Marcha pra Jesus, em Boa Vista - RR. Foto: Semuc BV.

O reconhecimento da cultura gospel como manifestação da cultura nacional representa um avanço importante não pelo nome de quem assina o decreto, mas pelo que ele simboliza enquanto decisão de governo e política de Estado. Trata-se de um gesto institucional que corrige uma distorção histórica e fortalece o princípio constitucional da igualdade no acesso aos direitos culturais.

Durante décadas, a cultura gospel esteve presente de forma intensa no cotidiano brasileiro, movimentando cadeias produtivas, formando públicos, criando linguagens próprias e contribuindo para a identidade social de milhões de pessoas. Ainda assim, sua inserção nas políticas culturais sempre ocorreu de maneira fragmentada, muitas vezes à margem do planejamento público. O decreto muda esse cenário ao reconhecer oficialmente essas expressões como parte do patrimônio cultural do país.

O mérito da decisão está na coerência administrativa. Ao incluir a cultura gospel no escopo das políticas públicas, o governo reafirma que a função do Estado não é selecionar manifestações culturais a partir de critérios ideológicos ou estéticos, mas garantir que todas as expressões relevantes da sociedade tenham acesso igualitário aos instrumentos de fomento, preservação e difusão cultural.

Esse reconhecimento também fortalece o Sistema Nacional de Cultura ao torná-lo mais representativo da realidade brasileira. A cultura não é homogênea, nem pode ser tratada como um campo restrito a determinados circuitos tradicionais. Ao ampliar o olhar institucional, o governo melhora a capacidade do Estado de planejar políticas mais eficientes, inclusivas e conectadas com os territórios.

Importante destacar que o decreto não cria privilégios nem rompe com a laicidade do Estado. Pelo contrário, reafirma-a. Reconhecer manifestações culturais de matriz religiosa é diferente de promover religião. É reconhecer fatos sociais e culturais objetivos, como já ocorre com diversas outras expressões que fazem parte da história do país.

Ao optar por esse caminho, o governo demonstra maturidade administrativa e compromisso com uma política cultural que reflete a complexidade da sociedade brasileira. Menos do que um gesto simbólico, o decreto representa uma decisão estratégica: incluir para fortalecer, reconhecer para planejar melhor, institucionalizar para garantir direitos.

Nesse sentido, o acerto não está nas figuras públicas envolvidas, mas na compreensão de que políticas culturais eficazes precisam ser amplas, técnicas e conectadas com a realidade social. O reconhecimento da cultura gospel é, acima de tudo, um passo consistente na construção de uma política cultural mais justa, plural e eficiente.

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