Hospital Geral de Roraima (HGR). Foto: Secom RR

O Ministério Público Federal (MPF) obteve, no último dia 7, sentença favorável para que o Estado de Roraima implemente medidas estruturais no Hospital Geral de Roraima (HGR). O objetivo é garantir atendimento adequado e culturalmente específico aos povos indígenas dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs) Yanomami e Leste de Roraima.

De acordo com a decisão, o Estado de Roraima deve promover a contratação de intérpretes de línguas indígenas, abrangendo, no mínimo, os idiomas mais utilizados pelos povos indígenas atendidos no HGR. A Justiça também determinou o fornecimento de dieta especial, compatível com os hábitos alimentares e restrições culturais das etnias indígenas e a elaboração e implementação de protocolos clínicos diferenciados, voltados ao acolhimento e ao acesso da população indígena.

As medidas, que acolhem ação civil pública proposta pelo MPF, foram proferidas pela 2ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária de Roraima. Segundo a sentença, as iniciativas devem ser adotadas em até 90 dias. Em caso de descumprimento, o Estado poderá ser multado diariamente, com os valores revertidos ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos.

As irregularidades apuradas – A investigação do MPF, iniciada em 2019, identificou ausência de intérpretes contratados (o hospital dependia de cessões pontuais e precárias dos DSEIs), falta de espaços com ambiência culturalmente adequada, inexistência de cardápio diferenciado, ausência de protocolos clínicos adaptados e deficiências na coordenação indígena do hospital.

Durante a instrução processual, foram documentados casos de pacientes em macas nos corredores com acompanhantes dormindo no chão, conforme fotografias e depoimento do fiscal do Ministério da Saúde; barreiras linguísticas prejudicando diagnósticos e tratamentos; desconforto dos profissionais de saúde por não conseguirem se comunicar adequadamente; e até casos de preconceito por falta de capacitação sobre especificidades culturais.

As apurações apontaram que o atendimento de saúde especializado prestado aos povos indígenas no HGR é ineficaz e desrespeita as diretrizes específicas estabelecidas pelo Incentivo para Atenção Especializada aos Povos Indígenas (IAEPI). Um relatório elaborado pelo órgão mostra que diversas recomendações administrativas foram feitas ao longo dos anos, no entanto, as condições de atendimento à população indígena permanecem precárias.

Acordo

Em audiência realizada em março de 2023, ficou acordado que o processo ficaria suspenso por seis meses, período em que o Estado deveria avançar nas melhorias. Ao final desse prazo, representantes do MPF, do governo estadual e de entidades indígenas fariam uma inspeção no hospital, que ocorreu em outubro de 2023.

Após a inspeção, foi constatado que nem todas as medidas foram implementadas. Por isso, o MPF pediu à Justiça que o Estado de Roraima fosse intimado a prestar informações sobre a aplicação dos recursos do IAEPI e a execução financeira dos valores federais repassados em 2022 e 2023, bem como se havia projeto de lei para contratação de intérpretes. O Estado de Roraima apresentou respostas superficiais, o que fez o MPF pedir a retomada do trâmite processual.

O IAEPI e a atenção à saúde indígena – O Incentivo para Atenção Especializada aos Povos Indígenas (IAEPI) é um programa federal criado para assegurar que hospitais estaduais e municipais ofereçam atendimento culturalmente adequado aos indígenas. Os recursos são repassados diretamente do Fundo Nacional de Saúde aos fundos estaduais e municipais, mediante adesão a um Plano de Metas e Ações (PMA).

O IAEPI é regulamentado pela Portaria de Consolidação nº 6/GM/MS do Ministério da Saúde e estabelece diretrizes como: garantia de intérpretes e acompanhantes; dieta ajustada aos hábitos de cada etnia; adaptação de espaços físicos conforme especificidades culturais; protocolos clínicos diferenciados; e capacitação de profissionais sobre interculturalidade e respeito às práticas tradicionais de saúde.

O Estado de Roraima aderiu ao IAEPI em 2018 e desde então recebe recursos federais específicos para implementar essas ações no HGR. Segundo apuração do MPF, porém, o Plano de Metas assumido não foi cumprido adequadamente, levando inclusive a advertências do Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami sobre possível suspensão dos repasses.

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