O tema da redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) deste domingo, 3 — “Desafios para a valorização da herança africana no Brasil” — traz uma oportunidade para reflexão e lança luz sobre uma população comumente invisibilizada, avaliaram ativistas do movimento negro.
Outro ponto citado pelos ativistas é que o tema considerou o mês de novembro, conhecido como “Novembro Negro” e dedicado à luta antirracista. No dia 20 deste mês, é celebrado o Dia da Consciência Negra.
O historiador e ativista Juarez Silva avaliou que o tema não deve ser difícil para a maioria dos participantes, uma vez que tem sido explorado anualmente nas escolas desde 2003 e é recorrente na mídia e nas redes sociais. Ele destaca a oportunidade para reflexão e consideração de um grupo invisibilizado.
“O tema, como esperado, não foge da já ‘tradição’ de temas reflexivos de relevância, considerando grupos socialmente minoritários e que desviam de um viés hegemônico. Também não deveria ser surpresa, sendo novembro, que o tema rondaria a questão afro-brasileira”, mencionou.
Quanto à abordagem, ele vê um “leque” de opções a serem exploradas. “É possível trabalhar [o tema] a partir de variadas facetas, como artística/cultural, preconceito e discriminação, racismo religioso, ações afirmativas, enfim. O ponto-chave está no enunciado, ‘desafios’; quem entender como desenvolver a partir dessa premissa não terá problemas”, analisou.
A cientista social e secretária-geral do Movimento Negro Unificado (MNU), Ana Cleia Kika, também destacou o fato de novembro ser dedicado à luta racial, acrescentando a oportunidade de reflexão sobre a resistência da população negra e a necessidade de ocupar os espaços que também lhes são de direito, especialmente nas universidades públicas.
“Quando se inicia o mês, a gente já começa a trazer várias reflexões, trazendo justamente os desafios que ainda precisamos enfrentar para que a população negra, de fato, venha ocupar todos os espaços que são de direito, sem essa desigualdade que ainda sabemos que existe. Somos a maioria da população, mas ainda somos a minoria em determinados espaços da sociedade”, refletiu.
Ana Cleia Kika também mencionou, como algo a ser abordado neste tema, a Lei 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que incluiu no currículo oficial da rede de ensino brasileira a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”.
“É muito importante a gente pensar hoje sobre a importância da Lei 10.639, que vem justamente para a valorização da cultura afrodescendente. O que se tinha no caso negro era muito da desvalorização. Eu vi nos livros de História, quando fiz o Ensino Médio, que havia textos extremamente racistas, preconceituosos (…) isso aí era natural ver nos livros, a gente não tinha uma lei que justamente traz essa esse debate da valorização da cultura afro-brasileira“, avaliou.
Para a vice-presidente da União de Negras e Negros pela Igualdade do Amazonas (Unegro Amazonas), Regina de Benguela, o tema da redação do Enem é necessário justamente para mostrar, aos jovens, o que foi, o que é e o que ainda será a luta do povo negro.
“É uma luta diária de muita resistência, de muita resiliência. Tentam nos silenciar, invisibilizar. Aqui mesmo na Amazônia dizem que não tem negro. Como não tem negro? E os afro-indígenas? Então, é muito importante quando nós pensamos que o Enem, que abrange o território nacional, traga essa discussão. Eles nos levam a uma reflexão de toda uma sociedade, seja o povo negro, seja o povo branco, mas a reflexão precisa ser feita, porque precisamos de respeito, dignidade, é isso que o povo negro quer“, concluiu.
Quanto vale a redação no Enem?
A redação representa 20% da nota final. É a única área do exame, por exemplo, em que é possível chegar à nota mil, o que resulta em um peso relevante na média final do candidato.
O texto da redação é corrigido a partir de cinco competências, com valor de 200 pontos cada uma: o domínio do português, compreensão do tema e aplicação de conceitos, articulação de informações, coesão e proposta de intervenção.
Esta última competência é uma inovação do Enem e não costuma ser cobrada em outros vestibulares. É nela que os alunos das redes estaduais têm as piores notas na comparação com quem estudou em escolas particulares, segundo a pesquisa.
Veja quais foram os últimos temas da redação do Enem
2015 — A persistência da violência contra a mulher na sociedade brasileira;
2023 — Desafios para o enfrentamento da invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pela mulher no Brasil
2022 — Desafios para a valorização de comunidades e povos tradicionais no Brasil
2021 — Invisibilidade e registro civil: garantia de acesso à cidadania no Brasil
2020 — O estigma associado às doenças mentais na sociedade brasileira
2019 — Democratização do acesso ao cinema no Brasil
2018 — Manipulação do comportamento do usuário pelo controle de dados na internet
2017 — Desafios para a formação educacional de surdos no Brasil;
2016 — Caminhos para combater a intolerância religiosa no Brasil;