Uma tecnologia pioneira desenvolvida no Brasil está revolucionando o combate à mineração ilegal de ouro na Amazônia ao permitir rastrear a origem do metal precioso com precisão inédita.
O programa, chamado “Targeting Gold”, usa técnicas avançadas de radioisótopos e espectroscopia para identificar as “impressões digitais” químicas do ouro e marca um avanço significativo no enfrentamento do comércio clandestino que alimenta a destruição ambiental e redes criminosas.
O “Targeting Gold” combina métodos científicos usados em arqueologia com inovação tecnológica para criar um banco de dados detalhado das amostras de ouro em todo o Brasil.
A técnica, desenvolvida em parceria com universidades e laboratórios nacionais, utiliza aceleradores de partículas para analisar nanoimpurezas — como metais e elementos químicos associados ao ouro — que revelam sua origem geográfica.
“A natureza marca o ouro com isótopos, e podemos ler essas impressões digitais únicas para determinar sua procedência”, explica Humberto Freire, diretor do Departamento de Meio Ambiente e Amazônia da Polícia Federal em entrevista à Reuters.
Segundo Freire, a tecnologia é capaz de rastrear o ouro antes que ele seja refinado e exportado, dificultando o uso de documentos falsos para encobrir sua origem ilegal.
Desde que foi implementado, o “Targeting Gold” já contribuiu para um aumento de 38% nas apreensões de ouro ilegal em 2023 em comparação com o ano anterior, de acordo com dados do governo.
Em um dos casos mais emblemáticos, a Polícia Federal usou a tecnologia para rastrear 294 quilos de ouro exportados ilegalmente para os Estados Unidos, Dubai e Itália.
O responsável pela operação criminosa, Harley Sandoval, pastor evangélico, corretor de imóveis e empresário do setor de mineração, foi preso sob acusação de forjar documentos para ocultar que o metal havia sido extraído de garimpos ilegais no Pará, incluindo terras indígenas protegidas.
A investigação revelou que o ouro declarado como proveniente de um garimpo em Tocantins não era explorado desde a época colonial, reforçando a eficácia do programa em desmontar redes de mineração clandestina.
O Brasil, um dos maiores exportadores de ouro do mundo, enfrenta uma crise crescente de mineração ilegal na Amazônia, que representa cerca de 40% da produção total do país, segundo estimativas oficiais.
A alta nos preços globais do ouro e o enfraquecimento dos controles ambientais durante o governo Jair Bolsonaro contribuíram para o aumento exponencial de garimpos clandestinos, agora estimados em 80 mil na floresta amazônica.
Além dos impactos ambientais, como contaminação por mercúrio e devastação de ecossistemas, a mineração ilegal tem causado crises humanitárias em terras indígenas. Em 2022, a invasão da Terra Indígena Yanomami levou a surtos de doenças e desnutrição, agravados pela violência dos garimpeiros.
A maior parte do ouro brasileiro exportado ilegalmente é comprada pela Suíça, que adquire cerca de 70% do metal do país, segundo dados oficiais.
A tecnologia brasileira chamou a atenção de outros países amazônicos, como Colômbia e Guiana Francesa, que estudam adotar o modelo para lidar com o comércio ilegal de ouro em seus territórios. Importadores europeus, incluindo Suíça e Reino Unido, também demonstraram interesse em desenvolver sistemas de rastreamento mais rigorosos para o metal precioso.
Com os avanços tecnológicos, a Polícia Federal e cientistas brasileiros pretendem mapear todas as 24 regiões produtoras de ouro do país nos próximos anos. Amostras de ouro estão sendo catalogadas para criar um banco de dados nacional que permitirá identificar rapidamente discrepâncias entre declarações de origem e a procedência real do metal.
“Nosso objetivo é tornar impossível para o ouro ilegal entrar na cadeia global de fornecimento”, explicou Freire. O programa também está alinhado com regulamentações mais rígidas implementadas pelo Banco Central, como o uso obrigatório de notas fiscais eletrônicas para transações de ouro, que visam reduzir fraudes no setor.
Enquanto o “Targeting Gold” já demonstra resultados concretos, o desafio de enfrentar o lobby pró-garimpo informal no Congresso brasileiro e desmontar redes de crime organizado que controlam a mineração ilegal ainda persiste.
Mas o avanço da tecnologia posiciona o Brasil como líder na luta contra um dos maiores desafios ambientais e econômicos da região amazônica.