Lula (PT) Foto: Mario Agra/Câmara dos Deputados

O Ministério Público Federal (MPF) aumentou a pressão pelo veto do presidente Lula ao Projeto de Lei Geral do Licenciamento Ambiental (PL 2159/2021), conhecido como “PL da Devastação”, aprovado no último dia 17 pelo Congresso Nacional. A instituição enviou uma nota técnica ao Palácio do Planalto, esta semana, na qual recomenda o veto a mais de 30 dispositivos do texto, por violarem a Constituição, comprometerem a proteção ambiental e tratados internacionais.

A ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, também informou que os técnicos da pasta finalizam a análise técnica do projeto para embasar o presidente na decisão sobre sanção ou veto da matéria, que traz 60 artigos e mais de 300 dispositivos. Lula tem até o dia 8 de agosto para decidir.

Segundo Marina, não são apenas as mudanças introduzidas pelo Senado que precisam ser analisadas, mas o projeto como um todo, que na avaliação de ambientalistas já saiu ruim da Câmara dos Deputados, porque instituiu o desmonte do licenciamento, considerado ferramenta importante do País para a proteção ambiental.

No governo federal, se de um lado, a pasta de Marina é a favor do veto, de outro, os ministérios de Minas e Energia e dos Transportes, já manifestaram interesse pela sanção, porque muitas mudanças introduzidas devem dispensar a licença para empreendimentos considerados estratégicos para o País. Na avaliação de Marina, não basta vetar, mas apresentar outra proposta para recompor as regras, que pode ser o envio ao Congresso de novo Projeto de Lei (PL) ou Medida Provisória (MP).

A nota técnica do MPF foi elaborada pela Câmara de Meio Ambiente e Patrimônio Cultural (4CCR), pela Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais (6CCR) e pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), órgãos superiores da Procuradoria-Geral da República (PGR).

O documento de 13 páginas pontua que os dispositivos questionados “violam a Constituição Federal e contrariam preceitos fundamentais como o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e os direitos dos povos originários sobre suas terras, além dos princípios da administração pública, da vedação ao retrocesso ambiental, da proteção eficiente e do pacto federativo. A norma fere, ainda, jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal (STF) em diversas decisões específicas”.

O PL introduziu novas modalidades de licenciamento, como a Licença Especial Ambiental (LEA), e a Licença por Compromisso e Adesão (LAC) – uma espécie de autolicenciamento – por exemplo, e isentou vários setores de licença ambiental ou ampliando prazos do licenciamento. Segundo o MPF, o STF já se manifestou em outras ocasiões contra a medida, como na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6.618, ao reconhecer que “a simplificação de processos só é admissível em casos de baixo impacto ambiental”.

Licenciamentos mais permissivos

O MPF também questiona a criação de modalidades de licenciamento mais permissivas, como a dispensa de licenciamento para setores como agronegócio e obras de infraestrutura; a renovação automática de licenças; e a exclusão da participação de órgãos como a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) em projetos que afetem territórios tradicionais não homologados.

Os procuradores que assinam o documento lembram que o Supremo Tribunal Federal (STF) já reconheceu que “os direitos territoriais de povos indígenas e quilombolas são originários e independem de conclusão formal dos processos administrativos”. Além de dificultar a avaliação dos impactos indiretos de grandes obras sobre essas comunidades, o MPF sustenta que o projeto aprovado contraria o princípio da precaução e o direito à consulta prévia, livre e informada, previsto na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Outra crítica é a retirada da exigência do Cadastro Ambiental Rural (CAR) e a flexibilização de regras da Lei da Mata Atlântica. “Embora apresentado sob o pretexto de modernizar e conferir celeridade ao licenciamento ambiental, o texto aprovado contém dispositivos que, na prática, promovem o desmonte de um dos mais importantes instrumentos da política ambiental brasileira e da defesa dos direitos humanos”, pontua o MPF no documento.

Violações e retrocesso socioambiental

Ao finalizar a nota técnica, os procuradores dizem, ainda que “o conjunto de dispositivos analisados configura uma violação sistemática ao princípio da vedação ao retrocesso socioambiental, reconhecido pelo STF como decorrência do art. 225 da Constituição Federal”.

“Por meio do autolicenciamento, da dispensa de setores inteiros, da eliminação da análise técnica e da fragilização das condicionantes, o PL promove um desmonte generalizado do sistema de licenciamento, representando um retrocesso injustificado que compromete o núcleo essencial do direito ao meio ambiente”, ressaltam os procuradores.

Além da Convenção 169 da OIT, outro tratado violado é o Acordo de Paris, assinado em 2015 para o enfrentamento às mudanças climáticas. Para o MPF, tudo isso cria “um alto risco de responsabilização do país perante cortes internacionais, como a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH)”.

O MPF informou que já havia alertado o Congresso Nacional, diversas vezes, sobre os riscos de retrocesso com o PL do Licenciamento, como em maio de 2024, quando entregou ao Senado um documento apontando os prejuízos que a flexibilização das regras vai causar à proteção do meio ambiente e das populações tradicionais. Este ano, o MPF voltou a se reunir com a Comissão de Meio Ambiente do Senado Federal para tratar da medida, além de ter participado de audiências públicas sobre o tema.

Impacto em TIs não homologadas

Reportagem publicada na quinta-feira, 31, pelo portal InfoAmazônia, mostra que o PL do Licenciamento exclui 121 terras indígenas (TIs) da Amazônia Legal de zonas de proteção no entorno de grandes obras. Isto porque empreendimentos como portos, ferrovias, rodovias, projetos minerários, parques eólicos, termelétricas, usinas hidrelétricas e linhas de transmissão poderão ser instaladas no entorno de TIs não homologadas, sem consulta à Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).

Conforme o InfoAmazônia, das 792 terras reconhecidas pela Funai no Brasil, 289 (36%) ainda não foram homologadas, sendo 121 delas na Amazônia Legal, o equivalente a 26% das TIs da região.

“O texto também reduz a área de influência direta dos empreendimentos, conhecida por zona de impacto, no caso de terras indígenas homologadas e com restrição de uso para isolados no bioma Amazônia. E diminui significativamente essa faixa de amortecimento em outros biomas da Amazônia Legal, como o Cerrado e o Pantanal, igualando-as às demais regiões do País”, informa a reportagem.

Como o PL mudou a expressão de “Amazônia Legal” para “Bioma Amazônia”, caso seja sancionado integralmente, ressalta o InfoAmazônia, a proposta também reduzirá o raio de proteção das TIs homologadas dentro do bioma Amazônia de 40 para 15 quilômetros no caso de rodovias, de 10 para 8 quilômetros no caso de ferrovias, portos, termoelétricas e projetos minerários que exigem estudo de impacto ambiental, de 40 para 30 quilômetros no caso de usinas hidrelétricas com reservatórios e de 8 para 5 quilômetros no caso de linhas de transmissão

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