Foto: Arquidiocese de Manaus

Em entrevista ao Valor Econômico, Dom Leonardo Ulrich Steiner, cardeal arcebispo de Manaus, compartilhou suas reflexões sobre a escolha do novo papa e os desafios que a Igreja Católica enfrenta nos dias atuais. Durante sua viagem a Roma para o funeral do papa Francisco e a eleição de seu sucessor, ele destacou a complexidade de definir um perfil para o novo pontífice.

“O bispo de Roma acaba sendo moldado pelas necessidades. É claro que ele leva o seu jeito, mas a Igreja vai forjando o papa de que precisa”, explicou.

Dom Leonardo, que participa do Conclave pela primeira vez, mencionou que não se preparou para o evento. “Vou vivendo a experiência”, disse, descartando a possibilidade de ser o escolhido para o papado, como sugerido recentemente por Leonardo Boff. “Não tem perigo nenhum disso acontecer! Fique tranquilo!”, afirmou, com bom humor.

O legado de Papa Francisco

Quando questionado sobre o legado do pontificado de Francisco, Dom Leonardo destacou a importância da misericórdia, um dos temas centrais durante seu pontificado. “É a recordação da importância da misericórdia. Quase não temos falado disso, mas, em 2016, vivemos o ‘Ano da Misericórdia’ promulgado pelo papa. A partir da misericórdia, Francisco nos recordou a atenção aos pobres, a sinodalidade, a urgência do cuidado ao meio ambiente”, declarou. Segundo ele, essas iniciativas foram fundamentais para tornar a Igreja mais presente e atenta às necessidades da sociedade.

Dom Leonardo também se referiu aos debates sobre temas como a ordenação diaconal de mulheres e a ordenação de padres casados, ressaltando que as discussões continuarão. “As opiniões devem ser ouvidas, o tempo de calar passou”, afirmou, reconhecendo que, apesar das críticas a essas propostas, elas são importantes para a evolução da Igreja.

A ação ambiental e a “Laudato Si”

O cardeal destacou o impacto da encíclica “Laudato Si” na conscientização sobre a crise climática. Ele lembrou que o documento teve um papel importante nas negociações da COP 21 e no Acordo de Paris, contribuindo para a mudança de visão sobre a relação da humanidade com o meio ambiente. “Com esse texto, vamos percebendo que a natureza não é mercadoria, mas a casa onde moramos. Papa Francisco alertou, portanto, que estamos destruindo nossa própria morada”, observou.

Ao se referir aos países que estão saindo do Acordo de Paris, como os Estados Unidos, Dom Leonardo não poupou críticas. “Sair do acordo de Paris significa: ‘olha, o mundo que se dane, desde que eu tenha o que é meu'”, disse, destacando que o abandono do pacto reflete uma preocupação com lucros e riqueza, sem levar em consideração o impacto sobre os mais pobres e a natureza.

Para Dom Leonardo, os pobres sempre ocuparão um lugar central na missão da Igreja, pois, segundo ele, foram os preferidos de Jesus. “Os pobres sempre terão o espaço necessário no ambiente eclesial, pois se nós saímos do horizonte dos pobres, sairemos consequentemente do horizonte da Cruz”, explicou. O cardeal enfatizou que o cuidado com os pobres vai além da assistência material: “Não se resume em dar comida ou esmola, mas se trata de reconhecer a dignidade das pessoas excluídas e sofredoras.”

Solidariedade durante a pandemia

Dom Leonardo recordou a ligação pessoal do papa Francisco durante os momentos mais difíceis da pandemia de covid-19 em Manaus, quando a cidade enfrentava um alto índice de mortes. “Primeiro tomei um susto. Você atende um telefonema e escuta: ‘Leonardo, aqui é Papa Francisco!'”, contou. Para ele, o apoio do pontífice foi um gesto de solidariedade e proximidade, algo essencial para manter a esperança nas adversidades. “Foi tão bonito da parte do papa perguntar sobre os povos indígenas. Ele tinha essa preocupação com os mais fragilizados e menores”, destacou.

Frutos do sínodo da Amazônia

O cardeal também falou sobre o Sínodo da Amazônia e os frutos que ele trouxe para a Igreja local. Embora não tenha participado diretamente do encontro, ele notou mudanças significativas desde sua chegada em Manaus, em 2021. “Vejo, também, maior participação dos leigos e a preocupação com a preservação do meio ambiente. Enfim, sinto uma igreja mais presente e atuante, ouvindo as angústias da população e construindo uma Amazônia mais justa e humana”, observou.

A ordem de mulheres e padres casados

Por fim, sobre a possibilidade de mudanças no celibato e a ordenação de mulheres e padres casados, Dom Leonardo afirmou que essas questões continuam sendo debatidas. “O papa convocou comissões para discutir a viabilidade teológica e pastoral dessas mudanças. Inclusive, estou em uma delas”, revelou. Embora o resultado ainda não esteja definido, ele acredita que essas discussões são necessárias para a evolução da Igreja.

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