A ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara falou durante entrevista à EBC nesta quarta-feira (20), que, embora o Brasil tenha avançado muito na demarcação de territórios indígenas em 2023, ainda há muito trabalho a ser feito neste sentido.
“Esse ano, nós conseguimos assinar a homologação de oito terras indígenas, que foram homologadas pelo presidente Lula. Assinamos também duas glebas, numa articulação com o Ministério do Desenvolvimento Agrário e o INCRA, uma no Amazonas, outra no Mato Grosso”, disse Sônia Guajajara.
“Essa quantidade que foi demarcada este ano, embora pareça pouco, já superou os últimos oito anos de demarcação. Em dez anos, foram apenas 11 territórios indígenas demarcados no Brasil. E agora, em 2023, em oito meses, a gente conseguiu assinar oito territórios. Foi o equivalente a um por mês. É pouco para o tamanho da demanda que nós temos do passivo para a demarcação, mas já é um grande passo, tendo em vista que nós saímos de quatro anos onde havia uma decisão política de não demarcar territórios indígenas. A gente vai continuar trabalhando para demarcar mais terras indígenas”, prosseguiu.
Ao longo do programa, a ministra debateu diversos temas, entre eles a derrubada, no Congresso Nacional, do veto do presidente Lula ao Marco Temporal, a importância da preservação dos povos indígenas no contexto do combate às mudanças climáticas, a realidade da educação escolar indígena no país e a cota para povos indígenas em concursos públicos.
Ela também fez um balanço da participação do Brasil na Conferência das Nações Unidas para Mudanças Climáticas de Dubai, a COP 28, encerrada no dia 13 de dezembro, e as expectativas para uma maciça participação dos povos indígenas na COP 30, que será realizada em Belém (PA), em 2025.
Confira os principais pontos da entrevista:
DEMARCAÇÃO DE TERRAS INDÍGENAS – Esse ano nós conseguimos assinar a homologação de oito terras indígenas, que foram homologadas pelo presidente Lula. Assinamos também duas glebas, numa articulação com o Ministério do Desenvolvimento Agrário e o INCRA, uma no Amazonas, outra no Mato Grosso. Começamos o ano com 14 processos a serem assinados. E estamos ainda na expectativa que o ano não acabou. E essas que estão ali para ser assinadas, vamos ver se a gente ainda consegue dar alguns passos. Essa quantidade que foi demarcada este ano, embora pareça pouco, já superou os últimos oito anos de demarcação. Em dez anos, foram apenas 11 territórios indígenas demarcados no Brasil. Em dez anos, na média, é uma por ano praticamente. E agora, em 2023, em oito meses, a gente conseguiu assinar oito territórios. Foi o equivalente a uma por mês. É pouco para o tamanho da demanda que nós temos do passivo para a demarcação, mas já é um grande passo, tendo em vista que nós saímos de quatro anos onde havia uma decisão política de não demarcar territórios indígenas.
DERRUBADA DO VETO DO MARCO TEMPORAL – O Judiciário enterrou o Marco Temporal, o presidente Lula afastou o Marco Temporal, e o Congresso insiste ainda com essa ideia. Então, agora já há uma articulação do próprio Movimento Indígena, de partidos políticos e também do Ministério dos Povos Indígenas, para entrar com uma ação direta de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal. O Supremo, que já declarou uma vez inconstitucional, não vai agora fazer o contrário do que ele mesmo já decidiu. Então, ainda há uma esperança. Considerando que o Marco Temporal não vai resolver os problemas fundiários no Brasil, pelo contrário, os indígenas que estão hoje na posse da sua terra, que estão ocupando um território que é considerado um território tradicional, eles também não vão entregar assim fácil aquele território.
IMPORTÂNCIA DA PRESERVAÇÃO – Nós acabamos de sair da Conferência do Clima (COP 28) e já há um avanço muito grande desse reconhecimento dos povos indígenas, dos territórios indígenas e dos modos de vida dos povos indígenas na preservação dos seus territórios. Então, já há um reconhecimento, inclusive nos acordos da própria Conferência do Clima, como o Acordo de Paris, por exemplo, que reconhece o conhecimento indígena como conhecimento científico e os territórios como uma das últimas alternativas para conter a crise climática. Somos 5% da população mundial e 82% da biodiversidade protegida no mundo está dentro dos territórios indígenas. E por isso os povos indígenas já estão agora também no centro desses debates climáticos. Então, a demarcação de terras indígenas não interessa somente a nós, indígenas. É uma luta pelo planeta.
INTEGRAÇÃO DO MINISTÉRIO – O Ministério dos Povos Indígenas chega para aglutinar essas políticas públicas que hoje estão espalhadas ou distribuídas em vários ministérios. É fato que nós temos a FUNAI, Fundação Nacional dos Povos Indígenas, que também mudou de nome este ano, com a criação do ministério. Era Fundação Nacional do Índio e agora a gente mudou para Fundação Nacional dos Povos Indígenas para valorizar essa diversidade também de povos. E nós estamos fazendo uma articulação muito forte com os prefeitos dos municípios que têm territórios indígenas e com os governadores de cada estado. Porque o ministério está aqui no âmbito federal para articular as políticas, para articular orçamentos, mas essa política é executada lá no território. Então, depende muito também desse apoio, desse acolhimento, desse entendimento dos prefeitos, das prefeitas e também dos estados. É dessa forma que a gente está buscando fazer essa articulação para que as políticas públicas cheguem dentro dos territórios indígenas. Hoje nós temos a educação que é responsabilidade dos estados, a saúde que é responsabilidade da SESAI, Secretaria Especial de Saúde Indígena, uma secretaria ligada ao Ministério da Saúde, as políticas culturais estão no Ministério da Cultura e daí vai. Fizemos este ano conversa com quase todos os ministérios, com o Esporte, com a Mulher, com a Educação, com a Saúde, com a Cultura, com a Igualdade Racial, Direitos Humanos, porque todos esses têm interface com os povos indígenas. Então, é dessa forma que a gente vai continuar trabalhando.
EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA – Na semana passada, nós tivemos uma reunião com o ministro Camilo (Camilo Santana, ministro da Educação), junto com o Fórum Nacional de Educação Escolar Indígena, aqui em Brasília, para discutir a educação escolar indígena. É fato que a pré-escola é responsabilidade hoje dos municípios e nós estivemos ali discutindo uma atualização das diretrizes que precisam ser dadas para os municípios e estados, do ensino básico até o ensino médio. E discutindo a criação de uma universidade indígena. É uma proposta que está sendo apresentada pelo Fórum Nacional de Educação Indígena para que a gente possa começar a ter a primeira universidade indígena, que não necessariamente é (apenas) uma estrutura física em um lugar, mas um modelo que pode ser ampliado, para ter uma pelo menos em cada uma das regiões do país. Então, é uma ideia bem inicial, mas que já está bem avançada essa discussão. E o que a gente pautou junto ao MEC é a criação de uma diretoria. Porque hoje, no MEC, nós temos apenas uma coordenação geral.
COTAS INDÍGENAS NOS CONCURSOS PÚBLICOS – É claro que é uma necessidade, porque se não houver as cotas, com todo esse histórico que a gente tem mesmo da formação, nós não vamos ter indígenas ainda preparados o suficiente para concorrer com quem está ali diretamente nos cursinhos, com quem está numa escola de qualidade particular ou mesmo pública, integral. Então, nós continuamos brigando pelas cotas, a exemplo do concurso da FUNAI, que vai acontecer agora, no início do ano, e ali a gente já garantiu 30% das vagas para povos indígenas. O concurso do Ministério do Trabalho também já garantiu ali as cotas para população negra e população indígena. Então, acho que aos poucos a gente vai conseguindo chegar aí em todas as áreas.
COP 28 – Este ano, chegar lá, liderar a delegação, falar nas principais mesas, fazer articulação com outros líderes, dos negociadores com o movimento indígena, isso foi maravilhoso. É claro que as conferências do clima sempre deixam muito a desejar no sentido dos acordos que são tomados. Parece que os acordos são sempre menores do que o tamanho da COP. Porque foi uma COP gigante, muito bem estruturada. Mas os acordos ainda são muito pequenos, muito tímidos para o tamanho da emergência climática que nós estamos vivendo, que o mundo vive. Então, fica aí essa expectativa para a conferência do clima em Belém (COP 30, em 2025), aqui no Brasil, na Amazônia brasileira. Daqui até lá nós temos uma longa tarefa a fazer para organizar não só a participação, mas uma incidência mais forte mesmo nas tomadas de decisões. Claro que após as tomadas de decisões, ainda vem o desafio da implementação dessas decisões. Realmente é uma emergência muito grande que nós estamos e passos muito lentos para que a gente possa, de fato, fazer o enfrentamento necessário a essa crise climática que não só o Brasil vive, mas já o mundo inteiro.
POVOS INDÍGENAS NA COP 30 – Agora mesmo, na COP, a gente se reuniu com o governador (do Pará) Helder Barbalho para pensar essa estrutura própria para receber os povos indígenas. Nós temos que ter ali um lugar de referência para os indígenas acolherem as outras pessoas que vêm de todas as partes do mundo. Nós estamos pensando em ter um ambiente fora da COP, mais aberto, que possa ter uma participação de todas as pessoas que queiram ir. Mas também estamos discutindo um espaço mais amplo dentro da COP, o pavilhão indígena que já existe na estrutura. A gente quer agora melhorar esse pavilhão e aumentar as credenciais dos povos indígenas para ter uma maior presença também ali dentro da COP. Em Dubai, nós chamamos uma reunião com todas as instâncias que já existem de representações indígenas para que a gente faça agora a criação de uma comissão internacional para fazer esse planejamento e preparar esse caminho até a COP 30. Nesse caminho, nós queremos fazer uma formação de jovens indígenas, de lideranças indígenas, numa articulação com o Itamaraty, para que esses indígenas cheguem na COP 30 como nossos diplomatas. E que vão fazer ali também o acompanhamento de todos os temas debatidos globalmente.