Foto: Shutterstock - imagens públicas.

Um dos símbolos da região e uma importante fonte de alimento dos povos indígenas da Amazônia, o pirarucu, um peixe gigantesco de carne saborosa, é o alvo preferido dos caçadores ilegais na tríplice fronteira entre Brasil, Peru e Colômbia, terra de pioneiros e de todo tipo de tráfico.

Mas o pirarucu também é o objeto de um projeto piscícola local que visa a proteger esse recurso valioso, ao mesmo tempo em que previne invasões de pescadores ilegais no território indígena do Vale do Javari.

Para os kanamari, um dos sete grupos étnicos registrados neste vale fluvial, a história mítica do pirarucu é contada assim: “uma folha de árvore que caiu na água e se transformou em um peixe gigante”, relata o cacique Mauro da Silva Kanamari à AFP.

Por muito tempo, o alimento anônimo dos indígenas que vivem nas áreas remotas da imensa floresta amazônica, o pirarucu agora é uma das estrelas dos cardápios de restaurantes gastronômicos e da “cozinha de fusão” do Rio de Janeiro, de Bogotá, ou de Lima.

Um sucesso que é também sua desgraça: seu preço de compra bate recordes nos mercados ilegais e câmaras frigoríficas clandestinas de Atalaia do Norte, Benjamin Constant, Tabatinga, no Amazonas, e sua cidade vizinha Letícia, na Colômbia, principais localidades do triângulo da tríplice fronteira.

Resistente às piranhas

O “Arapaima gigas”, nome científico do pirarucu, está entre os maiores peixes de água doce do planeta: onívoro, pode atingir facilmente até 3 metros de comprimento e pesar mais de 200 kg.

Sua nadadeira dorsal vermelha e esguia em direção à cauda, bem como sua cabeça achatada e seus olhos globulares, dão a ele uma aparência de fóssil pré-histórico.

Tudo no pirarucu é aproveitado, desde a carne e os filés, suculentos, quase sem espinhas e sem o gosto usual de lama dos peixes de água doce, mas também as tripas, a pele e as escamas (resistentes aos ataques das piranhas!), que são vendidas como chaveiros para turistas.

Sua pesca é feita com redes e arpões, uma vez que o peixe vem à superfície para respirar pelo menos a cada 20 minutos. O pirarucu se reproduz no início do ano, quando as águas estão mais altas, nos lagos e lagoas das curvas do Amazonas e de seus afluentes.

Vítima da sobrepesca em toda a Amazônia brasileira, o pirarucu quase desapareceu nos anos 1990, até que uma regulamentação rigorosa foi implementada em 2004 pelo Ibama.

No Amazonas, sua pesca é estritamente regulamentada. Ela é proibida na reserva do Javari, exceto para o consumo próprio dos indígenas.

“Bonito e bom”

Apoiado pela ONG brasileira CTI e gerido diretamente pelos indígenas kanamari, um projeto de piscicultura natural está atualmente em experimentação no rio Médio Javari, que se baseia em uma gestão sustentável implementada com sucesso em outras partes do país.

“A ideia é que os indígenas se alimentem, atendam às suas necessidades, ao mesmo tempo em que protegem seu território”, explica Thiago Arruda, responsável local do CTI, à AFP.

Desde 2017, os kanamari têm limitado as capturas ao mínimo em sete dos seus 35 lagos.

A tarefa é árdua e perigosa, diante dos pescadores ilegais. “São eles que nos roubam!”, denuncia João Filho Kanamari, um dos coordenadores do projeto.

Organizados em grupos de vigilância, os kanamari apostam na conscientização e no diálogo, diante de pescadores frequentemente agressivos e possivelmente violentos.

Esse projeto de manejo “é muito importante para nós”, destaca Bushe Matis, coordenador geral da Univaja, a União dos Povos Indígenas do Vale do Javari.

“Antes as pessoas pescavam de qualquer maneira. Agora, vamos cuidar dos lagos e áreas de pesca, para ter peixes sempre no futuro, contribuindo também para a luta contra as invasões”, acredita ele.

Após cinco anos de gestação, o projeto está chegando ao fim neste verão de 2023, com uma contagem final dos pirarucus e as primeiras capturas. O Ibama já deu sua aprovação e autorizou a comercialização das futuras capturas.

Mas há muitos obstáculos. Logísticos, por exemplo, com a organização, pelos rústicos kanamari, de uma cadeia de refrigeração desde as profundezas da floresta. Ou ainda a delicada questão da divisão dos benefícios dentro da comunidade.

Esse manejo também tem despertado o crescente interesse de atores políticos e econômicos locais “nem sempre bem-intencionados e provavelmente envolvidos em redes de pesca ilegal”, alerta um promotor do projeto.

Enquanto isso, os kanamari louvam em canção esse projeto “bonito e bom”. “O manejo é o futuro de nossos filhos!”, sorri o cacique Mauro.

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