Comunidades indígenas sofreram com o aumento da violência- Foto: Daniel Beltra/Greenpeace

A violência e desmatamento emperram o progresso social na Amazônia e deixam os mais jovens vulneráveis ao recrutamento pelo crime organizado, por falta de oportunidade de emprego e melhoria de vida. Um estudo do Instituto Imazon, com base no Índice de Progresso Social (IPS) dos 772 municípios da região, mostra que os que mais desmataram nos últimos três anos têm as piores notas. Em 2023, a nota média da Amazônia foi de 54,32, bem abaixo da média do país, de 67,94. Nos 20 municípios que destruíram as maiores áreas de floresta, a nota foi ainda menor, de 52,30.

— Na última década a Amazônia acentuou uma tempestade de problemas. A região tem se caracterizado pela ocupação baseada na ilegalidade e na economia informal, que criam um ambiente de negócios difícil. É o chamado “custo Amazônia”, que afasta os investidores. Eles temem a concorrência com os ilegais e ter a imagem associada ao desmatamento — afirma Beto Veríssimo, pesquisador sênior e cofundador do Imazon.

Veríssimo afirma que alguns indicadores pioraram muito nos últimos 10 anos, compensados por melhorias em quesitos como saúde, moradia, nutrição e educação.

Além da piora do desmatamento e queimadas, a violência avançou, associada aos crimes ambientais e tráfico de drogas.

Segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a Amazônia Legal tem hoje tem uma taxa de homicídios 50,8% maior na comparação com os demais estados do país. A taxa média de mortes violentas nos municípios da região é de 33,8 mortes por 100 mil habitantes, 57% a mais em relação às demais cidades do país (23,4 por 100 mil).

A falta de saneamento básico é outro indicador ruim, assim como a falta de acesso ao ensino superior. Segundo o pesquisador, a Amazônia não consegue reter e atrair mão de obra qualificada.

Outro ponto destacado pelo pesquisador chama atenção: a má qualidade de acesso banda larga à internet, muito aquém do resto do país. Na avaliação dele, melhorar a infraestrutura de internet é essencial para levar educação e serviços de saúde à distância, por exemplo, às áreas mais remotas.

— Levar internet é uma das abordagens para o desenvolvimento da Amazônia. É mais barato do que fazer estradas e não resulta em desmatamento. Parte da África fez isso e digitalizou a economia, com melhora nos indicadores — diz ele.

Bônus demográfico vira ônus

Veríssimo diz que a perspectiva de redução do desmatamento é positiva, mas é preciso pensar em programas específicos para a Amazônia, que vão além de transferência de renda. Segundo ele, a enquanto o bônus demográfico do Brasil chega ao fim, na região amazônica o auge ocorrerá em 2030 — “bônus” é o impulso econômico que ocorre quando a população adulta, que forma a mão de obra, é maior e cresce mais do que o contingente de idosos e crianças.

— O bônus que poderia mover a economia da Amazônia está se transformando em ônus. Temos muitos jovens sem oportunidade no mercado de trabalho. Eles nem estudam, nem trabalham, um caldeirão propício para recrutamento pelo crime organizado. É sabido que todo lugar onde os jovens não têm oportunidade sobe a taxa de violência — afirma o pesquisador.

O saldo geral da economia é hoje negativo. Em 2020, a Amazônia foi responsável por cerca de 52% das emissões de gases de efeito estufa do Brasil, apesar de contribuir com apenas 9% do Produto Interno Bruto (PIB).

Veríssimo explica que 80% das áreas desmatadas são usadas para pecuária — e onde ela predomina o índice de progresso social é mais baixo. A atividade é também acompanhada pela extração ilegal de madeira. Os outros 20% do desmatamento são decorrentes de mineração industrial legalizada, crescimento das cidades, abertura de estradas e plantio de soja.

O IPS vai de zero a 100 — quando mais alta a nota, melhor o desempenho do município, estado ou região. O índice reúne 47 indicadores de qualidade de vida, como segurança, educação e saneamento básico, divididos em três grupos: necessidades humanas básicas, fundamentos para o bem-estar e oportunidades, como acesso ao Ensino Superior.

IPS mostra estagnação nos últimos 10 anos

 

Elaborado pelo Imazon pela primeira vez em 2014, o IPS revela uma Amazônia estagnada. Nas quatro versões do estudo, a nota ficou na casa de 54 (54,94 em 2021, 54,03 em 2018 e 54,35 em 2014). Nenhum dos nove estados que compõem a Amazônia Legal se igualou ou superou a média nacional. Nem mesmo o Mato Grosso, que teve o melhor desempenho e costuma ser aplaudido pela exportação de grãos: sua nota, 57,38, é 18% abaixo em relação ao país.

O estudo mostra que, na comparação mundial, se fosse um país, o desenvolvimento social amazônico equivaleria ao de Malawi, na África, que ocupa a 125ª entre 169 países avaliados no último IPS Global, de 2022. Ou seja: seria o 44º pior país em qualidade de vida.

— Isso é inconcebível, inaceitável. O desmatamento é o responsável pelas emissões, atrasa o desenvolvimento econômico e retarda o progresso social — ressalta o pesquisador.

Maior desmatamento, pior desempenho

O estudo separou os municípios amazônicos em cinco grupos. Os 29 que apresentaram as melhores notas, acima de 61,80, apresentaram desmatamento médio de 20 km² entre 2020 e 2022, segundo dados do Prodes, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. Os 89 com pior desempenho — nota inferior a 50,12 — eliminaram, em média, 86 km² de floresta no período — mais que quatro vezes mais.

Os 20 municípios que mais desmataram nos últimos três anos também tiveram nota inferior à média da Amazônia. Deste total, nove são do Pará, escolhido pela Organização das Nações Unidas (ONU) para sediar a 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP-30) em 2025.

Altamira, por exemplo, desmatou 2,1 mil km² entre 2020 e 2022 e a nota do município foi de 51,28. Em São Félix do Xingu foram derrubados 1,7 mil km² no período e o IPS foi de 52,56. O Pará também abriga os três municípios com pior desempenho no IPS: Jacareacanga (42,43), Bannach (42,82) e Portel (44,01).

Outro destaque é Lábrea, que ardeu em chamas nos últimos três anos, abrindo o desmatamento no Sul do estado do Amazonas, até então uma área de floresta preservada. Foram destruídos 1,6 mil km² de florestas e sua nota foi de 52,97.

Porto Velho (RO) é a única capital na lista dos 20 campeões de desmatamento, com nota de 61,31.

Veja o IPS por estado da Amazônia Legal

Mato Grosso 57,38

Rondônia 56,71

Amapá 55,58

Amazonas 55,06

Tocantins 53,34

Maranhão 53,21

Roraima 53,19

Acre 52,99

Pará 52,68

Brasil 67,94

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