Foto: SupCom/ALE-RR

A Semana Estadual de Combate e Prevenção ao Alcoolismo em Roraima, instituída pela Lei nº 996/2015, será realizada de 1º a 7 de setembro. Mas o papel da Assembleia Legislativa (ALERR) vai além de criar normas e, na prática, oferta acolhimento a quem enfrenta o vício e deseja recomeçar.

Desenvolvido pela Secretaria Especial da Mulher do Poder Legislativo, o Centro Reflexivo Reconstruir surgiu em 2016 com a proposta de conscientizar sobre a violência de gênero – por meio de palestras especializadas – e ressocializar homens agressores, sejam eles encaminhados pela Justiça ou que buscavam ajuda por conta própria.

“É um trabalho que precisa da união do poder público e da sociedade civil, porque só assim vamos construir um ambiente mais saudável e humano em Roraima. Estamos ao lado de quem enfrenta o alcoolismo, fortalecendo ações de conscientização e acolhimento”, frisou o presidente da Assembleia Legislativa de Roraima (ALERR), deputado Soldado Sampaio (Republicanos).

Dentre o público que sofre ou sofreu com o vício, há quem atrela o uso excessivo do álcool ao comportamento abusivo. Por isso, a temática é abordada ao longo das reuniões do centro, conforme explicou o coordenador do Reconstruir, Jadiel Ribeiro.

“Sabemos que há casos de homens inseridos no programa por envolvimento com o uso abusivo de substâncias, o que, segundo relatórios, resultou em episódios de violência doméstica e familiar. Nossa abordagem é sempre preventiva e voltada para a ressocialização. Buscamos promover a conscientização, também entre aqueles que enfrentam o alcoolismo, para que reconheçam a necessidade de mudança”, pontuou.

Ribeiro enfatiza que a passagem pelo centro beneficia não somente o homem, que se ressocializa, como também a família, principalmente em casos em que a relação afetiva continua após o episódio de agressão.

“Observamos que muitas crianças reproduzem comportamentos violentos após presenciarem atitudes disfuncionais do pai em situações de violência doméstica. Recebemos retornos positivos de famílias agradecendo ao projeto, pois os homens passaram a buscar ajuda em diferentes grupos de apoio. Eles reconhecem que o álcool potencializa a violência e, ao tomarem consciência disso, procuram transformar o ambiente familiar”, acrescentou.

Quem tiver interesse em participar do grupo, pode se dirigir à sede da Secretaria Especial da Mulher, localizada na avenida Santos Dumont, 1470, bairro Aparecida, em Boa Vista. Informações sobre as reuniões também podem ser obtidas pelo WhatsApp (95) 98402-0502 ou pelo e-mail [email protected].

Mas afinal, o que é o alcoolismo?

O médico Kimã Meira, pós-graduado em psiquiatria, explica que é necessária uma avaliação detalhada para identificar o quadro de alcoolismo. A condição, considerada uma doença pela Organização Mundial de Saúde (OMS), é uma síndrome de dependência em que o paciente perde o controle sobre o consumo da substância, mesmo enfrentando prejuízos em diversas áreas da vida como profissional, emocional e familiar.

“É quando a pessoa não consegue mais, por conta própria, parar de beber. Muitas vezes, ela precisa de doses cada vez maiores para se sentir tranquila e passa a organizar a vida em torno do álcool”, explicou o especialista.

Entre os principais sinais da dependência, estão a necessidade constante de consumir a substância, a dificuldade em cumprir obrigações pessoais ou profissionais e alterações físicas ou emocionais na ausência do álcool. Em alguns casos, o dependente chega a faltar ao trabalho ou até leva a bebida para o ambiente profissional, o que agrava ainda mais o quadro.

Para identificar sinais de dependência do álcool, o médico explicou que é necessário fazer quatro perguntas básicas para si: se já pensou que está bebendo demais e precisa reduzir o consumo; se alguém próximo já chamou a atenção dizendo que está exagerando na bebida; se já se sentiu culpado por beber em excesso; e se já precisou ingerir álcool logo pela manhã ou apresentou sintomas físicos, como tremores, ao acordar.

De acordo com os critérios utilizados, quando há pelo menos duas respostas afirmativas, já é possível considerar que existe indício de dependência e a necessidade de procurar ajuda profissional.

Por isso, é crucial que o dependente reconheça que está doente e busque pelo apoio da família e ajuda profissional. Segundo Kimã Meira, o tratamento é uma iniciativa que deve surgir de iniciativa própria do paciente.

“O primeiro passo para o tratamento é o reconhecimento de que há um problema. Muitas vezes, esse processo só começa com o apoio de pessoas próximas. Em consultório, usamos algumas perguntas que ajudam o paciente a sair da negação e aceitar que precisa de ajuda”, pontuou.

Atualmente, o médico atende no Centro de Atenção Psicossocial de Álcool e Drogas (Caps AD III) onde 147 pacientes tratam o vício alcoólico. Meira reforça que é possível controlar a ânsia pelo consumo por meio de tratamento especializado.

“O álcool é uma droga lícita, o que dá uma falsa sensação de que seu consumo é inofensivo. Mas isso torna o tratamento ainda mais desafiador. O importante é que o paciente saiba que não precisa ter vergonha de buscar ajuda. Existem locais preparados para acolher e tratar essa dependência”, frisou.

Uma nova chance

Um dos pacientes da unidade é um homem de 35 anos, que identificaremos como João. Ele relata que começou a beber durante a juventude de forma social. Entretanto, ao começar a trabalhar em um bar e ter fácil acesso à bebida alcoólica, imergiu no vício.

O consumo excessivo de álcool prejudicou seu casamento, que resultou em separação, e complicou o relacionamento com os filhos gêmeos. Além disso, João não se firmava em empregos por passar a maior parte do tempo embriagado.

“Já não era mais pra me divertir, era pra tentar esconder o que eu sentia por dentro. O sentimento de revolta, de remorso. E, por estar desse jeito, bebendo todo dia, eu passei a conviver com pessoas que tinham problemas parecidos e que usavam drogas. Então, além do álcool, comecei a usar outras drogas também”, relatou.

Em 2020, ele resolveu se internar no Caps III e ficou bem. Conseguiu se manter longe do consumo excessivo e, por isso, voltou a beber “socialmente”. No entanto, o problema estava justamente na crença de que ele teria autocontrole. Por isso, ele deixa o recado:

“Uma pessoa alcoólatra não pode beber socialmente, porque é o primeiro passo para sucumbir ao vício novamente. A única forma de se manter sóbrio é parar de beber álcool indeterminadamente”, alertou, por experiência própria.

Os antigos problemas voltaram e João passou anos no vício e convivendo com suas consequências, como a perda de peso, problemas familiares e instabilidade profissional.

No mês de agosto deste ano, uma situação o fez decidir tratar a doença novamente. Foi quando ele chegou ao local de trabalho embriagado e brigou com o chefe, momento em que foi demitido. Ao notar que estava percorrendo um caminho difícil, buscou por ajuda mais uma vez.

“Além de prejudicar fisicamente, a bebida me prejudicou no meio social. Mas a mensagem que eu deixo é a seguinte: há tempo para tudo, só não tem tempo para a morte. Se você está passando pelo que eu passei, ou algo semelhante, procure ajuda, mas a ajuda certa. Se você procurar o caminho certo, vai dar certo”, disse.

Trabalho social

Além do amparo por meio dos poderes públicos, há quem atue na causa de forma autônoma e voluntária, como exemplo dos Alcoólicos Anônimos (A.A.), uma irmandade mundial, presente em 186 países, que há 90 anos oferece apoio mútuo a pessoas que enfrentam problemas com a bebida.

Em Roraima, a atuação já soma 48 anos e se mantém viva por meio do Escritório Local de Alcoólicos Anônimos Roraima (ESLRR), que hoje coordena oito grupos, sendo seis na capital Boa Vista e dois no interior, nos municípios de Caroebe e Cantá.

As reuniões acontecem diariamente em locais alternados, com entrada gratuita e sem qualquer taxa de participação, e seu objetivo é buscar a sobriedade das pessoas que buscam ajuda. As atividades são conduzidas pelos próprios membros, todos alcoólicos em recuperação, que compartilham suas experiências como forma de acolher novos participantes.

“Nós não damos diagnóstico, não dizemos ‘você é alcoólico’. Cada pessoa faz sua autoavaliação. O que fazemos é mostrar, por meio da nossa vivência, que é possível transformar a vida, reconstruir lares e recuperar a autoestima”, explicou o representante do escritório em Roraima, que não será identificado na reportagem.

A irmandade se baseia em 36 princípios, divididos entre os 12 passos de recuperação pessoal, incluindo tradições que regem a convivência entre os grupos e os doze conceitos de serviço, que organizam a forma de atuação do grupo. Para os membros, seguir esses princípios é o caminho que devolve integridade, felicidade e utilidade à vida de quem perdeu o controle sobre o álcool.

O trabalho em Roraima também conta com parcerias pontuais. A Justiça, por exemplo, encaminha pessoas que cumprem penas alternativas relacionadas ao consumo de álcool para participar das reuniões. Igrejas e empresas também solicitam palestras e ações educativas, especialmente em períodos de campanhas internas de saúde e segurança no trabalho.

“Nosso diferencial é o acolhimento. A pessoa chega destruída, sem fé, e encontra aqui empatia, carinho e uma recepção sem julgamentos. Muitas vezes, o que o dependente mais precisa é de uma palavra de conforto e de um abraço”, concluiu o representante do escritório.

O Escritório Local de Alcoólicos Anônimos Roraima funciona de segunda a sexta-feira, das 8h às 12h, na rua Parimé Brasil, nº 1121, bairro São Vicente, em Boa Vista. Lá, são oferecidas informações, e os interessados são encaminhados para o grupo mais próximo de sua residência. Também é possível obter informações pelo telefone (95) 99169-2519.

Lei Estadual

A lei que instituiu o momento de reflexão sobre o alcoolismo busca fomentar eventos, como palestras, seminários e outras atividades, nos primeiros sete dias do mês de setembro, conforme interesse dos grupos de alcoólicos e narcóticos anônimos.

A norma, de autoria da deputada Aurelina Medeiros (Progressistas), completou dez anos este ano. Na época em que apresentou o projeto, a parlamentar frisou que a lei busca incentivar a prevenção da doença por meio de políticas públicas e, consequentemente, diminuir a violência.

“Todo ser humano goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe assegurado oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social”, justificou a deputada.

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