Um estudo publicado na revista One Earth por pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Universidade de São Paulo (USP), Universidade de Queensland (Austrália) e do Instituto Socioambiental revela o potencial de impacto da medida: a liberação da mineração em terras indígenas pode aumentar em mais de 20% o impacto da atividade na Amazônia Brasileira e gerar perdas de até US$ 5 bilhões em serviços ecossistêmicos, como regulação de chuvas e produção de alimentos.
O Congresso Nacional está analisando, já há alguns meses, projeto de lei enviado pelo governo federal que propõe regulamentação da atividade minerária em terras indígenas. A iniciativa motiva críticas de diversos setores. Em Roraima, a Terra Indígena Yanomami tem sofrido com os impactos causados pela presença de garimpeiros ilegais. Entidades estimam a presença de mais de 20 mil no território.
A exploração de minérios provoca desmatamento em um raio de 70 quilômetros da mina, ressalta o professor Britaldo Soares-Filho, coordenador do Centro de Sensoriamento Remoto (CSR) do Instituto de Geociências da UFMG.
“Os impactos são diretos, relacionados às instalações necessárias à atividade, e indiretos, quando considerada a estrutura de acesso, transporte e prestação de serviços, entre outros aspectos”, ele explica.
O CSR foi responsável, principalmente, por avaliar as perdas econômicas, com base na valoração de quatro serviços ecossistêmicos providos pelas florestas da Amazônia: produção de alimentos, como a castanha-do-pará, de matéria-prima (madeira e borracha), redução de gases de efeito estufa e regulação climática.
“O valor total dos serviços da Amazônia é imensurável, mas conseguimos precificar alguns deles, por meio de metodologia desenvolvida por nosso grupo, na UFMG. A mudança no regime de chuvas afeta, por exemplo, a geração de energia hidrelétrica. Se você desmata, diminuem as chuvas. E as perdas dependem da localização de cada parcela de floresta destruída”, afirma Britaldo Soares-Filho.
O professor chama a atenção para o fato de que o agronegócio também depende muito dos ciclos de chuva determinados pela floresta, e o desmatamento provoca queda de produtividade e rendimento para os produtores, sobretudo os de soja e gado no Mato Grosso. Ele adiciona que a valoração da biodiversidade é muito mais complexa.
O pesquisador destaca também que impedir o desmatamento é mais barato que tomar outras medidas, como a redução das frotas de veículos, para a mitigação dos gases que destroem a camada de ozônio. “Isso entra também nos nossos cálculos. O Brasil não cumpre sua parte no Acordo de Paris [que rege o compromisso dos países para a diminuição do aquecimento global], o que piora a situação porque perdemos recursos para conservação e desenvolvimento ambiental.”
Cuidado com a reputação
Os pesquisadores do Brasil e da Austrália concluíram que, se o projeto de lei for aprovado sem alterações, a área afetada pela mineração poderá crescer de 700 mil quilômetros quadrados de floresta para até 860 mil quilômetros quadrados, no caso de exploração econômica de todos os depósitos minerais da região.
Apenas para ficar em alguns números, o estudo projeta perdas de mais de US$ 2,2 bilhões no que se refere à mitigação do efeito estufa e o aumento para mais de US$ 1,4 bilhão anuais das perdas na produção de matérias-primas.
Como ressaltam os cientistas, o texto original do PL 191/2020 não prevê salvaguardas ambientais e sociais e negligencia a necessidade de estudos sobre os impactos da implantação de novas minas abrangentes.
Segundo a autora principal do artigo, Juliana Siqueira-Gay, da Escola Politécnica da USP, os mecanismos de avaliação e mitigação dos impactos diretos, indiretos e cumulativos “devem incluir planos que cumpram com a hierarquia da mitigação, de forma a assegurar proteção dos valiosos ecossistemas e dos direitos das comunidades indígenas”.
Sobre esse aspecto, os pesquisadores acrescentam que o texto do projeto de lei até menciona compensações financeiras, mas não inclui previsão do direito dos povos indígenas à liberdade de consentimento prévio e devidamente informado.
Britaldo Soares-Filho salienta que a iniciativa do governo federal tem poucas chances de dar frutos, uma vez que não deverá atrair o interesse de grandes grupos mineradores, cada vez mais preocupados com o risco de prejuízos para sua reputação.
“Mesmo essas empresas mineradoras estão pesando muito o custo-benefício de entrarem em negócios desse tipo. Os fundos de investimento globais, que aportam capital para grandes empreendimentos, têm-se recusado a estimular a degradação ambiental”, afirma o professor da UFMG.
Ele avalia que as novas regras, se passarem no Congresso, vão atrair grileiros e garimpeiros ilegais, que não dão retorno para o país e para as comunidades. “O projeto de lei não tem a capacidade de desenvolver a mineração e ainda afugenta capitais e fragiliza terras indígenas, que são santuários da sociobiodiversidade. Ou seja, a iniciativa não faz sentido econômica, ambiental e estrategicamente.”