Foto: Tony Will

Dominado por facções em 13 dos 15 municípios, o estado de Roraima enfrenta uma escalada de violência atribuída à atuação do grupo criminoso venezuelano Tren de Aragua, que disputa espaço com o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho. Relatórios de inteligência e estudos sobre segurança na Amazônia apontam assassinatos brutais, torturas, esquartejamentos, domínio de prisões e até um cemitério clandestino em Boa Vista ligados a essas organizações.

De acordo com a 4ª edição do estudo Cartografias da Violência na Amazônia, facções criminosas estão presentes em Alto Alegre, Amajari, Bonfim, Cantá, Caracaraí, Caroebe, Iracema, Mucajaí, Normandia, Pacaraima, Rorainópolis, Uiramutã e na capital Boa Vista. Apenas São Luiz e São João da Baliza não têm presença confirmada de grupos organizados.

Um relatório da Polícia Civil de Roraima registra que o Tren de Aragua disputa o controle do tráfico de drogas com outros grupos venezuelanos e brasileiros em diferentes áreas de Boa Vista, o que se reflete no aumento de homicídios e tentativas de homicídio. Entre 1º de janeiro e 10 de outubro deste ano foram contabilizados 39 assassinatos no estado, dos quais 21 tinham vítimas venezuelanas e 18 brasileiras. No mesmo período houve 66 tentativas de homicídio, envolvendo 34 brasileiros e 32 venezuelanos.

Na capital, a polícia aponta que o Tren de Aragua já controla o tráfico de drogas nos bairros Tancredo Neves, Buritis, Caimbé, Liberdade e Asa Branca, além de acampamentos de migrantes instalados próximos à rodoviária no âmbito da Operação Acolhida. Uma investigação batizada de Operação Afluência atribui ao grupo mais de dez homicídios relacionados à disputa por pontos de venda de drogas na zona oeste de Boa Vista. Na fase mais recente da operação, um suposto chefe da facção foi preso em Manaus, somando-se a outras cinco prisões, todas de venezuelanos.

O avanço do Tren de Aragua está associado à crise humanitária na Venezuela e ao fluxo migratório intenso pela fronteira em Roraima. Entre 2015 e 2019 foram registrados 178 mil pedidos de refúgio ou residência temporária no Brasil. Em 2022, o estado teve o maior crescimento populacional do país, embora permaneça como o menos populoso, com 637 mil habitantes. Nesse contexto, os homicídios passaram de 90 em 2020 para 127 em 2021, quando a facção consolidou pontos de venda de cocaína trazida do país vizinho. Em Boa Vista, doze assassinatos entre março e agosto de 2021 foram atribuídos ao grupo, em quatro deles com esquartejamento das vítimas.

Em janeiro deste ano, a Polícia Civil localizou um cemitério clandestino em área de mata entre os bairros Pricumã e Cinturão Verde, na zona oeste de Boa Vista. No local foram encontrados nove corpos, incluindo um homem esquartejado, ossadas, corpos em decomposição e duas mulheres enterradas abraçadas em uma mesma cova. A estrutura foi atribuída à facção venezuelana.

Mesmo com a expansão das organizações de origem venezuelana, o PCC permanece como grupo hegemônico em Roraima, atuando em todos os 13 municípios com presença de facções e sendo o único em cinco deles. O Comando Vermelho aparece em oito cidades, com domínio em Amajari, Cantá, Caroebe, Normandia e Uiramutã. Estudos indicam que o Tren de Aragua funciona como um braço de uma rede transnacional conhecida como Sistema, articulando o contrabando de combustível, ouro, drogas e armas entre Venezuela, Guiana e Brasil. Pacaraima é descrita como corredor logístico para desvio de insumos rumo a áreas de mineração no território venezuelano, enquanto Uiramutã opera como elo estratégico na tríplice fronteira.

O artigo também lembra que o Tren de Aragua, apontado como maior grupo criminoso da Venezuela, passou a ser alvo direto das autoridades dos Estados Unidos, que classificam seus integrantes como narcotraficantes. O líder apontado da facção é Héctor Rustherford Guerrero Flores, conhecido como Niño Guerrero, condenado a 17 anos de prisão no país vizinho por homicídio, tráfico de drogas, roubos, porte ilegal de arma de fogo e falsidade ideológica, mas considerado foragido após fugas do sistema prisional venezuelano.

Deixe seu comentário

Please enter your comment!
Please enter your name here