
Cama baixinha, brinquedos e livros ao alcance das pequenas mãos e até armários com acesso às roupas, dispensando a ajuda de um adulto.
Os quartos com proposta montessoriana têm o objetivo de deixar as crianças se virarem sozinhas — ou, melhor dizer, que tenham autonomia e, assim, fortaleçam seu desenvolvimento.
Mas o que há por trás dessa ideia que vem ganhando cada vez mais espaço dentro da decoração?
Decoração infantil
A base do método une liberdade com responsabilidade, compreensão e respeito, ou seja, valoriza a individualidade e as necessidades de cada criança.
Entre os pilares que alicerçam a metodologia, defende-se que o ambiente seja propício para o aprendizado, já que a criança possui habilidade natural para aprender por conta própria, de acordo com seu processo de desenvolvimento.
A metodologia montessoriana foi criada a partir das observações científicas de Maria Montessori, uma das primeiras mulheres a se formar em medicina na Itália. Para ela, a pedagogia poderia antecipar a solução de muitos problemas futuros, inclusive transtornos médicos.
Na vida escolar, a pedagogia montessoriana coloca o professor como um mediador, apoiando o desenvolvimento dos alunos, em vez de ser peça central da educação, como prega o modelo tradicional de ensino. Adaptado à decoração, o método se traduz em deixar móveis e objetos atrativos e estimulantes ao alcance das crianças.
Benefícios variados
Toda e qualquer experiência vivida pelos pequenos acaba se tornando ensinamentos. “As crianças serão protagonistas na construção do próprio desenvolvimento, tomando para si o lugar de escolha dos elementos que servirão de repertório na edificação desse projeto de transformação do sujeito”, aponta Kleber Marinho, psicólogo analítico, responsável pela clínica PPI.
Ainda no ambiente caseiro, a intenção é promover a independência e a autoeducação. “A ideia é conhecer e explorar o mundo a começar pelo quarto, com autonomia e sem intervenções de adultos”, comenta Joseny Alves Fagundes, psicóloga e psicoterapeuta.
Além disso, podem ser listados como benefícios: autodisciplina, habilidades de iniciativa, persistência, poder de observação e concentração, refinamento da curiosidade e criatividade. As crianças ainda encontram ambiente propício para o desenvolvimento das capacidades sensoriais e psicomotoras como um todo.
“Outros resultados positivos aparecem nas funções cognitivas e, também, no desenvolvimento saudável da coordenação motora”, avalia Joseny.
Montessoriano na prática
Afinal, o que é preciso ter em um cômodo para ser considerado montessoriano? Como resume Fernanda Rodrigues, designer de interiores da loja Projeto de Gente: “o quarto tem que ser feito para o filho e não para os pais”. “É projetado exclusivamente para as crianças”, reforça.
A cama, por exemplo, deve ser baixa, permitindo que o pequeno usuário se deite e se levante com facilidade, quando quiser.
A peça-chave do quarto pode simplesmente ser um colchão colocado diretamente no chão, em sua adaptação mais simples, com um tapete de EVA ou estrado por baixo ou com estrutura personalizada.
A cama que lembra uma casinha é muito explorada nos projetos com pegada montessoriana. “O formato lúdico estimula a criatividade, que é um ponto muito importante no conceito, permitindo que sejam pendurados móbiles, luzes e brinquedos”, explica o arquiteto Bruno Moraes.
Decoração criativa
A cabana de tecido também é bastante utilizada em propostas montessorianas, seguindo o mesmo conceito da cama, ou seja, a criança pode entrar na cabana e dormir sobre colchão ou travesseiros com independência dos pais.
“Além disso, traz o universo lúdico da cabaninha para o quarto, onde ela pode levar seus brinquedos ou montá-la onde imaginar no quarto, desenvolvendo, assim, a criatividade”, opina Bruno.
Os brinquedos (preferencialmente educativos) e livros também devem estar em altura adequada às crianças, permitindo que tenham acesso aos itens em qualquer circunstância e momento. Além disso, o tamanho adaptado do mobiliário permite que desde cedo aprendam a guardar o que acabaram de usar.
No espaço íntimo da criança, mesas e cadeiras precisam também ser adequadas à altura do minidono do espaço. Escorregadores, balanços e outros atrativos também são liberados. “Se for instalado um espelho, deve ser na altura da criança, para ela conseguir ver seus reflexos e movimentos”, orienta Bruno.
Já os tapetes, além de minimizar o eventual chão frio, passam a ideia de delimitação de espaço, conforme lembra Joseny. “Almofadas e roupas de cama com estampas de bichos, de florestas e de desenhos infantis também são bem-vindos”, disse.
Segurança e limpeza absolutas
Mais do que um ambiente decorado, o quarto tem de oferecer segurança para os pequenos. “Se é para estimular autonomia deles, temos que deixar o espaço seguro e, por isso, o uso de móveis com cantos arredondados é muito importante”, aponta a designer de interiores Fernanda.
O arquiteto Bruno lembra que instalar barras de apoio nas paredes ou na lateral da cama ajuda bastante a criança a se equilibrar, principalmente quando está aprendendo a andar. Com isso, não depende tanto dos pais para dar os primeiros passinhos. As barras de proteção e apoio na minicama lúdica são indicadas até por volta dos 4 anos.
Como a criança deve usufruir bastante do espaço, a higienização do local é ponto crucial, já que o pequeno morador vai explorar muito o chão e os móveis adaptados a ele, a fim de explorar todos os sentidos.
Adaptações necessárias
Desde bem cedo os quartos podem ser projetados com a lógica montessoriana. Há, inclusive, móveis pensados para atender a diferentes fases.
“Existem berços para recém-nascidos, que vêm com peças que permitem ampliar para um berço maior e, depois, se transformam em caminha, aproveitando as mesmas peças. Dessa forma, é possível transformar o quarto sem ter que comprar novos móveis”, cita Bruno.
Com o crescimento das crianças, surge a necessidade de fazer adaptações, substituindo a temática da decoração e adaptando móveis de apoio (mesas e cadeiras, por exemplo) com a ergometria adequada à fase.
Idades em jogo: quando optar
Falando em faixa etária, os estímulos podem ser oferecidos desde o nascimento. “Não há qualquer impedimento para começar logo cedo, sendo que o limite na exploração do método é o alcance de nossa criatividade e possibilidades. Tampouco há uma faixa etária melhor do que outra; há apenas diferenças no processo de aquisição do conhecimento, desenvolvimento e crescimento”, lembra o psicólogo Kleber.
De acordo com a psicóloga Joseny, do primeiro até o terceiro ano de vida, o método mostra excelentes resultados. “Faz todo o sentido, afinal, na psicologia, entendemos que essa é a primeira infância, a fase principal do desenvolvimento da criança”, esclarece.
Já a designer Fernanda lembra que não há uma faixa específica para deixar a proposta de lado. O recomendado é esperar que a própria criança manifeste o desejo de mudar o ambiente — o que deve ser respeitado pelos pais, já que, na lógica montessoriana, os pequenos são estimulados a ter poder de decisão.