A Enfermagem é a principal, e muitas vezes única, presença permanente da Saúde em territórios indígenas. A necessidade de formação e valorização para fixar as equipes no território foi um dos temas trazidos pela enfermeira sanitarista Amanda Frota, na II Assembleia Geral dos Povos Yanomami da URIHI, realizada na região do Surucucu, Terra Indígena Yanomami, em Roraima. O evento reuniu mais de 300 indígenas de 10 a 14 de abril.
A enfermeira, que atuou no território e integrou pesquisa sobre o impacto do garimpo ilegal na Saúde Yanomami, participou do evento representando o Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes), juntamente com o presidente Carlos Fidelis. A Terra Indígena Yanomami enfrenta emergência sanitária, decretada em janeiro de 2023, após a morte de pelo menos 570 crianças por causas associadas a desnutrição, em quatro anos. Segundo o Ministério dos Povos Indígenas, desnutrição aguda, pneumonia, diarreia são as principais causas de óbitos no território, acossado pelo garimpo ilegal.
“Resgates, internação, atenção hospitalar são importantes e necessárias, mas se a Atenção Primária à Saúde (APS) não for implementada, em pouco tempo já não caberão os Yanomami no [futuros] centro de referência de Surucucu e no [futuro] hospital indígena em Boa Vista”, afirmou Amanda. “A APS é um jeito de fazer saúde”, destacou a sanitarista, que atuou na Terra Indígena Yanomami nos anos 2000 e retornou no contexto da pandemia da covid-19.
Com fala dirigida aos Yanomami, utilizando frases curtas e tradução da liderança Yanomami, Junior Hekurari, a sanitarista ratificou algumas das características da APS que devem ser efetivamente implementadas na floresta. Para Amanda, APS é:
– “Ter o cuidado na comunidade. Equipe de Saúde na comunidade, que atue ao longo de dias e pernoite na comunidade. Que o cuidado não seja centralizado nas UBSI e hospital”;
– “Ter Agente Indígena de Saúde (AIS) na maloca. É preciso AIS em todas as comunidades possíveis”;
– “Que a atuação da equipe seja ‘vigilante’, que esteja atenta aos acontecimentos de saúde da comunidade, que colete dados, que avaliem os dados, que planejem ações para evitar o adoecimento, para evitar a necessidade de internação nas UBSI da floresta ou hospital”;
– “Que o trabalho em saúde valorize a participação dos Yanomami. Que os profissionais respeitem o pensamento e as propostas Yanomami, que a comunidade participe, lideranças, conselheiros, mulheres, jovens”.
Formação em Enfermagem Indígena – Presidente do Cebes e conselheiro nacional de Saúde, Carlos Fidelis destacou a importância “medidas estruturais de promoção da Saúde”, defendendo criação de uma escola que, além de atender crianças, jovens e adultos, aborde as questões que atingem os Yanomami. “Precisamos pensar a médio e longo prazo para que Yanomami cuidem de Yanomami”, afirmou Fidelis.
O cuidado qualificado de Enfermagem é essencial para aumentar a cobertura e resolutividade da assistência à saúde dos povos originários. Parte significativa mora em locais de difícil acesso e enfrenta vulnerabilidade social e econômica. Isto se reflete na prevalência de agravos como desnutrição e tuberculose, que é três vezes mais frequente na população indígena. Mortes sem assistência de saúde predominam, e a mortalidade materna supera a média nacional.
“São muitos os desafios a serem enfrentados para fixar os profissionais em território indígenas e eles vão desde a formação à valorização salarial”, afirma Paulo Murilo Paiva, coordenador da Comissão Nacional de Enfermagem em Saúde Intercultural (Conenfsi/Cofen). “O Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) apoiou ações emergenciais do Ministério da Saúde no Território Yanomami, mas também entende que soluções estruturais são necessárias a médio e longo prazo”, pondera.
No Mato Grosso, o Cofen apoia a formação em Enfermagem Indígena, realizada pela Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat) com o apoio do Coren-MT. São 50 alunos de 43 etnias como Xavante, Pareci, Kaiapó, Nhambiquara e Bacairi. “Onde eu moro, muitos parentes estão estudando. Por isso, é uma honra estar aqui com vocês”, agradeceu Yakagi Kuikuro, que é aluno indígena do Xingu. “Realmente, estão executando bem o trabalho dentro do nosso território. Eu agradeço muito por essa contribuição. O resultado está aí, é a realização do nosso sonho. Nós mesmos vamos cuidar do nosso povo”, emendou o aluno indígena da região Kayapo, Takaype Tapayuna Metuktire, em visita ao Cofen, em março.
Seminário Nacional de Enfermagem em Saúde Intercultural – A terceira edição do evento, realizado pela Conenfsi/Cofen, acontecerá em Boa Vista (RR), em 29 e 30 de abril. Com o o tema “A diversidade cultural indígena e ribeirinha: diálogos, desafios e perspectivas sob o olhar da Enfermagem”, o evento terá transmissão ao vivo pelo CofenPlay.