A disputa eleitoral em cidades de crescente garimpo ilegal na Amazônia ganhou uma nuance a mais nos últimos pleitos e que se repete nas eleições deste ano: a investida de garimpeiros que se candidatam a prefeito ou a vereador para ampliar o domínio na política local.
Conforme os dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), este ano serão 58 candidatos no Brasil que se dizem, abertamente, garimpeiros. A maioria deles disputa em cidades da Amazônia Legal e que são alvos recorrentes de operações policiais contra o garimpo na floresta.
Em Jacareacanga (PA), conhecida hoje como uma das capitais do ouro ilegal na Amazônia, além de um candidato a prefeito e outro a vice, que estão na mesma chapa, existem, ainda, outros cinco garimpeiros que se candidataram a vereador.
O município do oeste do Pará é onde fica a terra indígena Munduruku, às margens do Rio Tapajós. Ao lado de Itaituba (PA), Jacareacanga é hoje uma das cidades com a maior área minerada do país. E, apesar de todo o ouro extraído, algo como 80 kg por semana, a localidade está entre as 10 com pior qualidade de vida do Brasil.
Em Curionópolis, também no Pará, as eleições deste ano terão dois garimpeiros candidatos, um a prefeito e outro a vereador. Pelo nome, poucos identificam, mas a cidade é onde fica Serra Pelada, o maior garimpo a céu aberto do mundo.
Candidato fez lobby em Brasília a favor do garimpo
João Francisco Siqueira Dutra, conhecido como Joãozinho da Serra Pelada (PL), é o garimpeiro candidato a prefeito em Curionópolis. Com um forte discurso em favor da legalização do garimpo ilegal, ele já fez lobby em Brasília à favor da atividade.
“Vamos acabar com essa sacanagem de queimar máquina do garimpeiro. O culpado de tudo isso é a Vale! Fiquem espertos que nós vamos parar o projeto de vocês. (…). É o garimpo que movimenta a economia do município”, defendeu em um vídeo publicado nas redes sociais.
Em outro post na internet, Joãozinho aparece ao lado do deputado federal Joaquim Passarinho (PL-PA), defensor dos garimpeiros no Congresso Nacional e presidente da Frente Parlamentar do Empreendedorismo (FPE).
O apelido Serra Pelada é porque João nasceu na região. Ele tem 33 anos de idade e já prestou serviço para a Minas Salobo Metais, braço da Vale que extrai cobre na região de Marabá, cidade vizinha a Curionópolis.
Nos últimos anos, além do lobby em Brasília e do discurso favorável à legalização do garimpo, ele passou a atacar a ex-contratante Vale, que possui autorização para a extração de minério.
Indígena e garimpeiro na mesma chapa em Jacareacanga
Em Jacareacanga, a chapa dos garimpeiros é formada pelo ex-prefeito da cidade Raimundinho (Podemos) e pelo candidato a vice, Thomaz Boro, que é indígena da etnia Munduruku. Os dois se declaram garimpeiros, conforme os dados do sistema do TSE.
Essa mistura entre indígenas e garimpeiros pode gerar certo estranhamento, mas é o que revela a complexidade do caso em determinados locais. “Esse é o problema de romantizar o indígena ou o garimpeiro. A coisa é muito mais complexa”, avalia o pesquisador Rodrigo Chagas.
Professor do grupo interdisciplinar em fronteiras da Universidade Federal de Roraima (UFRR), ele explica que a relação da exploração de minérios na Amazônia Legal foi incentivada durante a Ditadura Militar do Brasil e criou-se um problema de difícil solução que continua até hoje.
Após a redemocratização e com a nova Constituição Federal, que prevê maiores direitos aos povos indígenas, os milhares de garimpeiros que foram incentivados a explorar minérios na região caíram na ilegalidade e foram se transformando em uma base política. Hoje, eles não só invadem e exploram terras ilegalmente, mas também fazem cooptação de integrantes das comunidades locais.
“Não me espanta que a maioria dos candidatos garimpeiros esteja na Amazônia e não me espanta que eles consigam muitos votos”, diz Chagas.
Em agosto de 2020, o então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, foi recebido em Jacareacanga (PA) por manifestantes indígenas da etnia Munduruku em defesa da legalização de garimpos ilegais.
Veja abaixo a distribuição de candidaturas de garimpeiros por estado. A maioria delas está em locais da Amazônia Legal: