No dia 16 de maio de 1990, quem consultasse o Código Internacional de Doenças (CID), encontraria o termo homossexualidade ao lado do número 302.0. Havia anos, no entanto, que a comunidade de LGBT lutava para que houvesse uma revisão da publicação, da Organização Mundial da Saúde (OMS), e a palavra fosse retirada da lista de doenças.O dia seguinte seria considerado, portanto, um marco para os ativistas LGBT, já que a OMS, em sua 43ª assembleia mundial, naquela data, finalmente revisaria o CID e deixaria de considerar a homossexualidade uma doença.
Desde 2004, a data passou a ser conhecida como o Dia Internacional de Combate à LGBTfobia, que neste sábado (17), celebra os 35 anos dessa decisão da OMS.
“Foi muito importante que uma das primeiras lutas desse ativismo organizado LGBTI+, justamente tenha sido combater os discursos e as tentativas de patologização”, afirma o professor de Direito da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e coordenador do Núcleo TransUnifesp, Renan Quinalha.
Segundo ele, a patologização da homossexualidade surge ainda no século 19. “A primeira vez que o termo aparece, em 1869, como homossexualismo ainda, é num tratado de psicopatologia sexual”, ressalta o pesquisador.
Ele acrescenta que, entre o fim do século 19 e o início do século 20, esse discurso de homossexualidade como doença se intensifica, a ponto de haver manicômios judiciais e hospitais psiquiátricos “cheios de homossexuais, pessoas acusadas de serem homossexuais ou assim diagnosticadas”.
Em 1948, o Código Internacional de Doenças, em sua sexta edição, passou a considerar homossexualidade um transtorno de personalidade. Quatro anos depois, a Associação Americana de Psiquiatria (APA) lançaria a primeira edição de seu Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM), que incluiria a homossexualidade como um “desvio sexual”.
A luta de ativistas LGBT para reverter essa tendência de patologização dessa orientação sexual começou a dar frutos na década de 1970. Em 1973, a APA decidiu retirar a palavra homossexualidade do DSM.
“Logo em seguida, outros países caminham nesse sentido. O Brasil fez isso em 1985, graças a um abaixo-assinado, feito pelo Grupo Gay da Bahia, que contou com milhares de assinaturas, inclusive de personalidades notáveis da política da época, como Fernando Henrique Cardoso e Mário Covas”, lembra Quinalha.
“Aí a gente chega nos anos 90, com essa decisão da OMS, importantíssima, e retira [a homossexualidade] dessa classificação internacional. Isso reforça esse processo de despatologização que vinha se intensificando”.
Apesar disso, Quinalha destaca que a visão da homossexualidade como uma patologia ainda persiste, principalmente em comunidades terapêuticas ligadas a denominações evangélicas, como as chamadas “curas gay”.
“A gente ainda vê essas práticas sendo ofertadas, contrariando resoluções do Conselho Federal de Medicina e do Conselho Federal de Psicologia”, disse.
Em suas redes sociais, a ministra dos Direitos Humanos e da Cidadania, Macaé Evaristo, lembrou que o Dia Internacional de Combate à LGBTfobia foi oficializado pelo Ministério da Saúde, em 2010.
“A data é um momento de reflexão e resistência, mas também de celebração das conquistas obtidas por meio da luta de movimentos sociais e ativistas, que, ao longo das décadas, vêm construindo um Brasil mais justo, diverso e plural”, afirma a ministra.
A ministra, no entanto, alerta que a população LGBT ainda enfrenta violações de direitos, discriminação e violência motivada por orientação sexual ou identidade de gênero.