Foto: Reprodução/PCRR

Na última terça-feira (17) uma investigação da Polícia Civil de Roraima (PCRR) veio a público. Cinco mandados de busca e apreensão foram cumpridos em Boa Vista, nas residências de jovens acusados de compartilharem fotos e vídeos íntimos de mulheres em grupo de WhatsApp. A ação ocorreu nos bairros Asa Branca, Centro e Paraviana.

A delegada Kamilla Basto – responsável pelo caso, explicou que as investigações tem como alvos: P. G. B. S., de 22 anos, G. P. S. P., de 22 anos, E. M. O. S., de 24 anos, F. G. M., de 23 anos e M. T. F., de 23 anos.

Nesta quarta-feira (18), com exclusividade ao portal Roraima 1, a vítima responsável pela denúncia relatou sua versão dos acontecimentos, e deu mais detalhes sobre como os suspeitos teriam agido.

Início de tudo

De acordo com a vítima, ela e o suspeito P. G. B. S eram amigos desde 2019. Nos quase seis anos de amizade, além da relação de confiança e proximidade, eles chegaram a se relacionar e a trocar fotos íntimas em conversas de WhatsApp, sem qualquer apontamento de que algo estaria errado.

Até que no dia 7 de dezembro de 2024, através da melhor amiga, ela recebeu uma foto íntima que havia enviado para P. G. B. S em maio. A imagem teria vazado e estaria circulando em um grupo de WhatsApp.

De acordo com a vítima, a amiga em questão recebeu a foto do amigo de um dos integrantes do grupo de mensagens, do qual fariam parte os suspeitos P. G. B. S., F. G. M., e M. T. F.. Neste grupo seriam enviadas fotos íntimas de diversas meninas, entre elas, a da vítima.

Foi após uma conversa, que o suspeito F. G. M. teria enviado a foto íntima para o responsável pela denúncia, que ao recebê-la, informou a vítima sobre a existência do material.

Conversa com o suspeito

Após descobrir sobre o compartilhamento da foto, a vítima – que ainda possuía contato com P. G. B. S. – o chamou para conversar. O diálogo ocorreu em frente a praça da Amoca, por volta das 23h, dentro do carro da vítima – que disse que estava acompanhada por um grupo de amigos em um carro logo atrás por segurança.

A vítima então questionou P. G. B. S., que negou ter enviado a foto para outra pessoa. A conversa foi gravada pela vítima e apresentada à polícia.

“Eu nunca mandei coisa sua pra ninguém. A única pessoa que tem acesso ao meu celular é o [S. M. A. T.]. O que eu posso fazer agora é falar com ele, por que é a única pessoa que tem acesso ao meu celular”, disse o suspeito ao insinuar que S. M. A. T. teria vazado a imagem.

Ele então ligou para o S. M. A. T., na intenção de tentar esclarecer a situação. Porém, durante a ligação, o amigo afirmou ter diversas fotos íntimas de meninas enviadas por P. G. B. S..

“Tu me mandou pow. Eu tenho um monte. Tu me mandou da [vítima], da [outra vítima], me mandou…”, disse S. M. A. T..

Após a ligação, P. G. B. S. pediu desculpas à vítima e alegou ter esquecido do envio da foto ao amigo. “Eu tenho uma pasta, e tinha nude de outra menina [a segunda vítima citada na ligação]. Ela já ficou com o S. M. A. T., e uma vez ele viu a foto e pediu pra enviar. E quando eu fui mostrar tinham os seus também e eu acabei mandando também”, completou o suspeito.

A vítima então questionou se o suspeito assumiria os atos caso fossem à delegacia para registrar a ocorrência.

“Assumiria. Mas se tiver outro meio… Por que tipo assim, isso vai me prejudicar muito também”, respondeu.

Denúncia à Polícia

Pouco tempo depois da conversa, já na madrugada do dia 8 de dezembro, a vítima se dirigiu até a Casa da Mulher Brasileira para registrar Boletim de Ocorrência e para formalizar a denúncia. Por conta do horário, a vítima relatou a ausência das delegadas representantes da delegacia da mulher. Ela então foi atendida por agentes da Policia Civil de Roraima (PCRR).

Durante o atendimento, ela relata ter sofrido revitimização por parte do atendente e da psicóloga responsável. Eles teriam agido de maneiras ríspidas e invasivas, sem respeitar a delicadeza dos acontecimentos. O pedido de medida protetiva também foi negado a ela, pois segundo os atendentes, não cabia ao caso.

Acionado, o governo de Roraima ainda não se manifestou sobre o atendimento. O espaço segue aberto.

Grupo de WhatsApp

Após tomar conhecimento da situação, uma mulher que seria tia do suspeito S. M. A. T. entrou em contato com a vítima afirmando ser advogada. Ela então começou a conversar com a advogada da vítima, onde afirmou que o P. G. B. S. estaria tentando incriminar o sobrinho dela.

Na tentativa de inocentar o sobrinho e de responsabilizar o P. G. B. S., a tia enviou uma série de prints e gravações de tela que mostram uma conversa entre os dois amigos, ocorrida no dia 8 de dezembro de 2024.

Em uma das gravações de tela, é possível ver um áudio enviado pelo P. G. B. S. ao S. M. A. T., onde ele confirma a existência de um grupo de WhatsApp, onde as fotos íntimas seriam enviadas. Ele ainda cita outro possível envolvido, que também foi alvo da PCRR.

A gente conversou hoje mais cedo no grupo, e tá todo mundo dizendo que não enviou. A única possibilidade é tu. Eu não mandei pra mais ninguém, isso eu tenho certeza. Eu fiquei pensando, o do G. P. S. P. foi um outro [nude da vítima], e faz muito tempo já. Ele não tem mais também, já faz mais de ano“, disse o suspeito no áudio.

Em outro áudio, P. G. B. S. cita E. M. O. S., que também é investigado pela PCRR, e que teria sido questionado por uma amiga da vítima sobre o compartilhamento dessas fotos.

“O E. M. O. S. tava ficando com a [amiga da vítima] e no dia que aconteceu a merda toda a [vítima] estava na casa da [amiga da vítima] antes de ir lá comigo. Aí eu fui lá falar com o E. M. O. S. e ele me contou, tipo assim, que essa [amiga da vítima] no dia lá que aconteceu, fez um monte de pergunta pra ele, perguntando se ele tava sabendo de alguma coisa, se tinham falado algo da [vítima] pra ele, se ele tava em algum grupo, disse o suspeito.

Em nenhum dos materiais aos quais o portal Roraima 1 teve acesso, nem mesmo durante o relato da vítima, há qualquer apontamento que ligue E. M. O. S. ao grupo de WhatsApp ou ao compartilhamento de fotos íntimas.

Em um dos áudios enviados à defesa da vítima, é possível ouvir o P. G. B. S. dizer que o grupo é antigo, e que muitos conteúdos íntimos já foram enviados nele.

“Os moleques são confiáveis sim mano, até porque esse grupo já existe há muito muito tempo, e tem muita coisa lá, muita coisa lá, e nunca vazou, nunca teve nada, disse, antes de afirmar que os membros do grupo são os que estavam presentes em um aniversário do M. T. F..

Novo Boletim de Ocorrência

Após coletar os prints e áudios enviados pela tia de um dos envolvidos, a vítima foi novamente à delegacia para adicionar as novas informações ao processo. Ela então precisou passar por um novo atendimento, onde diz novamente ter sido revitimizada.

“Esse outro agente começou a perguntar assim: ‘mas você mandou foto pra ele mesmo não tendo nada com ele?’ e aí eu expliquei que sim, eu tinha um vínculo com ele [P. G. B. S.] mas que não era um relacionamento. Ele [atendente] nem olhava na minha cara, ele só digitava e continuava”, relatou a vítima.

De acordo com a vítima, no dia 20 de dezembro de 2024 o suspeito P. G. B. S. foi chamado para prestar esclarecimentos. O mesmo teria ficado calado por orientação do advogado, alegando que falaria apenas diante do juiz.

Já no dia 27 do mesmo mês, a vítima descobriu que o Boletim de Ocorrência do processo havia vazado, e que estaria circulando em grupos de alunos de uma faculdade privada de Boa Vista. No BO estariam presentes os relatos, o nome da vítima, e todos os dados dos envolvidos.

Após isso, a vítima registrou um novo BO, onde relatou o vazamento do Boletim original, e solicitou medida protetiva contra P. G. B. S.. A medida protetiva foi concedida, e a justiça negou o pedido do P. G. B. S. que solicitou a derrubada da medida.

Andamento das Investigações

Em março de 2025 a delegada Kamilla Basto assumiu as investigações do processo, e se comprometeu a garantir agilidade nas investigações. Uma série de diligências foram realizadas durante este período, até o cumprimento dos cinco mandados de busca e apreensão da última terça-feira.

“É importante esclarecer que a conduta, em tese, praticada por eles constitui crime previsto no Código Penal. Produzir imagem íntima sem o consentimento da pessoa fotografada é crime, e mesmo que a vítima autorize a foto/vídeo ou ela mesma envie espontaneamente, o compartilhamento da imagem sem a autorização dela também é infração penal. Essas condutas configuram o crime previsto no artigo 218-C do Código Penal, e é justamente essa infração que está sendo investigada”, detalhou a delegada, ao citar o crime que tem pena que pode variar entre 1 e 5 anos de reclusão.

Consequências para a vítima

Após todos os acontecimentos e diante de toda a exposição pessoal, a vítima relatou insegurança ao andar nos lugares.

“É uma sensação de constante medo. São pessoas que eu nem conheço, que eu não sabia nem o nome, nunca tinha visto o rosto, e eles já tinham visto a maior da minha intimidade, que é o meu corpo. Quando eu descobri que ele tinha mandado pra outras pessoas, eu passei a ficar em constante vigilância de onde eu andava. Pensava no caso de alguém estar no grupo, ou já ter visto”, relatou.

O impacto também afetou a saúde da vítima, que já possuía registro de transtornos mentais. “Eu tenho problema de Transtorno de Ansiedade e isso agravou muito. Eu tive que com a minha psiquiatra aumentar a medicação por conta de tudo o que aconteceu. Por um bom tempo eu só conseguia dormir à base de remédio”, contou.

“Eu não tô atrás de vingança, eu tô atrás de justiça”

Agora, ela acompanha atenta o andamento do processo, e aguarda que os envolvidos sejam responsabilizados pelos atos cometidos.

Eu não tô atrás de vingança, eu tô atrás de justiça. Eu quero que sirva de lição, de incentivo para outras mulheres que foram vítimas, até mesmo do que aconteceu, que já tenham se relacionado com algum desses rapazes. Que elas procurem a delegacia, que elas vejam qualquer coisa que elas saibam que possa colaborar com as investigações”, concluiu a vítima.

Apoio da Justiça

Enquanto acompanha o seguimento das diligências e o andamento do processo, a vítima ainda agradeceu e parabenizou a atuação dos agentes da Delegacia Especializada da Mulher, principalmente a delegada Kamilla Basto.

“Só o fato de alguém como a delegada Kamilla chegar e falar ‘eu acredito em você’ e ‘eu vou cuidar desse caso’ ou de um juiz ter reconhecido a medida protetiva, pra mim já foi um sentimento de vitória, mesmo que não tenha sido uma sentença ainda. Me dá a sensação de que tem alguém comigo”, disse.

Ela ainda incentivou outras mulheres – sejam vítimas deste ou de outros casos de violência, a denunciar abusos e crimes cometidos contra elas.

“Eu não cometi um crime. O que eu fiz foi confiar em alguém. Imagina quantas meninas passaram por isso, e nem sabem que foram expostas. Mas apesar de toda dor, todo o medo, eu não me arrependo da coragem que eu tive de denunciar. Eu acho que enquanto mulheres como eu sofrerem algum tipo de violência, e por medo da exposição, por medo da retaliação, ficarem caladas, mais vai acontecer a impunidade”, concluiu a vítima.

Como denunciar

É possível denunciar esta ou qualquer outra violência contra a mulher através de canais ligados às forças de segurança, ou pessoalmente em órgãos de proteção a mulher.

  • Ligue 180: Atendimento nacional 24h para denúncias e orientações;
  • Ligue 190: Atendimento da Polícia Militar de Roraima (PMRR);
  • Casa da Mulher Brasileira: localizada na R. Uraricoera, S/N, no bairro São Vicente.

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