Senador Hiran Gonçalves (Progressistas-RR). Foto: Agência Câmara

O autor da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do Marco Temporal, senador dr. Hiran Gonçalves (PP/RR), afirmou nessa quarta-feira, 10, que os indígenas “não precisam de mais terras“. O parlamentar declarou que “é necessário definir um marco temporal adequado para essa questão“.

A proposta em tramitação no Congresso Nacional fixa a data de promulgação da Constituição Federal (CF) de 1988 para a demarcação das terras indígenas. A medida vai contra uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), de setembro de 2023, que rejeitou a tese e decidiu que a promulgação da CF não pode ser utilizada para definir a ocupação tradicional da terra por comunidades.

“Veja bem, está muito claro no nosso país que os indígenas não precisam de mais terras. Os indígenas no Brasil têm em média cerca de 472 hectares cada indígena. No nosso Estado [Roraima], como eu falei, temos lá reservas indígenas que são maiores que um País”, disse o senador.

A afirmação ocorreu após a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal adiar da votação da proposta. O colegiado aceitou o pedido de vistas coletivo dos senadores, com o compromisso de retornar o debate da pauta em outubro.

A PEC-48, na avaliação do senador Hiran, seria uma forma de colocar na Constituição a tese do marco temporal e pôr fim aos conflitos jurídicos. Na reunião da CCJ desta terça-feira, 9, o senador Esperidião Amin (PP-SC), relator da proposta, chegou a ler o relatório favorável à matéria. No entanto, o presidente da comissão, Davi Alcolumbre (União-AP), optou por retirar a proposta da pauta.

Ele a um pedido do senador Jaques Wagner (PT-BA). O petista pediu para adiar a votação até que todos se reúnam na comissão de conciliação do STF. O encontro está marcado para ocorrer entre os meses de setembro e dezembro. Para o parlamentar, há 35 anos o Congresso não regulamentou o artigo da Constituição que estabelecia um prazo para que os parlamentares regulamentassem a demarcação das terras indígenas.

“Só que vou continuar com minha máxima de que uma conciliação e entendimento é melhor para pacificar. (…) Já estamos há 35 anos atrás do fim desse conflito, não serão três ou quatro meses que vão nos matar”, disse Jaques.

O autor da proposta promete apoiar a medida que deve ser apresentada na comissão de conciliação do STF, caso esta também receba apoio majoritário dos senadores da CCJ. “Nós precisamos não só regulamentar o marco temporal, mas também a nossa Constituição que diz, no seu artigo 231, que nós podemos explorar as nossas riquezas nas terras indígenas. No nosso Estado (RR), nós temos uma tabela periódica, nós temos tudo lá, riquezas incomensuráveis, que estão lá guardadas não sei lá pra quem”, afirmou.

Embate de Poderes

O STF derrubou a tese do marco temporal ao mesmo tempo em que o Congresso aprovava uma lei ordinária, que estipulou a Constituição de 1988 como data limite para a demarcação. A lei chegou a ser vetada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), mas o veto foi derrubado.

A lei foi sancionada, entrou em vigor e agora é contestada no STF por diversos partidos e pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB). Em outra frente, partidos de direita pedem a validação constitucional. O relator da matéria é o ministro Gilmar Mendes.

Apib quer suspensão

O coordenador da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Dinamam Tuxa, não conseguiu sequer acesso à sala da CCJ para acompanhar a sessão. Ele afirmou que a proposta é contrária aos interesses dos povos indígenas e tramita em ambiente parlamentar que eles não são ouvidos. Para a liderança, há uma clara desvantagem, uma vez que bancadas temáticas, como a ruralista, são majoritariamente favoráveis ao marco temporal de 1988.

A Apib defende a suspensão da Lei 14.701/2023, que instituiu o marco temporal e está sendo contestada no STF, para retomar o diálogo sobre o tema. “É importante pontuar aqui que estamos traçando essa estratégia, inclusive do nosso manifesto, para que a gente permaneça nesse grupo de conciliação“, destacou.

“A condicionante é justamente ter a suspensão da aplicabilidade da lei. Acho que é algo para a gente poder sentar nessa mesa de igual para igual. Porque no cenário que se encontra, só os povos indígenas estão perdendo nesse debate. Tanto no Judiciário, quando na Câmara dos Deputados, quanto aqui no Senado”, completou.

Comissão de Conciliação

A comissão de conciliação do STF é coordenada pelo ministro Gilmar Mendes. O início dos trabalhos começa em 5 de agosto, e deve ir até 18 de dezembro. A Câmara dos Deputados e o Senado Federal terão direito a três membros cada.

Já o governo federal deve indicar quatro representantes da Advocacia-Geral da União (AGU), do Ministérios da Justiça e Segurança Pública (MJSP) e do Ministérios do Povos Indígenas (MPI), além da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).

Os Estados terão dois membros, indicados pelo Fórum de Governadores e pelo Colégio Nacional de Procuradores de Estado (Conpeg). Os municípios deverão indicar um membro, a partir de consenso entre a Confederação Nacional dos Municípios (CNM) e a Frente Nacional dos Prefeitos (FNP).

Interesse na mineração

A deputada federal Célia Xakriaba (PSOL-MG), que acompanhou a sessão da CCJ do Senado nessa terça-feira, 9, disse que a PEC-48 faz parte de um lobby para a exploração da mineração nas terras indígenas. Para a parlamentar, a medida é parte de um pacote anti-indígena e uma tentativa de questionar a demarcação da Raposa Serra do Sol, localizada no Estado de Roraima. Esse foi um dos argumentos que embasou o relatório do senador Espiridião Amin (PP-SC), para justificar a Constituição de 1988 como o marco temporal das demarcações.

“O retorno dessa PEC no Senado é um forte lobby da mineração, uma tentativa também de arrendamento de terras indígenas, que foram naqueles artigos que foram desconsiderados pelo STF”, disse a deputada. Xakriaba afirmou também que a comissão de conciliação do STF pode trazer propostas perigosas, uma vez que a “menina dos olhos” dos congressistas é a exploração dos combustíveis fósseis e riquezas minerais, sobretudo nas terras da Amazônia.

“Para mim, é muito violento e covarde essa discussão aqui no Senado, porque ao mesmo tempo, não tem nenhum indígena que consegue ter o microfone aberto para falar. Não teve audiência e eles deslegitimam qualquer processo de escuta”, completou.

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