A partir de janeiro de 2025, o Programa Calha Norte (PCN) será transferido do Ministério da Defesa (MD) para o da Integração e Desenvolvimento Regional (MIDR), após 40 anos sob a responsabilidade dos militares. Criado em 1985 para executar obras de infraestrutura básica nos municípios da região, o PCN atende aos Estados do Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins.
Por ano, são previstos, em média, R$ 800 milhões para o programa, que tem sido, nessas quatro décadas, um dos principais instrumentos de alocação de verbas por meio de emendas orçamentárias, pelos parlamentares da Região Norte.
Na última reunião da bancada do Norte na Câmara dos Deputados, no início deste mês, o coordenador do grupo, deputado Sidney Leite (PDS-AM), afirmou que tentará, junto aos demais membros do colegiado da região, barrar a transferência de ministério. Ele entende que o Ministério da Defesa desempenha de forma satisfatória a execução do programa, mas não detalhou de que forma pretende fazer esse pedido.
Ao assinar a portaria que criou o Grupo de Trabalho (GT) com foco em mudar o programa do Ministério da Defesa, o ministro da Integração, Waldez Góes, informou que quase 100% do que o Calha Norte tem relação direta com o Desenvolvimento Regional. “Então é uma organização administrativa do estado para que as políticas públicas sejam melhor aplicadas”, afirmou.
Já o ministro da Defesa, José Múcio, argumentou que a mudança fará com que as Forças Armadas trabalhem em suas áreas específicas, porque o trabalho com o Calha Norte “confundia, misturava as coisas e atrapalhava a gestão”. “Estamos deixando de fazer o que não é do nosso ministério e nem temos conhecimento para isso, e meu desejo é que as Forças Armadas voltem para os quartéis para cumprirem suas obrigações”, declarou, ao assinar a portaria o dia 4 de setembro deste ano.
Concebido inicialmente para desenvolver as comunidades às margens dos rios Solimões e Amazonas, o programa foi ampliado no decorrer dos anos e, hoje, atende a 783 municípios em dez unidades da federação, inclusive Estados de fora da região Norte, como Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Maranhão.
Segundo o Ministério da Defesa, dos 783 municípios atendidos pelo Calha Norte, 170 estão localizados ao longo dos 14.938 km de faixa de fronteira. Essa capilaridade faz com que o programa atue numa área correspondente a quase 60% do território nacional, onde vivem 27 milhões de pessoas, dentre as quais 90% das populações indígenas do País.
De acordo com o MIDR, o Calha Norte entrega obras de infraestrutura por meio de parceria com o Poder Legislativo, atualmente com obras nas áreas da saúde, educação, esporte, segurança pública e desenvolvimento econômico.
“A partir de 1º de janeiro de 2025, um Grupo de Trabalho interministerial vai elaborar um relatório de mapeamento das ações necessárias para a transferência do Programa Calha Norte do Ministério da Defesa para o Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional”, informou o ministério que irá receber o programa.
Programa é alvo de órgãos fiscalizadores
Auditoria realizada pela Controladoria-Geral da União (CGU), em agosto de 2024, a pedido do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), relator das ações sobre as emendas do “orçamento secreto”, mostrou que o Calha Norte está entre os principais programas com recursos oriundos de emendas parlamentares.
O Tribunal de Contas da União (TCU) também tem apertado o cerco na fiscalização do destino dos recursos por meio de emendas do Legislativo ao Orçamento. Segundo reportagem do jornal “O Globo”, de outubro deste ano, somente entre 2009 e 2022, o Calha Norte movimentou R$ 4,3 bilhões em recursos públicos, que agora são alvos de procedimentos investigatórios.
O periódico informou que, de acordo com o TCU, relatórios elaborados pelo próprio Ministério da Defesa sugerem a fragilidade no acompanhamento dos convênios, principalmente após a ampliação do escopo de atuação do programa.
As denúncias variam de sobrepreço a superfaturamento das obras e, ainda, o desequilíbrio entre os municípios contemplados, com excesso de verbas direcionadas geralmente a redutos eleitorais de parlamentares da base do governo.
Em 2022, outra reportagem de “O Globo” mostrou que “somente por meio do orçamento secreto, o ministro da Defesa bancou R$ 588 milhões em obras em municípios comandados por aliados do governo Bolsonaro”. As obras incluíram praças, passarelas de concreto, edifícios para abrigar câmaras de vereadores e até capelas funerárias.
De 2020 a 2023, o TCU realizou 25 processos de tomada de contas especial para apurar irregularidades no gasto com emendas por meio do Calha Norte.
As ações do PCN, segundo o Ministério da Defesa
O Programa atua em duas vertentes denominadas vertente militar e vertente civil. Com relação à militar, o PCN executa suas ações mediante a transferência de recursos orçamentários diretamente para os Comandos das Forças Armadas, visando à implantação, adequação e ampliação de unidades da Marinha, do Exército e da Aeronáutica na região.
Na civil, o programa executa suas ações mediante a transferência voluntária de recursos orçamentários, previstos em Lei Orçamentária Anual (LOA), provenientes de emendas parlamentares, por meio de convênios firmados entre o Ministério da Defesa e os Estados e municípios abrangidos pelo PCN, para atendimento a projetos de infraestrutura básica, complementar e aquisição de equipamentos.
Atualmente, o PCN realiza a gestão de 1.620 convênios ativos, 1.234 obras, em 783 municípios nos dez Estados, com recursos aproximados de R$ 3 bilhões.
Atuação das três Forças Militares na região
MARINHA DO BRASIL
Controle e segurança da navegação fluvial;
Registro de embarcações;
Treinamento das tripulações; e
Apoio às comunidades da região por meio de assistência às populações carentes.
EXÉRCITO BRASILEIRO
Implantação de infraestrutura básica nos municípios da região;
Implantação de unidades militares;
Conservação de rodovias;
Manutenção de pequenas centrais elétricas;
Manutenção da infraestrutura instalada nos Pelotões Especiais de Fronteira.
FORÇA AÉREA BRASILEIRA (FAB)
Implantação de unidades militares;
Apoio por meio de transporte aéreo logístico;
Manutenção de aeródromos; e
Apoio às comunidades, com evacuação aero médica.