Roraima continua enfrentando uma crise ambiental de grandes proporções, impulsionada pelos incêndios florestais e pela intensa poluição do ar, que impactam a saúde dos moradores do Estado. Números recentes divulgados pelo Programa de Queimadas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) revelam que o Estado registrou mais de 4 mil focos de queimadas apenas neste ano, até abril de 2024.
Incêndio em plantação de acácias na cidade de Bonfim, Roraima (Jader Souza/ALE-RR)
Em janeiro, foram registrados 604 casos, seguidos por 2057 em fevereiro e 1429 em março. A tendência preocupante continua em abril, com mais 54 focos detectados apenas na primeira semana. Esses números comprometem não apenas a qualidade do ar na capital, mas também em vários municípios vizinhos, colocando em perigo a saúde e o bem-estar de diversas comunidades, especialmente as indígenas e ribeirinhas.
O pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e do Laboratório de Dinâmica de Savanas e Florestas de Roraima (SavFloRR), Reinaldo Imbrozio, abordou os principais impactos na saúde decorrentes da má qualidade do ar devido aos focos de calor causados por queimadas e incêndios florestais.
“Gases tóxicos e material particulado emitidos pelos incêndios florestais, assim como os incêndios em áreas de savanas, conhecidos em Roraima como ‘lavrado‘, liberam grandes quantidades de gases e material particulado, prejudicando significativamente a saúde pública, especialmente em áreas urbanas, onde há uma maior concentração populacional. No entanto, as áreas rurais também são afetadas“, explicou.
Falta de chuvas
Apesar do menor número de registros de focos de calor neste mês de abril, em comparação com os meses anteriores, a poluição do ar persiste, agravada pela ausência de chuvas até o dia 27 de março na capital. O ar poluído ainda é uma realidade, afetando não apenas Boa Vista, mas também 14 municípios de Roraima, que continuam em situação de emergência.
Imbrozio explica que é difícil prever exatamente quando ocorrerá a dispersão da imensa massa de poluição atmosférica, mas afirma que a chegada de pancadas de chuva isoladas ajudou a amenizar um pouco a situação; porém, é necessário uma precipitação maior.
“Precisamos que massas imensas de chuva realmente ocorram sobre os ecossistemas florestais e de savanas locais para que essa situação seja resolvida por completo. No entanto, não há uma previsão exata de quando isso acontecerá, mas provavelmente nos próximos 15 a 20 dias”, analisa.
Guiana
Sobre as fontes de poluição do ar, além dos incêndios, o pesquisador confirmou a existência de outras contribuições, tanto locais quanto externas. Ele destacou que tais fontes transportam os gases e material particulado de fora do estado para dentro. No entanto, ressaltou que a maior parte da poluição tem origem nos próprios ecossistemas locais, especialmente nos incêndios provocados no lavrado.
Segundo o especialista, uma parte dos incêndios também é proveniente da Guiana, país vizinho, onde a cidade fronteiriça de Lethem está localizada a uma distância de apenas cerca de 130 km. “Observamos incêndios em regiões montanhosas próximas à fronteira, que adentram nesses sistemas florestais. Devido à direção predominante do vento, que é de nordeste para sudoeste, toda a região norte de Roraima é afetada, trazendo consigo poluição proveniente de fora do Estado”, explicou o pesquisador.
Com base nas estatísticas do Inpe, a Guiana registrou mais de 1.900 focos de calor este ano, distribuídos da seguinte maneira: 239 em janeiro, 616 em fevereiro, 833 em março e 305 na primeira semana de abril. Essa quantidade, acumulada nos primeiros quatro meses de 2024, representa aproximadamente 76% do total registrado em todo o ano de 2023, que foi o ano com o maior número de incêndios no País.
O cônsul-geral da Guiana, Rodger King, afirmou que os incêndios não ocorrem apenas no País, e que casos em toda a região fronteiriça do continente. “Na Venezuela, estão ocorrendo incêndios, assim como em algumas áreas do Brasil e aqui em Roraima também. Portanto, é um problema que afeta essas áreas, não sendo algo isolado em uma única região“, disse.
América do Sul
No contexto da América do Sul, a Venezuela lidera o ranking de números de focos detectados por satélites de referência. Em segundo lugar está o Brasil, com Roraima sendo o Estado com mais focos. A Colômbia ocupa o terceiro lugar, enquanto a Guiana está em sexto lugar.
Calamidade
Desde o dia 23 de fevereiro, a população roraimense enfrenta os impactos da poluição do ar. A situação atingiu um ponto crítico nos últimos dias de março, com a cidade sendo classificada como uma das mais poluídas do planeta, superando tanto São Paulo quanto a capital do Vietnã, Hanói, no ranking de poluição do ar.
“Esse ranking calamitoso que ocupamos no último mês só será encerrado quando a grande massa de chuva que está chegando – e já alcançou a região Sul do Estado – finalmente atingir o Norte de Roraima. Somente assim conseguiremos extinguir de vez todos os incêndios florestais e os focos de fogo que persistem nas áreas de savana e nas regiões de fronteira com a Guiana“, conclui.