Foto: arquivo/ Pablo Valadares

Pandemia, violência, invasões e exploração de terras indígenas estão entre as principais ameaças às 305 etnias remanescentes dos povos originários do Brasil, segundo lideranças que comandam o movimento “Levante”, em curso nos últimos dias em Brasília. Eles participaram de audiência da Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados nesta terça-feira (15).

Além da pandemia, o projeto de lei que trata de reconhecimento, demarcação, uso e gestão das terras indígenas (PL 490/07 e 13 apensados) é a principal ameaça do momento, segundo um dos coordenadores da Associação Floresta Protegida, Bepnothi Kayapó, sobrinho do Cacique Raoni. “Nós não estamos aqui em busca de benefícios. Estamos aqui para brigar por nossos direitos. Se esse projeto for aprovado, será o fim da terra indígena, será o fim da cultura indígena”, alertou.

Coordenador do “Levante” e da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, Kretã Kaingang anunciou que o movimento será mantido até a derrubada da proposta, que está em análise na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. “Nós não temos previsão de retorno para nossas casas. Melhor morrer de Covid aqui na luta do que morrer esmagados nas nossas terras indígenas sem fazer o enfrentamento desse projeto que vai dizimar os nossos territórios e entregá-los para a iniciativa privada, para o garimpo, para o madeireiro, para a soja transgênica, para a contaminação das águas e para o gado”, lamentou.

Inconstitucional
Os indígenas ganharam o apoio da ex-procuradora da República Deborah Duprat para quem a proposta é inconstitucional por fragilizar direitos e interferir em marcos temporais de ocupação de terras. Ela também se queixou da insistência de bancadas ligadas à mineração e ao agronegócio em temas, segundo ela, judicialmente superados.

Duprat fez um apelo para que a Câmara barre a proposta de vez. “Sabendo de antemão que elas são inconstitucionais, é chegada a hora de [o Parlamento] parar de ser cúmplice desse projeto”, disse a jurista.

Relator
Procurado pela reportagem posteriormente, o relator da proposta na CCJ, deputado Arthur Oliveira Maia (DEM-BA), rebateu as críticas e garantiu que seu substitutivo aos projetos de lei apenas reforça 19 pressupostos da jurisprudência surgida após o Supremo Tribunal Federal (STF) julgar a demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima.

“Dentre esses pressupostos, estabeleceu-se que o marco temporal para considerar a presença de indígena em determinado território seria o dia 5 de outubro de 1988. Se existe alguém que alega inconstitucionalidade quanto a isso deve se queixar ao Supremo Tribunal Federal”, afirmou.

O Pataxó Agnaldo Francisco, do Movimento Unido dos Povos e Organizações Indígenas da Bahia (MUPOIBA), contestou esse marco temporal focado na data de promulgação da Constituição de 1988. “Nós sempre vivemos no Brasil e nosso marco temporal é 1500: desde quando os invasores começaram a chegar ao País, o nosso povo já aqui se encontrava”, defendeu.

Luis Macedo/Câmara dos Deputados
Discussão e votação de propostas. Presidente da Câmara, Arthur Lira PP - AL e dep. Joenia Wapichana REDE - RR
Joênia Wapichana quer manter mobilização para impedir votação de projetos prejudiciais aos índios

Mineração
O “Levante” ainda inclui na lista de ameaças o projeto de lei que regulamenta a exploração de recursos minerais em terras indígenas (PL 191/20), que aguarda a análise de comissão especial da Câmara.

Uma instrução normativa do Ibama e da Funai (IN 1/21) sobre licenciamento ambiental em terras indígenas também foi muito criticada. O pesquisador da Fiocruz Paulo Basta, que já havia coordenado um estudo sobre os danos do mercúrio usado no garimpo sobre a saúde indígena, alertou para os riscos de a exploração mineral ampliar o impacto da pandemia de Covid-19 e de outras doenças nas aldeias.

Basta ainda citou estimativas de que propostas como essas podem afetar 863 mil km² de floresta tropical e 220 povos tradicionais, além de impedir as metas de redução dos gases do efeito estufa no país.

Em discurso enfático, Alessandra Munduruku relatou uma série de violência de garimpeiros e madeireiros, em curso nas aldeias do Pará. “Foi atacada a sede das mulheres e queimada uma aldeia. E a gente percebe que a própria Funai só recebe indígena a favor de mineração. A gente não pode mais ficar calada, não. Já chega”, relatou.

No momento da audiência, o procurador regional da República no Pará, Felício Pontes Júnior, comunicou a decisão da Justiça Federal de acatar a ação em que o Ministério Público pedia a proteção especial para os Munduruku de Jacareacanga, no Alto Tapajós. Entre outros pontos, deverá ser retomada a operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) sob pena de multa diária de R$ 50 mil reais.

Dário Kopenawa denunciou a situação dos Yanomami, no Amazonas e Roraima, às voltas com cerca de 20 mil garimpeiros ilegais em suas terras. O presidente da Funai, Marcelo Xavier, foi convidado para a audiência na Câmara, mas não compareceu.

Obstrução
Da reunião também participaram vários deputados integrantes da Frente Parlamentar em Defesa dos Povos Indígenas, coordenada pela deputada Joenia Wapichana (Rede-RR). Ela elogiou a resistência dos indígenas e dos parlamentares que conseguiram impedir a análise do PL 490/07 na CCJ nesta terça-feira (15), mas alertou para a necessidade de manter a mobilização diante das novas tentativas que os governistas farão para aprovar a proposta.

O presidente da Comissão de Legislação Participativa, deputado Waldenor Pereira (PT-BA), anunciou a disposição de obstruir a votação das propostas citadas, além de promover futura audiência no STF em busca de soluções definitivas para as ameaças aos indígenas.

“Estamos reunindo todas as recomendações e sugestões. A nossa intenção é tomar uma série de providências, como a abertura de audiência junto ao Supremo Tribunal Federal, entre outras iniciativas”.

No início da reunião, houve um minuto de silêncio em homenagem aos mais de 1.100 indígenas mortos pela Covid-19 no Brasil.

 

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