Foto: Reprodução/SupCom ALE-RR

O plenário Deputada Noêmia Bastos Amazonas, da Assembleia Legislativa de Roraima (ALE-RR), sediou, nesta sexta-feira (30), a oitiva de lideranças indígenas e autoridades públicas, promovida pela Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal (CDH). A comissão acompanha, in loco, a situação dos povos Yanomami e avalia as ações da Operação Acolhida, em Pacaraima e Boa Vista, voltadas ao atendimento de migrantes venezuelanos.

Na abertura dos trabalhos, a presidente da CDH, senadora Damares Alves (Republicanos-DF), explicou que, em 2023, o Senado enviou uma comissão a Roraima. Dois anos depois, o órgão decidiu retornar, desta vez com uma comitiva vinculada diretamente à CDH, e não mais uma comissão externa, para acompanhar o cumprimento de recomendações feitas anteriormente.

“Viemos para comparar os avanços, identificar desafios e buscar melhorias no acolhimento, tanto em relação à crise humanitária dos povos indígenas quanto à dos migrantes do país vizinho. Estivemos na Operação Acolhida, em Pacaraima e Boa Vista, e realizamos reuniões com instituições, agências e as Forças Armadas. Queremos entender o que mudou desde 2018, quando começou o fluxo migratório”, afirmou.

Contribuições

A deputada Aurelina Medeiros (Progressistas) destacou que os povos indígenas devem ter os mesmos direitos que qualquer cidadão, especialmente em relação a emprego, saúde e educação. Também chamou atenção para a situação dos migrantes em situação de rua.

“Ainda se olha para o indígena como se estivéssemos no tempo da descoberta do Brasil. Eles querem respeito, oportunidades e direitos. Outro problema sério é a migração. Se você passar pela rodoviária, verá famílias dormindo nas ruas, debaixo de chuva e sem comida. Eles não estão nos abrigos porque não querem, mas porque não há vagas”, alertou, destacando que muitos entram no Estado por vias não oficiais, ficando fora das estatísticas.

O deputado federal Nicoletti (União), integrante da Comissão Externa da Câmara dos Deputados, ressaltou a importância da fiscalização dos recursos públicos destinados aos povos indígenas Yanomami.

“Ficamos assustados com alguns dados, como o aumento de 6% nas mortes de indígenas Yanomami em 2023, em relação a 2022. A malária cresceu 118% no mesmo período. Passamos 2023 sem nenhuma transparência do Ministério da Saúde sobre mortes e doenças nas áreas Yanomami. Precisamos estar aqui, ouvir todos os envolvidos, colher informações e incluí-las no nosso relatório”, declarou.

O senador Chico Rodrigues (PSB-RR) elogiou a atuação da senadora Damares e reforçou que o objetivo da comissão não é apontar culpados, mas propor soluções.

“A comissão externa tem a missão de ouvir, coletar dados e apresentar propostas que tragam melhorias. A senadora Damares também incluiu na programação visitas à Operação Acolhida, que atende os refugiados e impacta diretamente a população de Roraima. Não podemos ignorar os desdobramentos dos investimentos federais. É fundamental mantermos equilíbrio”, ponderou.

Relatos

O procurador da República em Roraima, Matheus Cavalcante, afirmou que o Ministério Público Federal (MPF) está à disposição para ouvir as demandas, especialmente das comunidades indígenas.

“Assim como a comitiva, estamos aqui para ouvir e colaborar no que for necessário, sempre defendendo os interesses dos povos e comunidades tradicionais, desde a proteção territorial até a efetivação de seus direitos, com respeito às especificidades culturais”, declarou.

A superintendente do Ministério da Saúde em Roraima, Andréa Rosado Maia, explicou que o papel da Superintendência é de apoio técnico às políticas do Ministério da Saúde junto às secretarias estaduais e municipais.

“Não atuamos diretamente nos territórios. Nosso papel é auxiliar os distritos quando surgem dificuldades, sempre em parceria com as secretarias locais”, esclareceu.

Na área da educação, a diretora do Departamento de Educação Indígena da Secretaria de Educação do Estado (Seed), Jane Alice, informou que mais de 1,3 mil crianças indígenas estão matriculadas na rede estadual. No entanto, segundo ela, a maior dificuldade é a logística para atender as aldeias.

“Precisamos de mais recursos, tanto do Estado quanto do Ministério da Educação, para atender os povos da floresta. São 12 etnias, cada uma com suas especificidades. Vemos nossas crianças passando fome, bebendo água contaminada, com peixes impróprios para consumo. O povo da floresta está pedindo socorro”, lamentou.

Saúde Indígena

A enfermeira Jacia Sousa, chefe da Divisão de Atenção Indígena do Distrito Sanitário Especial Indígena Leste (Dsei-Leste), relatou os principais desafios da unidade, que atende mais de 66 mil indígenas em 11 municípios, com 34 polos-base e aproximadamente 1.152 profissionais.

“Nosso maior gargalo é o andamento dos processos licitatórios, principalmente para compra de medicamentos, que é a maior reclamação da população. Além disso, estamos há quase 90 dias sem coordenador, desde a exoneração do anterior”, pontuou.

Por meio de intérprete, Matheus Sanumá, presidente da Ypassali Associação Sanumá, fez um apelo às autoridades:

“As pessoas que moram mais distantes são as que mais sofrem. Quando adoecem, não conseguem chegar aos postos de atendimento e muitas acabam morrendo. Pedimos atenção ao nosso povo Sanumá Yanomami”, solicitou.

O responsável pela Casai-Leste, Edmilson Albuquerque, servidor do Ministério da Saúde há 35 anos, destacou avanços, mas também os desafios, especialmente a superlotação.

“Temos quase 90 profissionais, mas a Casai foi projetada para atender 70 pacientes e seus acompanhantes, no máximo 140 pessoas. Hoje estamos com 150 a 220 pacientes. Isso significa que não conseguimos mais oferecer um atendimento digno e seguro. Precisamos urgentemente de um novo prédio”, alertou.

Clívio Alves Valões, do Sindicato dos Trabalhadores da Saúde Indígena, afirmou que é necessário rever a legislação para melhorar a assistência.

“Somos nós que removemos pacientes, levamos gestantes em trabalho de parto em caminhonetes sem condições, às vezes paramos no meio da estrada para fazer o parto. Já perdemos vidas porque o carro atolou, o avião não chegou a tempo. Perdi uma criança de quatro dias com pneumonia grave no meu colo, porque o socorro não chegou. Precisamos repensar a lei e resolver esses problemas”, desabafou.

A técnica de enfermagem Joana Gouveia, presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Saúde Indígena dos Distritos Leste e Yanomami, relatou as condições de trabalho e a luta da categoria.

“Protocolamos vários documentos pedindo melhorias nas condições de trabalho e contratação de profissionais, mas não fomos atendidos pela Sesai. Por isso, entramos com duas ações judiciais em 2023. Uma delas pede a escala 30 por 30, com 30 dias de trabalho nas aldeias e 30 na cidade, sendo 20 para descanso e 10 para capacitação. Entendemos que o profissional precisa estar qualificado para oferecer uma assistência de qualidade”, afirmou.

Encerramento

A deputada federal Coronel Fernanda (PL) agradeceu a presença de todos e reconheceu o trabalho dos profissionais da saúde indígena, mesmo sem as condições ideais.

“Eu sei que vocês saem de casa com esperança de fazer o melhor e, muitas vezes, voltam tristes por não conseguirem, devido às condições precárias. Quem recompensa todo esse esforço é Deus. Precisamos saber onde estão os problemas, porque, só assim, podemos buscar soluções”, finalizou.

Emocionada, a senadora Damares Alves encerrou sua participação falando sobre os ataques que sofreu durante a crise Yanomami, quando foi acusada de omissão.

“Me disseram: ‘O povo de Roraima te odeia porque você matou os Yanomami’. Fui processada, pediram minha prisão cinco minutos antes da posse como senadora, me acusaram de genocídio. Consegui tomar posse com muita dificuldade e fui a primeira parlamentar com processo de cassação. Não foi fácil, mas estou dedicando meu mandato e minha vida para ajudar vocês a encontrar uma solução”, concluiu.

O presidente da Assembleia Legislativa de Roraima (ALE-RR), deputado Soldado Sampaio (Republicanos), destacou que tanto a crise humanitária Yanomami quanto a questão migratória são de conhecimento público e que é dever do Estado seguir cobrando soluções efetivas.

“Precisamos apresentar essa realidade a todas as autoridades que visitam Roraima, especialmente as que integram o Poder Legislativo, como é o caso da comitiva liderada pela senadora Damares. É fundamental que conheçam de perto os desafios que enfrentamos com a migração venezuelana — uma situação na qual Roraima foi injustiçado, pois o governo federal nunca deu a devida atenção. Apesar de o Supremo Tribunal Federal já ter pacificado o direito do Estado ser indenizado, até hoje isso não ocorreu. Sem falar nas questões que envolvem os povos indígenas. O que nos interessa, de fato, é uma solução concreta para esses problemas”, ressaltou

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