A operação de saúde na Terra Indígena Yanomami, que completa seis meses, começa a fazer a transição da etapa emergencial para a próxima, estrutural, na qual o objetivo é reconstruir e ampliar a assistência aos povos da região.
É o que afirma o secretário de Saúde Indígena do governo Lula (PT), Weibe Tapeba. Segundo ele, a Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena) prepara nos próximos dias a reabertura formal do sétimo polo de saúde indígena dentro do território, em Roraima.
A medida, no entanto, ainda não significa que o atendimento à população indígena esteja funcionando plenamente. “Temos um cenário melhor do começo do ano para agora, uma diminuição [da malária e da desnutrição], mas é algo gradual e infelizmente ainda não conseguimos contornar a situação, vamos precisar de mais alguns meses”, diz à Folha.
Segundo o Ministério da Saúde, quase 30 mil atendimentos a indígenas foram realizados desde o início do ano, uma média de mais de 160 por dia.
“Desde a decretação da Emergência de Saúde Pública de Importância Nacional (Espin), em janeiro, [o ministério] investiu, até maio, R$ 19,1 milhões no socorro aos povos indígenas daquela região”, disse a pasta, em nota.
A emergência sanitária foi decretada em 20 de janeiro. No dia seguinte, Lula e ministros foram a Roraima para anunciar medidas para a região.
A situação da saúde yanomami era grave no início do ano, com alta incidência de malária, outras doenças e desnutrição, resultado da atuação ilegal do garimpo dentro do território.
Relatórios revelados pela Folha mostram que a estrutura de assistência à população foi precarizada durante o governo de Jair Bolsonaro (PL).
Nas vistorias realizadas nos polos de saúde do território entre os dias 15 e 25 de janeiro, a equipe da Sesai encontrou remédios vencidos, seringas orais reutilizadas indevidamente e fezes espalhadas em unidades de atendimento, além de desvio de comida e de medicamentos para tratamento de malária.
O relatório ainda mostra a explosão dos casos de malária durante o governo Bolsonaro: foram registrados 9.928 casos da doença na região da terra yanomami em 2018, número que passou para 20.393 em 2021.
O documento ainda aponta que quase um terço dos casos ocorreu na faixa etária de 0 a 9 anos (30%) e que o local de provável infecção que mais cresceu no período foi justamente em áreas de garimpo.
Durante a visita da equipe de saúde ao polo de Surucucu, no início do ano, foram registrados relatos de alimentos roubados. No local, faltavam frutas e verduras desde julho de 2022, sem reabastecimento e foi identificada escassez de panelas, copos, pratos e a ausência de botijão de gás.
O relatório também cita falta de medicamentos e relatos de extravio de remédios de malária.
Quando o grupo visitou a Casai (Casa de Saúde Indígena) de Boa Vista, o banheiro estava com as portas quebradas e as malocas estavam sujas e com fezes. Esgoto a céu aberto, falta de alimentos e e um extintor de incêndio vencido desde 2014 foram outros problemas observados.
Em razão da insegurança trazida pelo garimpo ilegal, que atua fortemente armado e ligado ao crime organizado, sete unidades de saúde dentro do território indígena acabaram fechadas durante o governo Bolsonaro.
Agora, o Ministério da Saúde diz que já conseguiu reativar seis —Hakoma, Homoxi, Haxiú, Kataroa, Lahaka e Ajarani— e que a última delas, Parafuri, deve voltar a funcionar “nos próximos dias”, segundo nota da pasta.
Após a reabertura, diz Tapeba, o desafio será fazer com que os polos voltem a funcionar plenamente, o que demandará um esforço de infraestrutura e de pessoal.
“As ações que nós realizamos até aqui foram emergenciais, sanitárias e humanitárias, para salvar vidas. Agora entraremos nas ações estruturantes”, afirma.
As unidades de saúde dentro do território indígena são feitas de madeira, em razão da dificuldade logística de se levar materiais de construção para dentro da área —já que o transporte precisa ser feito pela via aérea.
O secretário diz ainda que há conversas com outros ministérios para instalar painéis de energia solar e pontos de internet e telefonia via satélite, uma vez que atualmente a maior parte da região tem como único meio de comunicação o rádio, o que dificulta a realização da assistência.
Além disso, continua Tapeba, será feito um esforço para reverter o índice de evasão dos profissionais de saúde que atuam no território, que nos últimos anos vinham deixando seus postos em razão da precariedade das estruturas e da insegurança trazida pelo garimpo.
“Avaliamos que a grande maioria dessas unidades precisam de uma ação mais estruturante —de reforma, ampliação ou reconstrução— para que os médicos tenham condições de ficar no território. Muitas unidades infelizmente não proporcionam isso, nós reconhecemos”, diz.
Em julho deste ano, a Sesai decidiu trocar o coordenador do Distrito de Saúde Indígena (Dsei) Yanomami, segundo ele, porque as coisas “não estavam caminhando na velocidade que precisavam”.
A secretaria também pretende ampliar a atuação de indígenas dentro do distrito, para realizar um diagnóstico mais preciso da situação sanitária na região.
Os principais problemas, afirma Tapeba, seguem sendo a malária —contra a qual “todo o esforço feito ainda é insuficiente”— e a desnutrição.
Para reverter a situação da primeira, ele diz que será realizado um novo plano de combate à doença.
Sobre o segundo problema, o secretário relata relata que a permanência de garimpos por anos dentro do território causou não só a cooptação de indígenas para a atividade ilegal, mas também fez com que aldeias perdessem a tradição de construir roças, por exemplo.
Ao mesmo tempo, a exploração dos recursos naturais espanta animais de caça e contamina os rios e peixes, que servem de alimento para as comunidades da região.
Assim, diz, apesar do efeito positivo das cestas básicas no combate à fome, a insegurança alimentar ainda preocupa.
O principal polo de assistência indígena da TI Yanomami, o de Surucucu, foi transformado em um centro de referência para atendimento a indígenas, e foi feita uma parceria com a Cufa (Central Única das Favelas) para reformar e ampliar o local.
A Saúde ainda pretende construir um hospital indígena em Boa Vista, que, segundo Tapeba seria o primeiro do país a ficar em uma capital.
O objetivo, diz, é desafogar não só a Casai (estrutura cujo objetivo é realizar acompanhamento da saúde indígena, mas não funciona como hospital), mas também o sistema de Roraima como um todo, que também é pressionado pela crise migratória vinda dos países vizinhos.
“Nos próximos meses, vamos implantar um plano de combate à malaria, um programa de estruturação das unidades de Saúde e alocar investimento para saneamento”, completa o secretário.