A Floresta Amazônica é reconhecida há muito tempo como um grande repositório de fauna, flora, conhecimento tradicional e cultura, não apenas para tribos e comunidades locais, mas para o mundo inteiro. Não há nada que se compare à maior e mais diversa floresta tropical do mundo em termos de tamanho e diversidade.
Embora a crise na Amazônia seja uma preocupação primordial para as comunidades dos países cujo território o bioma abrange – distribuído entre Peru, Bolívia, Colômbia, Equador, Venezuela e Brasil –, a preocupação com sua proteção, cuidado e bem-estar também são, ou deveriam ser, motivo de interesse global prioritário. Afinal, conservar a Amazônia é preservar uma parte crucial do apoio da natureza à vida no Planeta.
Talvez o papel secundário relegado à proteção da Amazônia nos discursos de candidatos que disputam cargos para as eleições que se avizinham no Brasil transpareça outra noção. Mas a realidade é que a luta contra o desmatamento, a degradação e a perda de biodiversidade, que podem ter efeitos irreversíveis, deveriam despertar profundo interesse nacional.
“A floresta e os rios da Amazônia abrigam uma extraordinária variedade de espécies — algumas endêmicas, outras ameaçadas e muitas ainda desconhecidas. Essa biodiversidade é importante globalmente. Cada espécie neste sistema incrivelmente biodiverso representa soluções para um conjunto de desafios biológicos, qualquer um dos quais tem potencial transformador e pode gerar benefícios humanos globais”, reflete André Guimarães, diretor executivo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM).
Conforme o especialista, é igualmente importante que a política nacional contribua para a promoção de uma economia baseada em conhecimento e serviços, em vez de expandir o modelo extrativista. Valorizar os serviços ecossistêmicos alinhados à inovação tecnológica e ao conhecimento tradicional deveriam ser grandes focos do Brasil, para que pudéssemos estabelecer novos negócios que promovam a sociobiodiversidade da Amazônia.
“A biodiversidade amazônica também desempenha um papel crítico como parte dos sistemas globais, influenciando o ciclo global do carbono e, portanto, as mudanças climáticas, bem como os sistemas hidrológicos hemisféricos, servindo como uma âncora importante para o clima e as chuvas da América do Sul. Se os governos valorizassem mais essa importância, saberiam que qualquer iniciativa dedicada à exploração agrícola, mineradora ou industrial deve ser monitorada para evitar novas iniciativas que não respeitem princípios ambientais ou de direitos humanos”, cobra ele.
Protagonista contra o aquecimento global
À medida que as florestas queimam e o aquecimento global piora, o impacto do desmatamento da Amazônia continua a desfazer gradualmente os frágeis processos ecológicos que foram refinados ao longo de milhões de anos. Ironicamente, à medida que a floresta tropical continua a ser devastada, com maior impacto nos últimos anos, o trabalho de cientistas ganha reforço, lançando luz sobre os laços críticos que ligam a proteção do bioma à preservação do restante do mundo.
Ricardo Galvão, professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IF-USP) e ex-diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), explica que as árvores têm atributos ocultos que desempenham um papel fundamental na redução dos níveis de poluentes: por exemplo, o dióxido de carbono (CO2), um gás emitido por fontes naturais e humanas. Ao longo dos últimos 150 anos, os humanos têm bombeado grandes quantidades de CO2 para o ar por meio da queima de combustíveis fósseis, carvão, petróleo e gás natural – este é um dos principais impulsionadores da crise climática global.
“Um país que pode ajudar a moldar decisivamente o futuro do clima global é o Brasil, que abriga mais de 40% das florestas tropicais do mundo e 20% de suas reservas de água doce. Já tivemos um papel promissor na conservação ambiental, mas mudamos drasticamente de direção nos últimos anos. Enquanto damos passos largos rumo ao atraso na política ambiental do país, nossas florestas estão queimando a taxas não vistas havia mais de uma década”, diz o pesquisador.
Rio Amazonas — Foto: Silvestre Garcia/Getty Images
Embora a Amazônia não seja o pulmão do mundo, como tanto se difunde – já que, na verdade, consome quase todo o oxigênio que produz –, sua importância para nossa qualidade de vida não pode ser subestimada. Em condições naturais, as plantas removem o CO2 da atmosfera e o absorvem para a fotossíntese, um processo de criação de energia que produz oxigênio, que é liberado de volta no ar, e carbono, que permite que a planta cresça.
O que as florestas tiram do ar também podem devolver. Quando árvores e vegetação queimam, o carbono das árvores é liberado na forma de CO2, que polui a atmosfera e que já existe em excesso. Assim, sem florestas tropicais, o efeito estufa provavelmente seria ainda mais pronunciado, e as mudanças climáticas podem piorar ainda mais no futuro. O avanço da destruição da floresta Amazônica é uma ameaça à biodiversidade do Planeta, agravando ainda mais o aquecimento global. Manter esse bioma afastado das políticas públicas é ignorar a necessidade, urgente, de mais ação para preservar a vida que pulsa na Amazônia.
Rumo ao desenvolvimento sustentável
Durante o Congresso Mundial de Conservação, promovido pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês), realizado em outubro de 2021 em Marselha, na França, os países participantes propuseram uma declaração de prioridade global para a conservação da Amazônia. No documento, explicam que, considerando que o bioma abriga 10% da biodiversidade mundial e armazena 86 bilhões de toneladas de carbono – que, se liberadas para a atmosfera, representariam 315 pentagramas (Pg) de CO2, ou equivalente a 10 anos de emissões globais atuais –, a Amazônia está severamente ameaçada.
A IUCN propôs uma declaração global atestando que a região precisa de atenção prioritária para conservação e prevenção de incêndios, devido aos benefícios globais e locais que proporciona no combate às mudanças climáticas, proteção da biodiversidade e garantia do desenvolvimento sustentável.
“Solicitamos que os países que compartilham a Bacia Amazônica tomem as medidas necessárias e criem políticas públicas compartilhadas para que as florestas e os ecossistemas aquáticos da Amazônia e os bens e serviços por eles fornecidos sejam resguardados além das fronteiras dos países abrangidos, incluindo políticas que incorporem ações específicas e urgentes para a prevenção de incêndios, bem como para a conservação efetiva e uso sustentável dos recursos de forma integral e com enfoque territorial, incluindo o conhecimento tradicional dos povos indígenas”, destacou o documento.
Para William Wills, pesquisador do Centro Clima, da Coppe/UFRJ, e diretor técnico no Centro Brasil no Clima (CBC), valorizar a floresta na política nacional passa por incluir o desenvolvimento sustentável como prioritário, para desenvolver e incentivar capacidade adaptativa às mudanças do clima, que se dão gradualmente, na medida em que o Planeta aquece.
“Desenvolver bioeconomias sustentáveis será parte da resposta. Se os agricultores virem fluxos de renda de atividades que protegem a floresta, imagino que isso terá uma boa resposta. Outro exemplo é a pesca e a aquicultura. Estes são muito importantes tanto na bioeconomia e para alimentar a crescente população mundial”, explica.
Povos indígenas e a Floresta Amazônica
Esse mosaico de paisagens ricas e diversificadas, afetado por um cenário desolador de descaso, também abriga mais de 30 milhões de pessoas, incluindo 2,7 milhões de indígenas representando aproximadamente 400 etnias indígenas diferentes, conforme o IPAM, com cerca de 60 grupos conhecidos vivendo em isolamento voluntário.
Indígena do povo Yawanawá na Aldeia Sagrada — Foto: Alexandre Noronha/Governo do Acre
Para André Guimarães, é essencial garantir e proteger os direitos fundamentais dos povos indígenas e comunidades tradicionais na Amazônia, bem como proteger as florestas e outros ecossistemas naturais, designando-os para conservação e uso sustentável.
“Os povos indígenas têm um papel muito importante a desempenhar. Eles têm um conhecimento extraordinário dos animais e plantas locais e têm sido notavelmente bem-sucedidos ao longo de milênios no desenvolvimento de diferentes formas de se beneficiar da floresta”, garante o especialista.
Também é fundamental fornecer meios e recursos para que as comunidades locais fortaleçam a capacidade de gestão de suas terras e do meio ambiente em geral, para garantir meios de subsistência dignos e sustentáveis e, ao mesmo tempo, promover sua participação no processo de tomada de decisões de estratégias e soluções para o desenvolvimento da Amazônia.
“A maioria dos povos indígenas tem um estilo de vida bastante sustentável. Eles são basicamente grandes protetores da floresta e atualmente cuidam de cerca de um quarto da Amazônia. Eles também têm culturas individuais fascinantes, que precisam ser resguardadas”, defende o professor Ricardo Galvão.
Ao ajudar a evitar o desmatamento, os povos indígenas desempenham um papel fundamental na proteção da biodiversidade e na luta global contra as mudanças climáticas. “Eles estão fazendo um grande favor ao resto da humanidade na forma como administram as florestas. Eles são grandes aliados na proteção da Amazônia e merecem muito respeito e gratidão dos países amazônicos e do restante do mundo por fazerem isso”, reflete Guimarães.