Denis Benchimol. Foto: arquivo

O empresário Denis Benchimol Minev, CEO da rede varejista Bemol, a maior da Amazônia Ocidental, com faturamento de R$ 3 bilhões em 2020, é um dos principais conhecedores da Amazônia. Ele é fundador de algumas Ongs como Museu da Amazônia, Fundação Amazonas Sustentável e Parceiros pela Amazônia.

Denis também faz parte do grupo Concertação pela Amazônia, liderado pelo empresário Guilherme Leal, um dos maiores acionistas da Natura. Mas sua visão de Amazônia é bem diferente da maior parte da sociedade brasileira. “No Brasil, existe uma absoluta falta de compreensão da região e dos problemas da região”, diz.

Em sua opinião, por ser extensa e diversa, a Amazônia não pode ser tratada como uma coisa só e o Código Florestal não deveria ser aplicado da mesma forma em todos os lugares. “Em um lado da Amazônia você tem mangues, marés; do outro tem terra firme; em outros cantos, campos. Os ecossistemas e biomas são diferentes. O que eles têm em comum é que, para o olho destreinado, todos eles são verdes.”

Formado em economia em Stanford, com MBA em Wharton, duas das principais universidades dos Estados Unidos, o empresário também trabalhou no poder público. Entre 2007 e 2009, foi secretário de planejamento do Estado do Amazonas no governo do hoje senador Eduardo Braga (MDB-AM). Isso também lhe proporcionou uma visão mais ampla dos rincões da região.

Para Benchimol, enquanto a sociedade olhar para a Amazônia apenas com o viés ambiental, a região não terá solução. É necessário pensar, sobretudo, o lado econômico para que as pessoas tenham outros meios de subsistência e, assim, deixem de desmatar.

“Hoje, o Brasil olha para a Amazônia como um problema, um motivo de vergonha internacional. Na minha leitura, a Amazônia é o lugar onde o Brasil é o mais distinto”, afirma. “Na Amazônia, tem inúmeros moonshots para se dar”, disse, usando o termo emprestado do literal “vôo à Lua” (em tradução livre), usado para qualificar projetos de tecnologia que, basicamente, pretendem resolver um enorme problema, usando soluções radicais e tecnologias extremamente inovadoras.

Em entrevista ao jornalista Carlos Sambrana, Denis analisa os cenários da região, fala sobre o que seria necessário para o desenvolvimento sustentável e afirma que busca trilhar o caminho de seu avô, Samuel Benchimol, um grande estudioso da região. “A Amazônia não tem solução sem desenvolvimento econômico”, diz ele. Acompanhe:

Na sua opinião, quais são as grandes deficiências e os maiores erros que são cometidos em relação ao desenvolvimento na Amazônia?
Essa pergunta tem vários lados, mas vou começar respondendo que é uma absoluta falta de compreensão da região e dos problemas da região. Primeiro porque tem muitas Amazônias. Tenho um grande amigo que mora em Belém, chamado Beto Veríssimo, que é um pensador sobre a Amazônia Oriental (que engloba Pará, Mato Grosso, Tocantins, Amapá e Maranhão). Quando a gente troca figurinha, são dois mundos completamente diferentes. Mas, quando você escuta sobre Amazônia no Jornal Nacional, parece que é uma coisa só. A distância entre o Pará e o Acre é a mesma distância entre São Paulo e Santiago, entre Nova York e Denver. E você não advogaria uma política só para nenhum desses dois lugares. Aqui é semelhante. O Código Florestal não tem como funcionar para a Amazônia toda. Em um lado da Amazônia você tem mangues, marés; do outro tem terra firme; em outros cantos, campos. Os ecossistemas e biomas são diferentes. O que eles têm em comum é que, para o olho destreinado, todos eles são verdes. É quase que só isso. As características dos locais são diferentes.

O que mais é diferente?
As oportunidades econômicas e as populações são muito diferentes. Vou te dar um exemplo de Apuí, no Sul do Amazonas. É o município com maior incidência de câncer de pele no Brasil. Por quê? Porque todo mundo é de origem alemã, que foi para Santa Catarina e depois emigrou para ser agricultor no Amazonas pegando um sol desgraçado de Amazônia. Há ainda populações indígenas e nordestinos que vieram para cá. Falta conhecimento e um grau de empatia.

Por que empatia?
Parece que todo mundo que desmata aqui é criminoso. Se você passasse meia hora conversando com alguns dos desmatadores, não todos, aceito que existem organizações criminosas que precisam ser tratadas com polícia, veria que não são maioria. Na época que servi no governo, tinha o município de Lábrea e que tradicionalmente tem mais desmatamento. O que é a economia de Lábrea? Tem só duas atividades: pecuária e madeira. No centro urbano, você tem dez madeireiras e todas elas ilegais e são as principais provedoras de emprego do município. Fora isso, tem um abatedouro também ilegal. Essas atividades têm um certo apoio institucional da prefeitura, porque o prefeito é eleito com os votos da cidade. Ele deve atender a sua população em primeiro lugar. Então, se você não entende esse ambiente e não consegue vislumbrar um plano para que essa cidade tenha um desenvolvimento que não dependa tanto dessas duas atividades ou que essas atividades sejam sustentáveis não vai haver solução nenhuma. Se você olhar para esse problema e dizer que é só criminalidade e mandar a polícia, ela vai lá se instalar na cidade, passar três dias e na semana seguinte volta tudo com o apoio da prefeitura.

“O Código Florestal não tem como funcionar para a Amazônia toda”

A solução para o problema passa só pelo desenvolvimento econômico…
Digo que a Amazônia não tem solução sem desenvolvimento econômico. Para dar uma dimensão, no início dos anos 2000, o desmatamento era de 25 mil km² por ano; caiu para 5 mil km², em 2012, e agora está em 10 mil km². Ainda está muito abaixo do que era antigamente, mas dobrou do ponto baixo que chegamos. Por que conseguimos abaixar tanto? Vou te dar a minha leitura e ela não é amplamente aceita no mundo ambiental.

Qual é?
Duas coisas convergiram. Uma, melhoria sim de monitoramento e policiamento brasileiro. Teve mais gente trabalhando e o monitoramento melhorou. Do outro lado, você teve o superciclo das commodities que foi transformador na Amazônia. Quem já tinha área desmatada, gado, soja, ficou rico. Muitos empresários enriqueceram. As prefeituras enriqueceram. A fonte principal de prefeitura é o Fundo de Participação dos Municípios, que vem do Imposto de Renda. O imposto inflou naquele período e as prefeituras passaram a ter recursos de todos os lados, ficaram ricas e os prefeitos viraram reis. Naquela época, mudou a geografia da economia. Agora, era a sede do município que dava emprego. Por último, muitas transferências de renda, bolsa família, aposentadoria rural e várias outras. Isso botou dinheiro no bolso da população. Melhorou muito a condição de vida das pessoas, mas nada disso é produtividade, nada disso é geração de riqueza e é insustentável. E acabou em 2015.

Qual foi o reflexo disso?
Quando veio a crise de 2015, as prefeituras se tornaram pobres e demitiram um monte de gente, os empresários passaram a ganhar menos, teve a Reforma da Previdência que machucou a aposentadoria rural, teve o bolsa família que ficou mais difícil de ser acessado. Quando essas coisas estavam dando certo, você tinha no governo federal convênios com as prefeituras para estabelecer secretarias de meio ambiente e políticas ambientais. Naquele ambiente estava dando certo porque estava todo mundo feliz, a vida estava dando certo para todo mundo. Quando essas coisas deixaram de funcionar, ficou claro que aquele melhor monitoramento e policiamento era um monitoramento total, quem era bom ou ruim se deu mal.

Como?
Vou te dar um exemplo do nosso negócio. Éramos exportadores de óleo de pau rosa, cumaru, andiroba e produtos regionais. Durante 50 anos fomos vendedores de óleo de pau rosa para a Chanel. É o principal ingrediente do perfume Chanel número 5. Éramos os principais exportadores, mas começou a ter moratórias de exportação e monitoramento muito rígido até que o Ibama disse que não podia exportar óleo de pau rosa, que iria revisar toda a sustentabilidade. Isso fez com que, durante dois anos, não pudéssemos exportar. A Chanel tirou o linalol natural, que vinha no óleo de pau rosa, e substituíram por um sintético. A gente parou de vender, abandonamos esse negócio e dissemos: ‘quer saber? Vender geladeira tem muito menos risco e menos problema’. Esse robustecimento das leis do monitoramento matou o que hoje estamos chamando de bioeconomia e estamos dizendo que é a solução para a Amazônia.

O problema é a legislação?
Gosto de dar exemplo de um município chamado São Sebastião do Atumã, no interior do Amazonas. Ele foi construído em terras do Incra e o Incra nunca cedeu as terras para a prefeitura e os habitantes. A sede da cidade é uma invasão, a prefeitura é uma invasão, não tem a propriedade de sua sede. Aí você não tem alvarás, inscrições estaduais. A arrecadação de ICMS, quando eu estava no governo, era double digits. Era R$ 15,00 ou R$ 50,00 de arrecadação no mês. Tudo é ilegal, ninguém tem licença para pescar, mas todo mundo come peixe; tem mandioca à venda, mas nada plantado legalmente; os barcos que vão para lá não têm licença. Você precisa dar uma pausa numa economia dessa, ninguém vai gerar riqueza, prosperar e vai ter danos ambientais. Esse caso é emblemático e tem em níveis diferentes espalhados pela Amazônia. Quando tudo é informal, o dano ambiental é só um dano colateral de um sistema muito ruim que gera pobreza e gera impossibilidade de as pessoas avançarem. Você precisa que o estado esteja presente. Vou te dar outro exemplo, o do Código Florestal. Minha posição, que é bem controversa no mundo ambiental, é a de que cada estado deveria ter um código florestal.

“Quando tudo é informal o dano ambiental é só um dano colateral de um sistema muito ruim que gera pobreza e gera impossibilidade de as pessoas avançarem”

Por quê?
Ele não funciona para a Amazônia. Tem uma regra que diz que em rios cuja largura de mais de 500 metros os primeiros 300 metros das margens são de áreas protegidas. A lógica de ocupação da Amazônia é pela beira dos rios, todas as cidades estão à margem dos rios, toda boa logística está à beira dos rios, mas pelo Código Florestal precisam ser preservados e não pode ter atividade econômica. Isso não faz sentido nenhum. Torna tudo na Amazônia ilegal. Qual foi a solução que as autoridades encontraram? Se for subsistência, plantando mandioca e for pobre, ninguém se incomoda. Mas, se aquela pessoa tiver uma área e crescer de dois hectares para dez hectares, ficar com pinta de empresário, não pode deixar. Você limita a produtividade e a economia não tem futuro. Se você conversa com ambientalistas, eles dizem que tem de aplicar com seriedade o Código Florestal na Amazônia. A minha resposta é de que é impossível.

Qual é a solução para sair disso?
Não existe uma só. Mas, se precisar dar uma resposta, uma mudança mental da região e do Brasil sobre o que é a Amazônia e o que a gente quer da Amazônia. Hoje, o Brasil olha para a Amazônia como um problema, um motivo de vergonha internacional. Na minha leitura, a Amazônia é o lugar onde o Brasil é o mais distinto. Você olhar da sua janela, em São Paulo, não tem nada de especial em relação a Nova York, Londres ou quem quer que seja. O Brasil não tem uma vantagem competitiva clara. Tem o até o agronegócio. Mas na Amazônia tem uma coisa que é realmente diferente, um patrimônio incrível de biodiversidade e possibilidades enormes. Aponto para mudarmos a mentalidade para termos moonshots na Amazônia. O exemplo tradicional foram os Estados Unidos indo à Lua e outros vários moonshots como o projeto Manhattan, a própria vacina da Covid. O Brasil já fez coisas semelhantes quando fez o ITA, em São José dos Campos, a Embraer, uma indústria aeroespacial. Os seres humanos são bons quando são movidos por coisas grandes. Na Amazônia, tem inúmeros moonshots para se dar.

“Na Amazônia, tem inúmeros moonshots para se dar”

Quais?
Posso te dar um exemplo. Faço parte do conselho dos três bancos, Itaú, Bradesco e Santander, que formaram um Conselho da Amazônia com sete pessoas para tentar orientar políticas. Digo que vai ser muito difícil conseguirem trabalhar o desmatamento. O cara que está desmatando não está pegando crédito no Bradesco. No que eles podem ajudar? Num moonshot de “rematamento”. A Amazônia tem 5 milhões de km² e tem 700 mil km² desmatados. Daria para fazer um processo de sistemas agroflorestais em escalas nunca antes vista no mundo. Os volumes investidos, a possível rentabilidade e os empregos poderiam gerar um movimento para o Brasil enriquecer só nessa área.

Por que agora a Amazônia virou a menina dos olhos?
Acho que tem ciclos de atenção com a Amazônia e eles surgem de 15 em 15 anos. O primeiro foi no fim dos anos 80, com a morte do Chico Mendes. Depois, nos anos 2000, quando o desmatamento estava em 25 mil km². Agora, com o ciclo Bolsonaro. Está óbvio que a geração Z demanda propósito.

Vemos muitos empresários hoje levantando a bandeira da Amazônia. O quanto eles sabem o que estão falando?
Faço parte daquele grupo que é liderado pelo Guilherme Leal, chamado Concertação pela Amazônia. Ali a gente tem a oportunidade de interagir desde um Armínio Fraga, Joaquim Levy a grandes empresários brasileiros. A dissonância é bem parecida com os estrangeiros, para ser sincero. A conversa que eu tenho nos meios empresariais dentro da Amazônia, você ficaria surpreso. O tema meio-ambiente não figura nas discussões. É uma dissonância. No primeiro turno das eleições presidenciais, no Acre, o Bolsonaro teve 68% dos votos e a Marina Silva teve 2%. No Acre, que é o reduto dela. Isso atribuo a uma dissonância porque a Amazônia não está antenada para a realidade do mundo. Em parte, porque não está bem conectada, a internet é ruim, a educação é baixa e uma série de problemas. Mas tem também a falta de empatia de fora para dentro, de compreensão de como é a vida de um empresário na Amazônia e do quão impossível é para se manter legal.

Falta conhecimento do empresariado brasileiro sobre essa realidade?
Não digo do empresariado, mas da sociedade brasileira. Gosto muito de uma frase do ex-ministro Mangabeira Unger. Ele diz que o Brasil tem algumas preconcepções, de que no Nordeste temos que nos preocupar com o social, no Norte com o ambiental e no Sul e Sudeste com o econômico. O Brasil olha para a Amazônia e diz que é um problema ambiental. Não é. Tem que abordar isso com um problema multifacetado, com aspectos ambientais, sociais, políticos e econômicos.

Qual é a sua opinião sobre a política deste governo?
A minha leitura é que cometemos muitos erros em governos sucessivos na condução da Amazônia. Hoje estamos pagando o preço de políticas que, há dez anos, foram mal desenhadas. Foram desenhadas com uma prioridade ambiental e que esqueceram da necessidade que as pessoas têm de prosperar. Acho que a lógica de tentar anestesiar a Amazônia nunca vai dar certo, mas é a intuição de muitos ambientalistas que olham para a região. Na minha opinião, a região precisa de um ‘diurético’, precisa de ‘glicose’. Acho que nenhum governo, até hoje, concebeu o que o Brasil quer da Amazônia. Enquanto não houver isso, vamos ficar com essa discussão de quantos quilômetros quadrados foram desmatando no ano e quantas pessoas receberam bolsa família. Está faltando imaginação de forma sequenciada a diversos governantes, não é um problema só desse atual.

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