Até dezembro de 2024, cerca de 64% das obras do Linhão de Tucuruí estão concluídas, informou o consórcio Transnorte Energia, formado pela Alure e Eletronorte, que prevê a entrega do projeto para setembro de 2025. Até o fim do ano passado, o consórcio já havia construído 70 das 237 torres previstas dentro do território indígena, sob o olhar atento das lideranças do povo Kinja, como os Waimiri Atroari se autodenominam.
O linhão, que distribui energia gerada pela hidrelétrica de Tucuruí, no Pará, possui 724 km no total e prevê a instalação de 1.390 torres nos estados do Pará, Amazonas e Roraima. O projeto foi leiloado em 2011, mas havia uma série de problemas, como a comunicação insuficiente com os povos indígenas. Em 2022 foi assinado um acordo e a construção seguiu. O projeto busca integrar Roraima, com mais de 700 mil habitantes, ao Sistema Interligado Nacional (SIN), reduzindo a dependência de termelétricas movidas a diesel. De janeiro a agosto do último ano, o estado gastou mais de R$ 324 milhões em combustível (cerca de 53 milhões de dólares) para suas usinas.
Em 2021, Roraima liderou o ranking nacional de emissões de CO2 per capita, com 94 toneladas por habitante – mais de 15 vezes a média mundial, segundo o Observatório do Clima. As principais causas são o uso de diesel nas termelétricas, o desmatamento e a agropecuária, conforme já destacado em reportagem da Climate Tracker. A integração ao SIN visa também fomentar o uso das fontes renováveis de energia solar e eólica, promovendo avanços econômicos e ambientais.
“As linhas de transmissão de energia elétrica são componentes essenciais, funcionando como veias e artérias que distribuem o sangue no corpo humano. Elas desempenham um papel crucial ao transportar a energia gerada em usinas para centros urbanos, industriais e rurais”, explica Ana Vitória de Almeida Macêdo, especialista em energia renovável, membro do Instituto dos Engenheiros Eletricistas e Eletrônicos (IEE) e professora do Departamento de Engenharia Elétrica da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRP). “Além disso, a transição para fontes renováveis, como solar e eólica, exige redes de transmissão mais flexíveis e inteligentes”, acrescenta.
A falta de linhas de transmissão é um desafio para a expansão das energias renováveis no Brasil, particularmente na região Norte e Nordeste. Em 2023, a perda de energia, somente em Boa Vista, foi de 114.593 MWh, o maior índice do Brasil. As perdas são calculadas pela diferença da energia gerada e entregue nas redes de distribuição.
Embora boa parte da energia no Brasil seja gerada no Norte e no Nordeste, cerca de 990 mil pessoas na Amazônia ainda não têm acesso à eletricidade, segundo o Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA). Grande parte dos municípios da região Norte dependem de Sistemas Isolados (SISOL), que operam principalmente com óleo diesel. Essa dependência, além de onerosa, contradiz os esforços globais de transição para uma matriz energética sustentável.
A construção do linhão ajuda a resolver esse problema, mas a obra traz prejuízos ambientais e sociais. A construção atravessa 144 km da Terra Indígena Waimiri Atroari, impactando rotas de caça e coleta. Cada torre requer o desmatamento equivalente a 250 campos de futebol. “Qualquer empreendimento dessa magnitude impacta fortemente o meio ambiente e a realidade sociocultural do povo indígena”, explica Harilson Araújo, representante da Associação Waimiri Atroari (ACWA).
Atuação dos indígenas diminui impacto ambiental da obra
Após uma década de negociações e ações judiciais para garantir seus direitos, o povo Kinja autorizou a obra mediante a compensação de R$ 90 milhões (cerca de 14 milhões de dólares americanos) do governo federal e R$ 43 milhões do consórcio (cerca de 7 milhões de dólares), além da implementação rigorosa do Plano Básico Ambiental – Componente Indígena (PBA-CI), critério estabelecido pelas autoridades ambientais brasileiras para o licenciamento da obra. Desde a década de 1970, grandes empreendimentos, como a BR-174, a Usina Hidrelétrica de Balbina e a operação da Mineradora Taboca, adquirida em 2024 por uma empresa estatal chinesa, causaram danos profundos à sobrevivência desse povo, que teve sua população reduzida por causa dos impactos, e hoje conta com pouco mais de 3 mil indígenas.