Um enfermeiro, que não teve a identidade revelada, que atua com o agente de saúde na Terra Indígena Yanomami, no município de Alto Orinoco, na Venezuela, gravou um vídeo no qual relata uma das mais graves crises de saúde no território venezuelano. A situação é agravada pela falta de ação governamental local e regional, e pela crescente invasão de garimpeiros ilegais dentro do território. As imagens foram divulgadas pela Organização Não Governamental (ONG) Survival Brasil na última sexta-feira (11).
Com a voz embargada pela preocupação, o profissional de saúde detalhou o colapso do sistema de saúde. Além da falta de medicamentos, o enfermeiro disse que crianças e adultos estão morrendo após ficarem doentes, descreveu a situação como uma “pandemia” e afirmou que recomendou quarentena para que os casos não se espalhem para outros moradores da comunidade. Os sintomas são diarreia, eliminação de parasitas nas fezes, febre alta e sangramento pelo nariz.
“Temos uma pandemia muito, muito grave que está atacando as crianças. Diarreia, parasitas, febre alta. Até mesmo as crianças estão sangrando pelo nariz. Houve algumas mortes de crianças aqui em Mavaca este mês. No mês passado, duas crianças e um adulto morreram”, disse, em vídeo gravado ao lado de moradores indígenas da comunidade.
Durante a gravação, o enfermeiro fez um apelo ao governador do Estado venezuelano do Amazonas, Miguel Rodríguez, e ao prefeito de Alto Orinoco, Ramiro Moi, para o envio de medicamentos por meio de ambulâncias “o mais rápido possível”. De acordo com a ONG Survival Brasil, doenças facilmente tratáveis como malária e tuberculose estão dizimando os Yanomami. A CENARIUM não conseguiu localizar as autoridades do país vizinho.
“Eu, como enfermeiro, estou muito preocupado. Em cada posto de saúde, não temos remédios; não temos medicamentos. Não temos médico em nosso posto de saúde. Há anos que os médicos não estão em nossa base. Por esse motivo, peço ao governo do Estado do Amazonas [Venezuela], [ao governador] Miguel Rodríguez, que nos apoie, que nos possibilite enviar ambulâncias para transportar medicamentos o mais rápido possível. Prefeito [de Alto Orinoco] Ramiro Moi, traga-nos medicamentos”, declarou.
Nos últimos seis meses, pelo menos oito indígenas morreram de tuberculose em Puerto Ayacucho, capital do Estado de Amazonas. Dados compilados por agentes de saúde Yanomami também revelam que na região da Sierra Parima, localizada no planalto das Guianas, na fronteira do Brasil com a Venezuela, mais de 500 indígenas morreram entre 2022 e 2024 em decorrência da malária e outras enfermidades curáveis.
A segurança alimentar na região também foi comprometida. Surtos frequentes das doenças deixaram os Yanomami debilitados, afetando a capacidade vital de caçar, pescar, plantar e cultivar. A desnutrição é generalizada, atingindo principalmente crianças e idosos. De acordo com as informações da ONG, a presença de garimpeiros ilegais impulsionou a crise.
Explosão de mineração
Apesar de o exército venezuelano ter divulgado, em junho deste ano, a destruição de aviões e suprimentos de garimpeiros em Haximu, local de um genocídio Yanomami em 1993, organizações como SOS Orinoco e a própria Survival denunciam a explosão da mineração ilegal na região há anos. Entre 2020 e 2022, o número de acampamentos de mineração em Haximu dobrou, passando de 40 para 80, conforme imagens de satélite.
Além do impacto ambiental e sanitário, o garimpo ilegal fomenta violência. Em junho de 2021, indígenas Sanemá (subgrupo Yanomami) e Ye’kwana denunciaram casos de escravidão e assassinatos por garimpeiros brasileiros. Outros povos, como os Uwottüja, também são vítimas. Em setembro de 2024, Joaquín Hernández, um guardião Ye’kwana, foi espancado até a morte e teve as casas incendiadas pelos garimpeiros. Virgilio Trujillo, coordenador dos Guardiões Uwottüja, também foi assassinado em 2022.
Segundo a ONG, a crise Yanomami ecoa em âmbito internacional, como no Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH), que expressou sérias preocupações com a deterioração da situação dos direitos humanos na Venezuela, por meio de um relatório apresentado ao Conselho de Direitos Humanos da ONU em 18 de junho.
O ACNUDH recebeu informações sobre os desafios de saúde para os povos indígenas, incluindo a exposição a malária, tuberculose e HIV/AIDS, e a crítica falta de medicamentos, suprimentos e transporte para resgate de indígenas doentes.
Relatório
O relatório da ONU detalhou, ainda, relatos preocupantes de morbidade e mortalidade materna nos territórios Ye’kwana e Sanemá, onde três médicos estariam disponíveis para uma população de 7.448 pessoas, e 20 centros de saúde comunitários carecem de recursos básicos. “A falta de demarcação dos territórios indígenas contribui para a exposição à mineração ilegal e à presença de grupos armados não estatais, resultando em deslocamentos forçados, confrontos e degradação ambiental”, diz o documento do ACNUDH.
Isolados
Cerca de 15.000 Yanomami vivem em 300 comunidades na Venezuela, a maioria em áreas extremamente isoladas, com pouco contato externo. Séculos de isolamento os tornam altamente vulneráveis a doenças transmitidas por pessoas de fora, como gripe e sarampo, para as quais têm pouca ou nenhuma resistência, tornando-as frequentemente fatais.