Comissão é formada por 8 senadores, sendo os 3 de Roraima. Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado

A comissão externa do Senado para acompanhar a situação do povo indígena Yanomami, que vive uma crise humanitária causada pela invasão do garimpo ilegal, aprovou seu plano de trabalho na quarta-feira (8), um mês depois de sua criação, em fevereiro.

Criada pelo plenário da Casa para monitorar por 120 dias a repercussão da crise e a saída dos garimpeiros do território em Roraima, a comissão tem recebido críticas de movimentos indígenas e organizações da sociedade civil, que pedem sua reformulação.

Entenda o que é a comissão, quais senadores fazem parte dela e quais são os planos aprovados na quarta (8) para acompanhar a crise Yanomami. Mostra também quais são as críticas da sociedade civil ao colegiado e as disputas em torno de seus trabalhos.

O que é a comissão
O plenário do Senado aprovou a criação da comissão externa para acompanhar a crise Yanomami no dia 8 de fevereiro, poucas semanas depois de o governo federal ter declarado emergência sanitária na terra indígena por causa da alta incidência de malária e desnutrição nas comunidades, afetadas pelo contato com garimpeiros ilegais.

“É de extrema importância, com a participação efetiva do Senado, que consigamos identificar formas de transformar esse cenário desolador e assegurar que a população indígena tenha acesso à saúde, educação e a garantia da inviolabilidade de suas terras e das suas tradições” diz Rodrigo Pacheco senador do PSD-MG e presidente do Senado, em publicação nas redes sociais um dia antes da aprovação da comissão, no dia 7 de fevereiro

Comissões desse tipo são comuns. Chamadas de comissões externas temporárias — por tratarem de assuntos de fora do Senado e terem prazo para acabar —, elas servem para representar a Casa em congressos e atos públicos e podem ser criadas a pedido de qualquer senador.

A comissão para acompanhar a crise Yanomami foi proposta pela bancada de Roraima no Senado, composta pelos parlamentares Chico Rodrigues (PSB), Dr. Hiran (PP) e Mecias de Jesus (Republicanos). Além deles, o colegiado tem outros cinco membros: Eliziane Gama (PSB-MA), Humberto Costa (PT-PE), Marcos Pontes (PL-SP), Zenaide Maia (PSD-RN) e Leila Barros (PDT-DF).

Rodrigues, que foi eleito presidente da comissão, Dr. Hiran, eleito relator, e Mecias de Jesus foram a Roraima no dia seguinte à criação do colegiado para se reunir com autoridades do estado e monitorar as ações do governo federal na terra indígena.

A comissão iniciou oficialmente os trabalhos no dia 16 de fevereiro. Depois do feriado de Carnaval, no dia 1º de março, Dr. Hiran apresentou uma proposta de plano de trabalho do colegiado. Os senadores que participam da comissão aprovaram a proposta na quarta (8).

O que a comissão vai fazer
AUDIÊNCIAS PÚBLICAS

Segundo o plano aprovado, a comissão fará pelo menos três audiências públicas: a primeira com representantes dos Yanomami, da Procuradoria-Geral da República de Roraima e de organizações indigenistas; a segunda com representantes dos garimpeiros; e a terceira com representantes de ministérios, como Povos Indígenas, Meio Ambiente, Direitos Humanos, Saúde e Defesa.

VISITAS À TERRA YANOMAMI

O plano prevê duas viagens a Roraima para ouvir a população afetada pela crise e identificar os problemas sociais, de saúde e ambientais na região. Segundo o texto, haverá visitas ao Hospital de Campanha de Surucucu, uma das áreas mais afetadas da terra Yanomami, à Casa de Saúde Indígena e ao Hospital da Criança de Boa Vista.

CONSULTA DE INFORMAÇÕES

Outra tarefa da comissão, proposta pelo senador Mecias de Jesus, será pedir informações ao ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, sobre os recursos recebidos e gastos pelo Fundo Amazônia na terra Yanomami desde 2003.

Quais são as críticas à comissão
Organizações indígenas e da sociedade civil criticam a criação da comissão sobre os Yanomami por diferentes motivos, entre eles a presença de Rodrigues, Dr. Hiran e Mecias de Jesus. Segundo as entidades, os senadores têm posições a favor do garimpo, principal responsável pela crise em Roraima.

Segundo o CIR (Conselho Indígena de Roraima), que representa 261 comunidades indígenas no estado, Rodrigues esteve na terra Yanomami em 2022 em uma diligência do Senado e “negou que houvesse qualquer violação de direitos dos povos indígenas” na região, o que mais tarde se provou que não era verdade.

Além disso, a Hutukara Associação Yanomami disse que Rodrigues “era dono de avião que circulava no garimpo ilegal na terra indígena Yanomami”, e em 2020 foi flagrado pela Polícia Federal com R$ 33 mil na cueca. “Com ele foi apreendida uma pedra que se suspeitava ser uma pepita de ouro”, escreveu a entidade.

Já Mecias de Jesus, segundo a Hutukara, foi denunciado por uma empresa de táxi aéreo que presta serviços na terra Yanomami por “cobrança de propina, achaque e fraude em licitação”, além de ter sido o responsável pelas indicações dos gestores da Saúde Indígena no território no governo de Jair Bolsonaro. “A corrupção se instalou no distrito e a nossa saúde foi negligenciada”, disse.

Outra organização, a Urihi Associação Yanomami, se mostrou contra a presença de Dr. Hiran na comissão, dizendo que, quando era deputado federal, ele votou a favor de projetos de lei contrários aos interesses indígenas, como o projeto 490, que limita as demarcações, e o 191, que libera a mineração em terras indígenas — nenhum deles aprovado até hoje.

“É de se questionar até onde estão infiltrados na estrutura do Estado brasileiro os representantes dos crimes e interesse dos garimpeiros ilegais no estado de Roraima. Não aceitamos que grupos políticos usem o Senado para atender interesses escusos”

Conselho Indígena de Roraima

Organizações como a Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) e o Instituto Socioambiental também criticaram a composição da comissão. Para a Apib, a indicação de Rodrigues para a presidência do colegiado é “imoral, incoerente, absurda e tendenciosa”.

O senador nega irregularidades no caso dos R$ 30 mil na cueca de 2020 e diz que todos os seus bens são legais, em referência à pepita de ouro encontrada pela Polícia Federal. Mecias de Jesus diz que rechaça qualquer acusação de pedido de propina e que nunca interferiu nas decisões da Saúde Indígena na terra Yanomami.

A viagem à terra indígena
Outro motivo que rendeu críticas para a comissão foi uma viagem que Rodrigues fez à terra Yanomami no dia 20 de fevereiro. Levado por um avião militar, o senador foi à região de Surucucu “para acompanhar de perto a evolução da situação”, segundo ele disse nas redes sociais. Rodrigues esteve num pelotão do Exército e sobrevoou áreas com presença de garimpos.

O senador não se comunicou com os indígenas nem consultou a Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas), o Centro de Operação de Emergências montado após a crise na terra indígena Yanomami ou todos os colegas da comissão no Senado antes de fazer a viagem, o que gerou desconfiança.

A Urihi Associação Yanomami pediu depois ao Supremo Tribunal Federal que Rodrigues seja impedido de voltar a entrar sozinho na região. A Apib também ingressou com uma petição no Supremo, pedindo que o senador comprove que seguiu protocolos sanitários contra a covid-19 e outras doenças infecciosas antes de entrar na terra indígena.

Atendendo à Urihi, o ministro Edson Fachin determinou no dia 2 de março que Rodrigues preste informações ao Supremo sobre o fato de ter ido sozinho à terra indígena. O prazo para que o senador dê uma resposta ao tribunal é de 10 dias. O Ministério Público Federal também pediu explicações.

Soluções para garimpeiros
Reportagem da Agência Pública mostra ainda que Rodrigues, Mecias de Jesus e Dr. Hiran enviaram um ofício em fevereiro pedindo a diversas autoridades de Brasília que garimpeiros flagrados dentro da terra Yanomami não respondam a processo criminal, apesar dos relatos de violência contra os Yanomami e de a atividade ser ilegal em terra indígena.

Segundo o documento, que descreve uma reunião de 9 de fevereiro dos senadores com militares e ministros, os três pediram uma operação de emergência para “promover o resgate dos trabalhadores” na terra indígena, dizendo que os garimpeiros “foram enredados na atividade de mineração premidos para garantir o próprio sustento e o de suas famílias”.

Rodrigues, Mecias de Jesus e Dr. Hiran têm dito em reuniões da comissão que buscam uma solução em comum para indígenas e garimpeiros. “Nós não somos de maneira nenhuma a favor do garimpo como está acontecendo, mas os garimpeiros que trabalham lá são homens de bem que merecem todo o respeito”, disse Dr. Hiran no dia 9 fevereiro.

“Se formos traçar um paralelo hoje, os refugiados venezuelanos recebem os benefícios dos programas sociais do governo. Então, imaginem os garimpeiros, que são brasileiros? Precisam também, até para mitigar o sofrimento que vão ter naturalmente quando saírem daquelas áreas” diz Chico Rodrigues – senador pelo PSB-RR e presidente da comissão do Senado sobre os Yanomami, em declaração no dia 15 de fevereiro

Rodrigues tem prometido um trabalho isonômico da comissão com indígenas e garimpeiros e rejeitado a possibilidade de politização das decisões. “Unidade no essencial hoje é nós resolvermos essa questão do Poder Judiciário com a proteção a todos aqueles que são cidadãos brasileiros: os indígenas yanomami e aqueles garimpeiros que estão na área. Então, o Brasil é maior do que qualquer crise”, disse no dia 15 de fevereiro.

O ex-presidente da Funai no governo de Fernando Henrique Cardoso, Márcio Santilli, disse em artigo no site Congresso em Foco, que as posições pró-garimpo dos três principais senadores da comissão indicam que o colegiado pode encerrar os trabalhos sem pedir a responsabilização pelo que ele considera o genocídio dos Yanomami.

“É mais do que previsível um relatório [publicado pela comissão] cheio de benevolências para os garimpeiros”, escreveu no dia 1º de março. “Em vez de contribuir para estancar a crise, o Senado entrou pela contramão, como copromotor da situação.”

 

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