terras indígenas da Malacacheta e Tabalascada, no Município do Cantá. Dos pedidos em análises pelo DNPM, quatro foram autorizados, sendo dois para pesquisar granito no Município de Bonfim, um para pesquisar ouro em Boa Vista e mais um para basalto também em Boa Vista.

 

Filhos também se enrolaram com a Justiça

 

Não bastasse a longa ficha corrida de Romero Jucá na Justiça, os dois filhos de Romero Jucá e duas filhas da prefeita Teresa Surita acabaram se envolvendo em um escândalo que teve repercussão na mídia nacional, em setembro de 2017. Trata-se da Operação Anel de Giges, da Polícia Federal, que apurava o desvio de R$ 32 milhões por superfaturamento na aquisição de terras da “Fazenda Recreio”, onde mora atualmente Teresa, no bairro Cidade Satélite.

A investigação ainda incluía a construção do Residencial Vila Jardim, do projeto federal Minha Casa Minha Vida, erguido nas terras que foram desmembradas da fazenda de Teresa, onde o atual marido dela tem um plantio de mogno africano avaliado em R$12 milhões.

O nome da operação, segundo a PF, foi inspirado na citação existente no segundo livro de “A República”, de Platão, na qual é discutido o tema da Justiça. O Anel de Giges permite ao seu portador que fique invisível e cometa ilícitos sem consequências

Valendo ressaltar que um dos filhos de Jucá levado pela PF, durante a operação, é o ex-deputado estadual Rodrigo Jucá, o qual tentou seguir os passos do pai na política, mas não conseguiu avançar além do mandato na Assembleia Legislativa.

E esses processos até hoje estão bolando em alguma gaveta…

 

A pergunta que não se cala nunca

Como se pode observar, o ex-senador Romero Jucá representa a extirpe da velha política da qual o país precisa passar a limpo para seguir novos rumos. Foram três mandatos seguidos de senador por Roraima.

Durante todo esse tempo como político influente em Brasília, sua biografia reuniu mais escândalos do que soluções para os grandes problemas do Estado, como a questão energética e a questão fundiária que se arrastam até hoje.

Enfim, só resta questionar: quem é mesmo Jucá para cobrar moralização na política e bradar contra a corrupção?

*Colunista

 

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