Há mais de um mês, pais e mães de três adolescentes venezuelanas, de 16 anos, saem pelas ruas de Boa Vista e outros municípios de Roraima, por conta própria, em busca de notícias ou vestígios do paradeiro das garotas. Elas estão desaparecidas desde 9 de junho, após receber propostas de trabalho de pessoas desconhecidas. A busca é feita apenas pelas famílias porque a Polícia Civil de Bonfim arquivou a investigação sobre o sumiço das jovens.
F. é uma das três adolescentes venezuelanas desaparecidas. Ela sumiu após ter recebido um convite para supostamente trabalhar como babá em uma casa em Caçari, bairro de Boa Vista. A família está no Brasil há seis anos, após deixar o sul da Venezuela em busca de melhor qualidade de vida e emprego. F. é a caçula de três irmãs e cursa o primeiro ano do ensino médio em um colégio militarizado de Boa Vista.
“Eu acho que ela [F.] foi enganada que ia trabalhar cuidando de uma criança [..] Falaram que ia trabalhar não sei de onde, mas lhe encheram a cabeça”, disse a mãe da adolescente, que atua como auxiliar de limpeza.
Roraima registrou mais de 400 pessoas desaparecidas entre 2019 e 2021, segundo o Mapa do Desaparecidos, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Famílias migraram para o Brasil em busca de melhores condições de vida
O boletim de ocorrência (BO) sobre a comunicação dos desaparecimentos foi registrado na Delegacia de Bonfim, município que fica na fronteira com a Guiana. Segundo a Agência Pública apurou, a investigação, no entanto, foi arquivada pelo delegado Alberto Alencar de Souza, uma semana após o sumiço das jovens, sob alegação de que as garotas foram supostamente levadas para outro país. A Pública teve acesso ao documento com exclusividade.
“Arquivar o B.O, tendo em vista que, pelo relato dos fatos, todas as providências foram tomadas pela guarnição da Polícia Militar, visando encontrar as supostas adolescentes – tendo em vista que os fatos ocorreram em Boa Vista, diretamente para a cidade de Lethem, na Guiana inglesa, fato que fogem das diligências da PM/RR/Brasil [sic]”, argumentou o delegado sobre o arquivamento da investigação.
O documento ainda cita que o caso será desarquivado se surgirem “indícios criminais praticados pelo suposto homem que as levou no Brasil ou caso sejam localizadas as adolescentes no Brasil, desarquivar B.O para novas diligências, visando verificar a entrega aos genitores da mesma” [sic].
Procurada pela reportagem, a PF, responsável pela fiscalização de fronteiras, não respondeu até a publicação. A reportagem questionou a corporação também sobre a fiscalização da fronteira.
A mãe e o pai de uma das adolescentes falaram, mas sob a condição de anonimato, da vez em que as famílias foram ameaçadas após a divulgação da notícia do desaparecimento na imprensa local.
“Se ela foi levada para Guiana, para Georgetown [capital da Guiana] ou outro país, eles infelizmente não podem fazer nada, porque lá é outra polícia, outro país”, disse a mãe sobre o que ouviu na delegacia. “Eu fiquei ainda mais desesperada”, completou a venezuelana.
A reportagem também questionou o governo do estado de Roraima, que não respondeu até a publicação.
Adolescente aceitou o trabalho para comprar uma bicicleta
F. é uma garota dedicada aos estudos, segundo descrevem os pais, que lembram que a jovem teve as férias antecipadas por ter sido aprovada em todas as disciplinas. G. é uma amiga que a visitava com frequência, pois estudavam na mesma turma. A terceira integrante do trio de amigas é A.
As três amigas saíram de casa para supostamente trabalhar como babás na casa de uma senhora identificada por elas como Lúcia.
A mulher havia dito que o serviço consistia em cuidados a uma criança de 2 anos que havia passado por uma cirurgia. “Ela [F.] só me falou que vai trabalhar por um mês, no mês de férias [escolares] e que ganharia R$ 1,5 mil para comprar uma bicicleta”, contaram os pais.
Segundo a família de F., a jovem deixou a casa por volta das 14h de domingo, 9 de junho, e entrou em um carro de aplicativo supostamente enviado por Lúcia. O motorista foi descrito pela mãe da adolescente como um homem “moreno e de óculos escuros”.
“Minha filha, não faça isso; pelo seu pai, não vá embora”, contou a matriarca com os olhos marejados ao lembrar o último momento em que teve contato físico com a filha caçula. A filha teria respondido: “Não, mãe, eu vou avisar a senhora quando eu chegar lá”. A mãe, confiante na filha, despediu-se: “Eu falei ‘Deus te abençoe’ [e F.] me deu um beijo e saiu de uber”, lembra.
Ainda no domingo, às 14h45, F. teria passado na casa de G., que embarcou no mesmo carro. Os pais da segunda adolescente não sabiam que ela também havia saído para trabalhar e foram apenas comunicados por mensagem no WhatsApp que ela se ausentaria por um tempo.
Por volta das 16h, F. avisou à mãe que havia chegado na casa onde trabalharia e que Lúcia apresentou o quarto onde ela ficaria, mas ainda sem deixar nenhuma pista de onde estariam e os contatos de quem supostamente as contratou.
“Me manda uma foto dessa senhora [Lúcia] e desse menino [a criança que elas supostamente foram contratadas para cuidar]”, suplicou a mãe a F., mas o pedido não foi atendido e a resposta foi apenas que tudo ficaria bem.
No dia seguinte ao que as meninas deixaram a casa, a mãe de G. assistiu a um vídeo compartilhado no status do WhatsApp de F. que as mostrava juntas dentro de um carro dirigido por um homem desconhecido, de óculos escuros, camisa de manga longa preta e com um macaco de pelúcia pendurado no painel do veículo.
A gravação mostrava brevemente que as garotas passavam por uma das rotatórias próximas ao monumento ao garimpeiro, localizado no centro de Boa Vista.
“Eu falei: ‘Mas trabalhando de quê?’. Ela não me fala. Eu perguntei: ‘Onde?’. Ela não me fala”, disse a mãe. “Pode ser que estejam em Georgetown [capital da Guiana], pode ser que tenha [ido para o] garimpo”, intercedeu o pai de F.
Famílias fazem buscas por conta própria
Na semana em que as jovens desapareceram, os pais e as mães das garotas fizeram buscas por municípios que ficam na fronteira. O primeiro deles foi Bonfim, que é a porta de saída para a vizinha Guiana, cuja fronteira é pouco fiscalizada.
Na madrugada de 11 de junho, os familiares das adolescentes chegaram em Bonfim e deram início às buscas por conta própria. Do lado brasileiro, foram informados de que a Polícia Federal não poderia fornecer imagens de câmeras de segurança sem a autorização da Superintendência, em Boa Vista.
Em Lethem, na Guiana, o grupo de familiares foi informado por moradores de que G. e A. teriam sido vistas sob a tutela de um homem circulando pela cidade no dia anterior. Imediatamente, as famílias foram até a delegacia de Bonfim, onde registraram um BO sobre o desaparecimento das três garotas.
Todos os dias, as mães escrevem às filhas por mensagens de WhatsApp, na tentativa de descobrir algo sobre o paradeiro das adolescentes, mas, como não conseguem obter informações, apenas pedem às garotas que se cuidem.
Desde que desapareceram, as jovens costumam mandar mensagens aos seus familiares sempre no mesmo horário: pela manhã, perto das 6h. As mensagens costumam ter sempre o mesmo texto, sem maiores detalhes da situação. Nunca mandaram áudio. No entanto, na segunda semana em que elas haviam sumido, a mãe de F. disse que a filha passou três dias sem responder, o que aumentou o desespero.
“Mãe, eu estou bem, o que aconteceu é que eu não tinha internet, estava sem cobertura, estava sem internet, mas eu estou bem. Estou com a senhora [Lúcia]”, disse F. à mãe, que desabafou: “Isso foi uma angústia para mim, sabe?”. Questionada pela reportagem se tem dúvidas que são as próprias jovens que respondem às mensagens, a mãe preferiu não responder.
Fronteira sem fiscalização
A reportagem esteve em Lethem, na Guiana, e a entrada no país ocorreu sem análise de documentos tanto do lado brasileiro quanto do país vizinho. O posto da Polícia Federal do Brasil é um prédio velho de portas espelhadas. O que deveria ser um local de fiscalização e análise de documentos parecia não ter movimento algum.
Do lado da Guiana, sob sol forte de 30 ⁰C, trabalhadores higienizavam as rodas dos carros que chegavam. Dois guardas com fuzis estavam sentados sob o posto de fiscalização, mas não abordaram os carros que passavam pela fronteira.
Lethem, cidade de aproximadamente 3 mil habitantes, é constantemente visitada por brasileiros para compras. A maior parte do município é rural, sem ruas pavimentadas e cercada pela mata do lavrado, uma espécie de savana que também está presente na região nordeste de Roraima.
Essas reportagens quando leio são aquelas que me causam náuseas, por tanta indignação. Como uma pessoa consegue ignorar um fato que com com certeza essas meninas foram vítimas de sequestro… Só Deus sabe o que eles devem estar sofrendo agora. Mas POR QUE NÃO FAZEM NADA????? Por que não é da família deles, por que não é Filha do Delegado??? É tanto absurdo que chega a ser inacreditável. Peça a Deus que protege a guarde essas meninas e também peça Deus que sua justiça recaia sobre cada que se omitiu a ajuda-las… Que a justiça seja feita.
É sério isso, jornalistas? Fronteiras sem vigilância, famílias sem apoio da polícia? Meu Deus! Vou mandar pra Polícia Federal, nas redes sociais, pra ver se algo é feito nesse lugar. Um horror!