A presidente da Funai, Joenia Wapichana, definiu que a Lei do Marco Temporal é um dos maiores retrocessos para a garantia dos direitos dos povos indígenas desde a promulgação da Constituição Federal (CF) de 1988. A fala foi durante sua participação na etapa do Amazonas do Ciclo COParente, no último sábado (20), em Manaus. Joenia lembrou que a legislação impacta não somente a demarcação de terras, mas também a implementação da política indigenista como um todo.
De acordo com a tese do marco temporal, os povos indígenas só têm direito a terras que já ocupavam em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da CF. Tal requisito compromete a demarcação de terras. A presidenta da Funai destacou que a tese jurídica “desconsidera o histórico de violência, as remoções forçadas de povos indígenas de seus territórios e a resistência de cada povo”. Joenia também reafirmou o posicionamento da Funai contra o marco temporal, a mineração em terras indígenas e a favor do desenvolvimento sustentável das comunidades.
Tese inconstitucional
O marco temporal contraria o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF). Em 21 de setembro de 2023, por 9 votos a 2, o Plenário da corte decidiu que a data da promulgação da Constituição Federal não poderia ser utilizada para definir a ocupação tradicional das terras indígenas. O julgamento teve início em 2021 e é um dos maiores da história do STF.
Ocorre, no entanto, que, uma semana depois, no dia 27 de setembro de 2023, o Senado Federal aprovou projeto de lei, reafirmando o marco temporal. Como já havia sido aprovado na Câmara, o texto foi enviado à sanção do presidente da República. Em 20 de outubro, foi publicada a Lei 14.701/2023. A tese e outros dispositivos foram vetados pelo presidente Lula, mas, em dezembro do mesmo ano, os vetos foram rejeitados pelo Congresso Nacional, mantendo a tese do marco temporal para a demarcação de terras indígenas.
Violação de direitos
A Funai seguiu defendendo a inconstitucionalidade da lei. Entre agosto de 2024 e junho de 2025, a autarquia indigenista participou das 23 audiências de conciliação no STF sobre o tema em busca de cumprir com sua missão institucional de promover e proteger os direitos dos povos indígenas. Entretanto, a Lei 14.701/2023 segue em vigor, o que impõe à Funai maior desafio para encontrar soluções e dar segurança jurídica aos processos de regularização fundiária.
Com a tese do marco temporal, aumenta a dificuldade do Estado brasileiro em realizar a demarcação de terra indígena e ocupação tradicional, ou seja, de efetivar o direito à proteção e a efetivação do direito às terras tradicionalmente ocupadas pelos povos indígenas. Igualmente prejudicial são os dispositivos que tratam da revisão de limites das terras indígenas e da fragilização do direito de consulta dos povos indígenas. Todos esses pontos dificultam a implementação da política indigenista, em especial, a política territorial.