Com a retirada de pauta do Projeto de Decreto Legislativo (PDL) para suspender a homologação da Terra Indígena Apiterewa, no Pará, tramitam outras cinco propostas desse tipo, no Senado, que pedem para interromper os efeitos de medidas administrativas do governo federal em relação aos povos indígenas. Das seis propostas apresentadas, apenas uma tem autoria de senador fora da Amazônia.
Três projetos foram protocolados neste ano para suspender os efeitos do Decreto 12.373, de 31 de janeiro de 2025, que regulamenta o exercício do poder de polícia da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).
O decreto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi, na verdade, publicado no último dia de prazo dado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), para que a União regulamentasse o poder de polícia da Funai. A decisão atendeu à decisão do ministro Luiz Roberto Barroso, relator da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 709, movida pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). Na ação, a entidade apontava ações e omissões do poder público relativas à proteção dos direitos dos povos indígenas, no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (2019-2022), e cobrava providências.
Dois senadores de Roraima, Hiran Gonçalves (Progressitas) e Mecias de Jesus (Republicanos), e um de Rondônia, Marcos Rogério (PL), insurgiram-se contra a medida do governo federal e protocolaram os PDLs para sustar os efeitos do decreto.
Como os três senadores apresentaram propostas que tratam sobre o mesmo assunto, a presidência do Senado determinou que todas (PDL 47, 49 e 50) tramitem em conjunto e devem passar primeiro pela Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa, seguindo posteriormente à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ). A matéria está agora na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa e tem como relator o senador Zequinha Marinho (Podemos-PA).
Entre os argumentos apresentados contra o decreto presidencial, estão possíveis inconstitucionalidades que podem trazer insegurança jurídica e a falta de consulta às comunidades indígenas em atendimento à Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), como sustenta Mecias de Jesus.
Projetos contra demarcações
Além dos três PDLs contra o poder de polícia da Funai, tramitam ainda outros dois, que pedem a suspensão de decretos de homologação de demarcação de terras indígenas. O primeiro foi apresentado, no dia 18 de março de 2020, pelo senador do Pará, Zequinha Marinho, contra o decreto que homologou a demarcação da Terra Indígena Apyterewa, localizada no município de São Félix do Xingu, no Pará, publicado dia 19 de abril de 2007. Esse território, inclusive, já está em fase de desintrusão, que é a retirada de não indígenas do local, executada pelos órgãos do governo federal.
O segundo PDL, de autoria do senador Espiridião Amin (Progressistas-SC), pede a suspensão da demarcação da TI Toldo Imbu, localizada no município de Abelardo Luz, e o Decreto 12.290, de 4 de dezembro de 2024, que homologou a demarcação administrativa da terra indígena Morro dos Cavalos, no município de Palhoça, ambos em Santa Catarina. O PDL também solicita para sustar o art. 2º do Decreto 1.775, de 8 de janeiro de 1996, que trata do procedimento administrativo de demarcação das terras indígenas. O senador Hiran também subscreveu esse PDL.
Os dois Projetos de Decreto Legislativo já receberam pareceres dos respectivos relatores. A proposta de Zequinha Marinho estava pronta para ser apreciada na Comissão de Meio Ambiente (CMA) do Senado, na última terça-feira, 29, e recebeu parecer pela rejeição da matéria, do senador Beto Faro (PT), colega de bancada do autor. Na sessão, Marinho decidiu retirar de pauta seu projeto, sem explicar os motivos de sua decisão. Havia outro problema, pois Faro estava ausente naquele dia.
A proposta de Espiridião Amin recebeu parecer parcialmente favorável do relator, senador Alessandro Vieira (MDB-SE), e está pronta para ser votada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e, se aprovada, poderá ir à votação em plenário.
O senador Alessandro Vieira opinou pela constitucionalidade parcial do projeto de Amin, admitindo apenas a inconstitucionalidade do Decreto de 1996, por estar em desacordo com a Lei 14.701/2023, conhecida como Lei do Marco Temporal, que trouxe novo regramento para o processo administrativo da demarcação de terras indígenas. Em relação aos decretos que demarcaram as TIs Toldo Imbu e Morro dos Cavalos, o relator disse que o foro adequado para questionar é o Poder Judiciário e não o Legislativo.
O ministro do STF Anderson Torres concedeu uma liminar suspendendo o decreto que demarcou a TI Toldo do Imbu, do povo indígena Kaingang, no dia 20 de janeiro deste ano. A decisão vale até o julgamento final do recurso extraordinário (Tema 1.031 da repercussão geral) em que a Corte rejeitou a tese do marco temporal das terras indígenas. O julgamento ainda não transitou em julgado. A TI Morro dos Cavalos segue com sua vigência válida e os indígenas do povo Guarani já receberam o documento de registro de sua terra.
TI Mamoriá Grande
Um sexto PDL (719) contra os indígenas foi apresentado pelos senadores Hiran Gonçalves e Omar Aziz (PSD-AM), no plenário do Senado, dia 16 de dezembro de 2024, após a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) publicar a Portaria 1256, no dia 11 daquele mês, que estabeleceu restrições ao direito de ingresso, locomoção e permanência na área denominada Terra Indígena Mamoriá Grande.
O local está licalizado entre os municípios de Tapauá e Lábrea, no Amazonas, numa área de aproximadamente 260 mil hectares, com a presença confirmada pela Funai de pelo menos 25 indígenas isolados, desde agosto de 2021.
Assim como o decreto sobre poder de polícia da Funai, essa portaria foi editada também para atender a decisões do STF, em atendimento à ADPF 991 da Apib, movida em 2022. A portaria cita que a Apib requereu ao Supremo que “a Funai adotasse todas as medidas necessárias para garantir a proteção integral dos territórios com presença de povos indígenas isolados e de recente contato”, e que renovasse as portarias até que fosse concluído ou o processo demarcatório ou estudos que descartem a presença desses povos no local.
Na justificativa, os senadores alegam que a portaria contraria a Lei 14.701/2023, do Marco Temporal, que exige a comprovação de presença indígena até 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal. “Ademais, a interdição das áreas descritas na portaria pode trazer significativos impactos socioeconômicos tanto para as comunidades indígenas quanto para as atividades econômicas da região. As comunidades tradicionais que vivem nessas áreas dependem diretamente dos recursos naturais para sua subsistência e cultura”, sustentam no projeto.
Desde 18 de fevereiro deste ano, a matéria aguarda a inclusão na ordem do dia do plenário do Senado, para votar o requerimento com pedido de urgência para o projeto. Somente a partir dessa etapa, o PDL pode começar a ser analisado pelas comissões técnicas.
O que é um PDL
Conforme o Senado Federal, é espécie normativa que regula as matérias de competência exclusiva do Poder Legislativo. Por meio de decretos legislativos, o Congresso Nacional julga as contas do Presidente da República; resolve definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais; aprecia atos de concessão ou renovação de concessão de emissoras de rádio e televisão; autoriza que o Presidente da República se ausente do País por mais de quinze dias; disciplina as relações jurídicas decorrentes de medidas provisórias não convertidas em lei; escolhe dois terços dos Ministros do TCU; autoriza referendo e convoca plebiscito; e susta atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar. Se aprovado e promulgado, seus efeitos passam a valer imediatamente após a publicação.