O fim do gás na casa de Maria Alejandra Ramirez Diaz, de 15 anos, deixou a menina sem conexão à internet. Moradora de Cantá, a 32km de Boa Vista, Roraima, a família da jovem precisou usar o dinheiro que seria para pagar o provedor da web para comprar um botijão novo. A internet foi cortada e a adolescente, que cursa o nono ano do ensino fundamental, ficou fora do mundo digital, já que o colégio em que estuda é um dos mais de 93 mil no país que não garantem acesso aos estudantes.
“Se o professor deixa a tarefa para casa, temos que pesquisar na biblioteca. Mas também não tem livro para todo mundo. É um grande prejuízo para os alunos”, diz Alejandra.
Dados do Censo Escolar mostram que a pandemia e a necessidade do ensino remoto não garantiram de vez a digitalização das escolas públicas do país. Atualmente, um em cinco colégios públicos brasileiros não tem internet. Além disso, dos que têm conexão, nem metade utiliza para uso pedagógico. Em 2019, 38% utilizavam o recurso e, em 2021, já no segundo ano da pandemia, esse número cresceu apenas para 48%.
Também aumentaram, mas de forma muito tímida, as unidades municipais e estaduais com internet para alunos (de 25% para 32%), tablets (7% para 7,5%), computadores pessoais (de 21% para 26%) e redes sociais (33% para 42%).
“Não pode ser admissível, em 2022, esse nível de acesso. Só gera maior desigualdade. Acesso à internet é um direito que deveria ser considerado básico. Isso tudo num contexto de professores com mais vontade e preparados para usá-la e transformar a escola mais atraente. A gente não fez, na pandemia, o suficiente para reduzir o abismo digital”, analisa Cristieni Castilhos, gerente de conectividade da Fundação Lemann.
A Secretaria de Educação Básica (SEB) do Ministério da Educação não respondeu quanto destinou em 2020 e 2021 para a ampliação de conectividade das escolas. Considerando apenas o Programa de Inovação e Educação Conectada, foram cerca de R$ 60 milhões por ano, de acordo com levantamento do Todos Pela Educação no Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento, da União.
Enquanto isso, nove em cada dez professores de escolas públicas (87%) concordam que é imprescindível, nesse momento de volta às aulas, ter escolas conectadas à internet. Eles apontam que a internet é uma das prioridades para uma boa infraestrutura escolar (66%) e que a existência de conexão à internet torna a escola mais atraente para os estudantes (77%), de acordo com a pesquisa “Percepção dos Professores sobre Educação”, realizada pelo Datafolha a pedido da Fundação Lemann, que ouviu quase mil professores de escolas públicas do país.
“A pandemia mostrou aos professores o potencial da tecnologia como auxílio para a aprendizagem de seus estudantes”, afirma Castilhos.
Já há consolidada na literatura internacional a ideia de que a compra e o uso de equipamentos digitais não garantem necessariamente melhorias nos índices educacionais. No entanto, é consenso de que a escola não pode ignorar a cultura digital que, na definição de Lúcia Dellagnello, doutora em educação pela Universidade de Harvard e presidente do Centro de Inovação para Educação Brasileira (Cieb), é saber usar tecnologia para solução de problemas pessoais e coletivos.
“Na educação, a tecnologia tem papel duplo. É uma ferramenta de ensinar, mas também um conjunto de conhecimentos que todos os cidadãos precisam para viver de forma plena na sociedade e exercer sua cidadania, como participar de debates políticos de forma crítica e acessar informações importantes. O cidadão que não sabe usar a internet hoje está vivendo à margem do seu tempo”, avalia Dellagnello.
A Base Nacional Comum Curricular (BNCC), documento norteador do que toda criança e adolescente deve aprender na educação básica, determinou a cultura digital como uma das dez competências gerais prioritárias. De acordo com o texto da BNCC, é preciso “compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de informação e comunicação de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas sociais (incluindo as escolares) para se comunicar, acessar e disseminar informações, produzir conhecimentos, resolver problemas e exercer protagonismo e autoria na vida pessoal e coletiva”.
Na avaliação de Dellagnello, do Cieb, a educação digital nas escolas públicas tem horizontes mais promissores para os próximos anos, já que há previsão de R$ 6,6 bilhões em investimentos para a área.
Desses, R$ 3,5 bisão do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust), que serão repassados a estados e municípios para ações de conectividade com fins educacionais incluindo a compra de planos de internet móvel e de tablets para professores e alunos.
Além disso, já está garantido o investimento de R$ 3,1 bilhão na implantação de internet nas escolas públicas como uma das exigências previstas no edital do leilão do 5G. Essa obrigação caberá às empresas que compraram autorização para operar o serviço de telefonia móvel na faixa de frequência de 26 gigahertz (GHz).
“Muitas redes já começaram a compra de equipamentos, o que leva muito tempo, e outros estão em planejamento para isso, mas eles ainda não chegaram. Vai melhorar esse cenário, mas por enquanto ainda estamos discutindo o investimento e a política nacional que deve existir para garantir essa infraestrutura”, afirma Dellagnello.