Após o presidente da Condisi (Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Ye’kuana), Junior Hekurari, fazer denúncias de violência contra o povo yanomami em Roraima, agora garimpeiros ameaçam entrar na Justiça e processá-lo por calúnia.
No final de abril, Hekurari, uma das principais lideranças indígenas da região, acusou garimpeiros de terem estuprado e matado uma jovem yanomami da aldeia de Aracaçá.
A Polícia Federal investiga o caso e, até agora, diz não ter encontrado evidências do crime.
Após as acusações, uma comitiva com representantes de entidades indígenas, PF, MPF (Ministério Público Federal), Funai (Fundação Nacional do Índio) e Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena) visitou o local e o encontrou vazio e parcialmente queimado.
Dias depois, Hekurari afirmou que yanomamis da Aracaçá foram cooptados pelos garimpeiros. Ele disse que lideranças viram os indígenas com integrantes do garimpo, e imagens publicadas nas redes sociais indicam a mesma coisa.
Agora, os garimpeiros, por meio do Movimento Garimpo É Legal, não só negam todas as acusações, mas também dizem que irão processá-lo tão logo a apuração na PF seja concluída.
“Nós defendemos pena de morte para quem estupra e mata crianças. Esse é nosso pensamento. E nós fomos ao Ministério Público e pedimos a apuração disso [as acusações feitas contra eles]. Estamos aguardando o fim das investigações para que a gente possa processá-lo”, disse à reportagem Jailson Mesquita, um dos coordenadores do grupo em Roraima.
“A terra Yanomami é demarcada. Esses garimpeiros ameaçam me processar? Quem deveria processar sou eu, porque eles colocam as vidas do meu povo em risco. As mesmas pessoas que querem me processar alimentam os grandes garimpos”, respondeu Hekurari à Folha.
O Movimento Garimpo É Legal é liderado por Rodrigo Martins de Mello, conhecido como Rodrigo Cataratas por ser dono da Cataratas Poços Artesianos. A empresa já foi alvo de uma ação da PF, em 2021, que apreendeu helicópteros que seriam usados na operação de garimpo ilegal na terra indígena Yanomami.
O movimento também organizou, na tarde da última quinta-feira (12), uma manifestação com um carro de som em frente à Assembleia Legislativa de Roraima, que então recebia a comitiva de parlamentares que viajou ao estado para investigar as acusações feitas pelos indígenas.
A comitiva, como mostrou a Folha, contou com a presença de senadores pró-garimpo que faltaram a diversos compromissos do grupo durante a viagem —Chico Rodrigues (União Brasil-RR), por exemplo, participou de um evento do governo do estado sobre a duplicação de uma rodovia local enquanto aconteciam algumas das reuniões.
Segundo o site Amazônia Real, durante o ato os garimpeiros gritavam palavras de ordem como “fora, PT” e “fora, ONGs” —em que pese o próprio Movimento Garimpo É Legal se declarar uma “organização sem fins lucrativos” em sua página no Facebook.
Cataratas é também pré-candidato a deputado federal pelo PL. Questionado, ele afirmou que não tem nenhuma relação com o garimpo em terras indígenas e que tem licenças para explorar o solo fora desses territórios, mas que luta pela regulamentação da extração também nestes locais, para que “o branco tenha direito de negociar com o índio”.
“Minha empresa está praticamente parada [após as ações da PF], conseguiram fulminar meu empreendimento. […] A verdade é que querem a todo custo me prejudicar, prejudicar minha família”, afirmou sobre as operações de que foi alvo.
Também é pretendente a uma vaga no Congresso Nacional pelo estado de Roraima outro integrante das manifestações da última quinta: Cacau Lima, pelo Podemos. Quem também esteve em cima do carro de som foi George Melo, deputado estadual no estado. Já João Batista, conhecido como “João dos Iphones” e também presente no ato, é presidente do PTB local.
A tensão entre os yanomami e o garimpo ilegal não é novidade em Roraima, mas cresceu sobretudo após as denúncias feitas por Junior Hekurari.
Segundo relatos ouvidos pela reportagem sob condição de anonimato, lideranças indígenas, servidores da Funai e integrantes de ONGs vêm sofrendo ameaças e estão com medo de que a violência escale ainda mais. Hekurari diz que já foi ameaçado diversas vezes.
Entidades que atuam no estado temem que a aldeia, que foi abandonada, desapareça, já que a região de Aracaçá é uma das com maior presença do garimpo ilegal na Amazônia. A atividade de mineração dentro de terras indígenas demarcadas é proibida.
Em 2021, a região de Palimiú (vizinha de Aracaçá) sofreu ataques de garimpeiros armados. Em 2020, uma decisão do Tribunal Regional Federal determinou que o governo federal retirasse o garimpo ilegal da terra Yanomami em Roraima, o que ainda não aconteceu.