Problema recorrente na segurança em Roraima, a superlotação das unidades prisionais tem caído nos últimos anos, mas ainda está em um patamar alto. Atualmente, o Estado tem 41% de superlotação.
De acordo com dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), compreendidos no período de janeiro a junho deste ano, Roraima tem 3.094 presos, sendo 1.511 que cumprem pena em regime fechado, 897 no regime semiaberto e 611 em prisão provisória.
Isto é, aqueles presos que ainda aguardam julgamento da Justiça. A capacidade de vagas ofertadas no sistema prisional do Estado é de 2.202 vagas. Os presos provisórios são 20% da população privada de liberdade.
Ainda de acordo com os dados analisados, o déficit de vagas vem caindo nos últimos anos. Em 2020, ano da pandemia de covid-19 e que registrou a maior diferença entre o número de vagas ofertadas no sistema prisional e o total de presos, havia um déficit de 2.681 vagas. Desde então, houve queda nos três anos seguintes: 1.025 vagas em 2021, 1662 vagas em 2022 e 892 vagas até junho deste ano, o menor déficit dos últimos sete anos analisados. A maior parte do déficit vagas se concentra em presos do regime fechado: 772 vagas.
“Um déficit alto de vagas no sistema prisional faz com que o Estado se torne incapaz de fazer cumprir a política criminal prevista nos regramentos jurídicos vigentes, em notória violação dos direitos humanos. São problemas acumulados ao longo dos anos e, muitas vezes, ignorados”, avalia o professor especialista em Segurança Pública da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e coordenador do Grupo de Pesquisa Ilhargas do Departamento de Ciências Sociais da Universidade, Fábio Magalhães Candotti.
Em 2016, o sistema prisional roraimense atingiu a marca de 2.549 detentos para 1.185 vagas, o que resultou em uma grande rebelião em 6 de janeiro de 2017, ocorrida na Penitenciária Agrícola de Monte Cristo (Pamc), a maior unidade prisional do Estado. O levante teve repercussão nacional e deixou pelo menos 31 presos mortos.
O cenário de caos fez com que o governo federal assumisse a gestão de todas as unidades prisionais do Estado no final de 2018. A Força-Tarefa de Intervenção Penitenciária (FTIP) foi enviada a Roraima pelo Ministério da Justiça. À época, a Pamc era a unidade prisional que apresentava situação mais crítica.
O local era dominado pelo Primeiro Comando da Capital (PCC) e foi classificado pela Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Roraima (OAB-RR) como uma “bomba relógio prestes a explodir”. No fim de fevereiro de 2019, o governo de Antonio Denarium (Progressistas) reassumiu a gestão das unidades prisionais, mas a FTIP seguiu em Monte Cristo até o fim de 2021.
“Houve uma melhora significativa na gestão das unidades prisionais em Roraima, principalmente da Pamc, mas o desafio é tentar manter os ânimos calmos dentro do presídio, principalmente com a consolidação do PCC [Primeiro Comando da Capital] no Estado e em toda a região Norte e o crescimento de número de integrantes da facção”, avalia o especialista.
Aprisionamento
Outro dado relevante apontado pelo Depen mostra que a taxa de aprisionamento no Estado também tem reduzido nos últimos anos. A taxa considera o número de presos dentro do sistema prisional e o de habitantes. Conforme o dado, a taxa em 2023 chegou a 489,55 presos por 100 mil habitantes, abaixo do registrado há dois anos atrás, onde a estimativa foi de 674,88 presos por 100 mil habitantes. Apesar disso, o número está acima da média nacional, de 322 pessoas presas para cada 100 mil habitantes.
“Não vamos deixar de cumprir a lei e realizar as prisões que forem necessárias. O cenário na Pamc e em outras unidades prisionais melhoraram bastante em relação a 2016 e 2017, principalmente em relação aos casos de tuberculose e outras doenças, que diminuíram muito durante e após a intervenção penitenciária do governo federal.
Mas obviamente, há um cenário de preocupação principalmente com a saúde dos presos”, avalia o juiz da Vara de Execuções Penais do Tribunal de Justiça de Roraima (TJRR), Daniel Damasceno Amorim.
O magistrado ainda sugere ações para amenizar o problema. “A migração venezuelana aumentou muito a população carcerária em Roraima. É preciso que haja ações de cidadania e inclusão para os imigrantes, mas também avalio que o Estado precisa construir mais unidades prisionais”, acrescenta Amorim.
Gestão
A administração central do sistema prisional roraimense cabe ao Departamento do Sistema Penitenciário (Desipe), ligado à Secretaria de Estado da Justiça e Cidadania (Sejuc). O Desipe administra sete unidades prisionais no Estado: Penitenciária Agrícola de Monte Cristo (Pamc); Casa do Albergado Drª. Araceli Maria Caldeira Souto Maior; Cadeia Pública Masculina; Cadeia Pública Feminina e Centro de Progressão Penitenciária, todos em Boa Vista, além da Cadeia Pública de São Luiz do Anauá, no município de mesmo nome, e do presídio de Rorainópolis, o mais recente da lista.
Em março do ano passado, o presídio de Rorainópolis, que fica na região Sul de Roraima, foi inaugurado após 15 anos de obras. Dividida em seis blocos, a unidade tem capacidade para 178 presos e é considerada de segurança máxima pelo governo. Apesar disso, apenas 39 presos cumprem pena na unidade prisional, conforme dados da Secretaria de Justiça e Cidadania (Sejuc).
Outra obra que poderia ajudar a reduzir o déficit no sistema prisional do Estado é a construção de um presídio de segurança máxima que ficaria localizado na área externa da Penitenciária Agrícola do Monte Cristo (Pamc), com previsão de 286 novas vagas. A ordem de serviço para a construção foi assinada em junho de 2018, cinco anos atrás, mas está paralisada desde então. A previsão era de que ela fosse entregue em junho de 2022. Segundo o Governo do Estado, a construção da penitenciária está orçada em R$ 20 milhões.
Conforme o secretário de Justiça e Cidadania, André Fernandes, o contrato com a empresa que estava responsável pelo serviço foi rescindido de forma unilateral pela administração pública. Isso porque a contratada não estava cumprindo com as cláusulas vigentes. Por isso, a obra está paralisada.
“Estamos na fase de conclusão dos estudos para quantificar o que resta da obra. Em seguida, iremos publicar uma nova licitação para contratação de outra empresa que vai finalizar o serviço”, explicou o secretário.
Em abril de 2022, o Tribunal de Justiça de Roraima (TJRR) concedeu a antecipação do benefício de prisão domiciliar de detentos sob justificativa de superlotação em presídio do estado. A juíza Joana Sarmento assinou a decisão. À época, o pedido do Governo à Justiça tinha o objetivo de reduzir a diferença entre o número de presos e a capacidade de vagas das unidades prisionais.
Irregularidades
A superlotação tem provocado consequências no sistema prisional do Estado. Em agosto deste ano, o Ministério Público do Estado de Roraima (MPRR) e o Ministério Público do Trabalho (MPT) realizaram uma diligência na Cadeia Pública Feminina para verificar a denúncia de que detentas estariam realizando trabalhos e atividades no presídio em condições análogas ao trabalho escravo. De acordo com a equipe, não houve a constatação da prática de trabalho escravo no presídio. Contudo, a equipe encontrou outras irregularidades.
“Foi possível apurar irregularidades quanto à remuneração, equipamentos de proteção individual, jornada de trabalho e o efetivo registro. A pretensão é manter a atuação conjunta do MPT e MPRR, a fim de estabelecer diálogo com a Sejuc. E então buscar uma solução extrajudicial, por meio de reuniões e, oportunamente, expedição de recomendação ou pactuação de termo de ajuste de conduta”, afirmou o procurador do Ministério Público de Roraima, Pedro Faccioli.
Ações
Contudo, Fernandes ressaltou que a Sejuc tem realizado diversas ações para reduzir o déficit de vagas no sistema prisional. “Roraima foi o estado brasileiro que ficou em primeiro lugar na criação de mais vagas no sistema prisional, de acordo com o próprio Depen. Isso mostra que o trabalho está sendo bem feito, está sendo planejado e com muita responsabilidade de forma constante, possibilitando que Roraima caminhe para acabar com o déficit prisional”, esclareceu o secretário.
Conforme dados da Sejuc, foram realizadas também melhorias na estrutura física das unidades incluindo a reforma e entrega do Bloco B da Penitenciária Agrícola de Monte Cristo, com 154 celas, reforma da Cadeia Pública Masculina de Boa Vista que passou por reforma e ganhou 480 novas vagas, e com isso a capacidade de atendimento subiu de 120 para 600 vagas. A Cadeia Feminina também passou por reestruturação com capacidade para 260 reeducandas.
A antiga Casa do Albergado passa por uma reestruturação para instalação do CPP (Centro de Progressão Penitenciária). Além disso, o Governo executou a obra de reforma e ampliação do Centro de Progressão Penitenciária para Implantação de uma prisão Especial para policiais e autoridades.