O Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) negou, por unanimidade, no dia 30 de junho, um recurso da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e da União para reiterar a obrigação do órgão em executar o plano de ação para atendimento a indígenas venezuelanos Warao e E’ñepá refugiados no estado de Roraima. A decisão foi divulgada pelo Ministério Público Federal (MPF), na terça-feira, 11.
De acordo com o MPF, a Funai elaborou um plano de ações em 2018, após receber recomendações judiciais, com o intuito de cuidar dos indígenas que saíram da Venezuela e permanecem em Roraima. No entanto, até o momento, a Funai não realizou nenhum atendimento e alega “falta de recursos orçamentários” como justificativa para o atraso.
Portanto, perante a situação, o Ministério Público Federal optou por tomar medidas legais com o propósito de preservar a saúde e as tradições dos povos indígenas, que enfrentam uma condição de extrema vulnerabilidade e precariedade desde 2015.
A Justiça Federal emitiu uma sentença procedente em uma ação relacionada à situação dos indígenas venezuelanos em Roraima, em 2021. O julgamento determinou que a União fornecesse os recursos financeiros e técnicos necessários, enquanto a Funai deveria obrigatoriamente comprovar a implementação de ações concretas para enfrentar o cenário causado pela migração.
A decisão destacou a “necessidade urgente” de políticas públicas efetivas para abordar essas questões e melhorar as condições de vida das comunidades indígenas. No acórdão, o TRF1 aponta a falta de supervisão qualificada indigenista por parte da Funai na gestão dos abrigos e as dificuldades enfrentadas pelas instituições para fornecer suporte aos Warao e E’ñepá.
Além disso, foi ressaltada a ausência de projetos educacionais adequados às suas peculiaridades culturais, especialmente para crianças e adolescentes, além da resistência reportada por grupos étnicos brasileiros em relação ao acolhimento de indígenas estrangeiros.
Com efeito, os relatos de alcoolismo, consumo de droga por menores, cooptação de indígenas para prática de condutas ilícitas como tráfico de entorpecentes, indígenas com dificuldade de acesso a serviços de saúde, bem como a superlotação dos abrigos e indígenas em situação de rua, são mazelas que indicam a negligência do Poder Público em promover o mínimo necessário para lhes garantir uma vida digna, completa o acórdão.
Embasamento
Para o TRF1, a decisão foi embasada na urgência e na seriedade da situação e “evidente omissão da Funai no que se refere à acolhida, à assistência e à preservação dos povos indígenas venezuelanos que se encontram em fluxo migratório para o Brasil”. Sendo respaldada pelos direitos fundamentais consagrados na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em particular o artigo 5º.
“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.
Além disso, a decisão cita como fundamento o art. 3º da Lei de Migração, que prevê que a política migratória brasileira se rege por por princípios e diretrizes, sendo:
- Universalidade, indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos (inciso I);
- acolhida humanitária (inciso VI);
- igualdade de tratamento e de oportunidade ao migrante e a seus familiares (inciso IX);
- inclusão social, laboral e produtiva do migrante por meio de políticas públicas (inciso X);
“ressalto, o acesso igualitário e livre do migrante a serviços, programas e benefícios sociais, bens públicos, educação, assistência jurídica integral pública, trabalho, moradia, serviço bancário e seguridade social”, completa a sequência.
Relatório
O desembargador federal Antônio Souza Prudente, durante votação, ressaltou que a falta de ações concretas compromete a responsabilidade do Poder Público, além de dificultar a ação em prol da luta indigenista no Brasil.
“Nesse sentido, a inércia das promovidas em promover medidas práticas para a proteção desses povos indígenas compromete os direitos sociais dos povos indígenas, bem como a política indigenista como um todo, a caracterizar conduta omissiva do Poder Público, não havendo que se falar em afronta à violação da separação dos poderes”, descreve Prudente.
No relatório anexado à apelação cível ((198) 1000145-20.2019.4.01.4200), Souza Prudente destaca a crise política e econômica na Venezuela, que tem resultado em um grande êxodo de cidadãos. Segundo o relatório, mais de 3 milhões de venezuelanos deixaram o país, e desses, 85 mil buscaram refúgio principalmente no país.
O desembargador afirma que a maior gravidade da situação se encontra em Roraima, estado brasileiro que faz fronteira com a Venezuela. “Roraima tem sido o Estado mais afetado, justamente por ser a unidade da Federação que compartilha maior fronteira e o único acesso terrestre com o país vizinho. O fluxo de venezuelanos se intensificou a partir do ano de 2015, estimando-se que mais de 30 mil residam atualmente em Roraima – a maior parte concentrados em Boa Vista e em Pacaraima.” relata em ação.
Cumprimento provisório da sentença
O MPF apresentou um pedido de cumprimento provisório da sentença, em março de 2022, justificando que a espera pelo fim do julgamento atrasaria a implementação do plano de ação. O procurador da República, Alisson Marugal, solicitou a intimação da Funai e da União para comprovar o cumprimento da sentença dentro de um prazo de dez dias, sob pena de multa.
Segundo o procurador Alisson, as políticas públicas efetivadas anteriormente estavam sendo limitadas ou descontinuadas por conta de cortes orçamentários da União e que a atuação da Funai continua insuficiente. “Se o plano estivesse sendo cumprido, certamente a Funai estaria exercendo função de protagonismo nas mencionadas tratativas, contribuindo para a efetivação de um diálogo permanente e eficaz entre os indígenas venezuelanos e as autoridades brasileiras”, explica Marugal.