O MEC (Ministério da Educação) vai destinar R$ 32 milhões para formar professores, elaborar material didático e construir centros educativos no território yanomami. Os projetos, resultados de demandas das lideranças indígenas, visam reconstruir políticas de ensino para a comunidade assolada por uma crise humanitária.
No início do ano passado, documento do MEC obtido pela reportagem mostrava que, das 26 escolas públicas na terra indígena, 11 estavam com as portas fechadas.
A situação mudou pouco desde então, segundo Lucia Alberta, diretora de promoção ao desenvolvimento sustentável da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas). Colégios ainda permanecem tendo espaços com infraestrutura precária, com falta de professores e de material didático.
Polo Base de Surucucu, na Terra Indígena Yanomami, em Roraima, onde povo indígena recebe atendimento médico Lalo de Almeida – 18.jan.2024 ** O investimento do MEC tem como objetivo mudar esse cenário. Serão construídas quatro casas-escola, um centro para formar professores e dez espaços de saberes autogestão, usados para conectar o ensino e a cultura yanomami.
Nesses espaços, os indígenas poderão fazer rituais e compartilhar saberes ancestrais, de acordo com Lucia Alberta. A ideia é fortalecer o contato dos yanomamis com a própria cultura, que se perdeu com a chegada do garimpo ilegal às terras.
Ela diz que o aporte investido pelo MEC é uma maneira de o governo federal intervir na falta de financiamento para educação para povos originários nos estados.
No Brasil, a terra da comunidade é dividida entre Roraima e Amazonas, responsáveis por construir e gerir escolas para os yanomamis. Enquanto o Amazonas tem 1.117 unidades com ensino indígena, Roraima tem 421.
Pelo Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica), o valor anual por aluno estimado para a educação indígena em ambos os estados é superior ao dos ensinos médio, infantil e fundamental em tempo regular.
“Na hora de executar recursos do Fundeb, entes federados não cumprem a especificidade para essas escolas e, muitas vezes, usam o valor para colégios em cidades [maiores]”, diz a diretora.
Por isso, o investimento também busca fortalecer a política dos territórios etnoeducacionais, que reúnem governo federal, estados, municípios e a própria comunidade para gerir o ensino na terra yanomami, sob coordenação do MEC e da Funai.
“Assim, fazemos uma gestão mais compartilhada e dividimos responsabilidades, para que um ente não espere pelo outro e, no fim, nada aconteça, como é o caso dos Yanomami”, afirma a diretora.
Dos R$ 32 milhões investidos, cerca de R$ 18 milhões vão para a formação de professores. Essa etapa ficará sob responsabilidade de Marilene Alves Fernandes, que integra a diretoria de pesquisa e pós-graduação do campus Boa Vista do IFRR (Instituto Federal de Roraima).
Apenas 1% dos docentes yanomamis tem ensino superior, menor cifra entre etnias indígenas, de acordo com a Funai. Além disso, a maior parte dos professores que atuam nas escolas também não completou o ensino médio ou magistério.
Com o investimento, será construído um programa de formação de professores em parceria com a comunidade e especialistas em educação indígena. A medida deve trazer um ensino bilíngue, com inclusão do português e do idioma yanomami, que aborde aspectos culturais e históricos dessa etnia, segundo Fernandes, da IFRR.
“Eles reivindicam uma educação que respeite sua diversidade e língua, mas que também trabalhe conteúdos da escola não indígena. Deixam claro que querem aprender isso, porque precisam viver no mundo em que não indígena vive, mas de forma que respeite a particularidade deles”, diz.
A formação desses novos professores deve durar três anos, mas, nesse período, eles já estarão dando aulas para os estudantes da comunidade.
O valor também será usado para comprar material didático específico para essa população. Segundo Lucia Alberta, da Funai, ainda há escolas em terras para povos originários que replicam a metodologia de escolas não indígenas, o que prejudica o aprendizado.
Segundo Eliane Boroponepa Monzilar, doutora em antropologia pela UnB (Universidade de Brasília) e originária do povo Balatipone-Umutina (MT), a integração dos entes federativos é essencial para garantir a continuidade da política educacional indígena, mas ainda falta compromisso dos gestores públicos para que a pauta avance.
“Investimento do MEC é positivo, mas cabe aos gestores fazerem valer esses recursos”, diz. “É preciso ter equipe a nível municipal e estadual com comprometimento, que trabalhe in loco nos territórios indígenas. Vejo que ainda faltam pessoas com essa dedicação.”
Além de participarem dos processos de formação dos docentes, o povo indígena também é responsável pela gestão do território etnoeducacional e por monitorar as obras das escolas. De acordo com a pasta, o objetivo é que, ao estudarem, eles possam, no futuro, se tornar responsáveis por essas construções.